João Luis Duboc Pinaud e depois Oscar Stevenson, que foram meus professores de matéria Penal (Código Penal e Código de Processo Penal) na Universidade, eles ensinavam a todos nós alunos que cabe ao Ministério Público acusar e ao Juiz decidir, isto é, sentenciar. Que o processo penal era formado por um tripé: a parte, o Ministério Público e o Juiz, que o professor Pinaud ( que era magistrado ) chamava de superparte. Pinaud e Stevenson ensinavam que o artigo 40 do Código de Processo Penal (CPP) era a mais primária fonte deste princípio jurídico. Diz o artigo 40 do CPP:
“Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”
Em outras palavras, os juízes (no caso de 1ª instância), os desembargadores e ministros (no caso das instâncias superiores) quando tiverem em mãos autos de processo e/ou papéis (que pode até ser uma petição avulsa de qualquer cidadão) que indiquem a existência de crime de ação pública, têm eles o poder-dever de enviar cópias ao Ministério Público (MP). Repita-se: enviar ao Ministério Público. E caberá ao MP examinar e decidir se determina a instauração de inquérito policial ou, se dispensado o inquérito, oferece desde logo a denúncia. Tudo isso tratando-se de crime de ação pública.
Parece que mais claro não pode ser. Até os leigos entendem o que diz o artigo 40 do CPP.
Mas o que se tem visto ultimamente e nos últimos dias é o contrário. É o desrespeito à lei. Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral têm expedido ordens diretamente à Polícia Federal para instaurar inquérito policial porque no entender deles, ministros, há crimes a serem apurados, autoria e materialidade.
Mas o artigo 40 do CPP não diz, claramente, que o oficiamento dos tribunais deve ser feito e dirigido ao Ministério Público?
E quando o Tribunal é o eleitoral o MP não é o MP eleitoral?
E quando um dos tidos por envolvidos, na visão do Tribunal, é o presidente da República, o oficiamento não deve ser, obrigatoriamente, ao Procurador-Geral da República?
Este itinerário, este ritual antigo, pois é de 1941, não vem sendo observado. Não vale mais nada. Nos casos concretos e mais recentes e atuais, os ministros Luiz Fux (STF) e Luiz Roberto Barroso (TSE) não enviam apenas peças, mas dão ordens, ordenam, obrigam à Polícia Federal instaurar inquérito, até mesmo relacionando a prática de crimes que eles, ministros, entendem que foram cometidos. E o que é pior: dentre eles, até crimes de ação privada, como são os crimes contra a honra: calunia, difamação, injúria e outros previstos em legislações suplementares, ao passo que o artigo 40 do CPP menciona apenas “crime de ação pública”. Isto porque só os vitimados por crimes de ação privada é que podem cobrar na Justiça a responsabilização e condenação de seus ofensores. É um direito personalíssimo que juiz nenhum e ministro algum pode decidir investigar. São crimes contra a pessoa. Contra a honra do ser humano. E só este é que tem a legitimidade para ir à Justiça contra o(s) ofensor(es).
E o Ministério Público?
E o Procurador-Geral da República?
Quanto a estes, os ministros apenas mandam dar ciência, mandam dar vista, como se não fossem eles o que os Romanos denominavam de “Dominus Litis” (os donos, os titulares da Ação penal, literalmente).
Tudo inutilmente. Isto porque a Polícia Federal pode investigar, tomar todas as medidas, ouvir testemunhas, proceder às perícias e tudo mais que entender necessário para cumprir as ordens de Suas Excelências. Mas no final nada vai para as mãos do Juiz, nem para os ministros dos Tribunais. Tudo vai parar nas mãos do Ministério Público, porque só ele, o MP, é o titular e dono da ação penal. Só ele é quem decide sobre o que apurou o Inquérito Policial. Só ele é quem pode oferecer denúncia contra todos aqueles que os senhores ministros ordenaram que a Polícia Federal investigasse através de Inquérito Policial.
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