A CPI pode quebrar o sigilo de veículos jornalísticos?

Nos últimos dias foi divulgado que o relator da CPI da Covid formulou requerimento de quebra de sigilo bancário de algumas empresas, dentre elas a Rádio Jovem Pan e o Brasil Paralelo – sendo essa última uma empresa que produz documentários jornalísticos sobre história e política.

De acordo com o requerimento subscrito pelo relator, essas duas empresas seriam “grandes disseminadoras de fake news”; e integrariam o denominado “gabinete do ódio” do Poder Executivo Federal. Além disso, os dois veículos teriam atuado “durante a campanha eleitoral de 2018, e seriam próximas do então candidato Jair Bolsonaro, seus filhos, correligionários e apoiadores”. Por esses motivos, o requerimento pleiteou a quebra do sigilo bancário da Jovem Pan e do Brasil Paralelo a partir do início do ano de 2018.

Primeiramente, deve-se destacar que a CPI tem sim o poder de determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de investigados. No entanto, esses requerimentos, e consequentes deferimentos, devem ter fundamentação fática e jurídica, a fim de demonstrar a necessidade dessas diligências, bem como quais fatos e evidências se pretendem obter com esses afastamentos de sigilo.

No texto dos referidos requerimentos, o relator alega que a CPI possui “matiz politico”, sendo assim, suas medidas investigativas não precisariam estar fortemente fundamentadas como ocorre com decisões judiciais. Entretanto, no meu entendimento técnico e jurídico esses pedidos não apresentam base legal nem constitucional, pois os pedidos e deferimentos de medidas investigativas feitas por uma CPI devem sim estar devidamente fundamentados, principalmente quando uma diligência pretende afastar um sigilo protegido constitucionalmente, como ocorre com o sigilo bancário.

Além disso, os fatos narrados no requerimento em análise são vagos e genéricos, pois em nenhum momento seu subscritor menciona em qual programa; em qual data; e qual jornalista ou comentarista da rádio Jovem Pan teria propagado supostas notícias falsas. Igualmente, não foi indicado qual documentário ou eventual postagem da Brasil Paralelo estaria revestida de “fake news”.

Além disso, não há correlação lógica entre o objeto da apuração da CPI — que seriam eventuais ações ou omissões do governo federal referentes ao enfrentamento da Covid-19 – com supostas notícias falsas eventualmente propagadas por esses veículos, lembrando-se ainda que não existe no Brasil o crime de “fake news”.

Ademais, qual seria a justificativa da extensão do período da quebra para início de 2018, sendo que a pandemia da Covid-19 teve início no ano de 2020?

Desta forma, estando referido pedido completamente desprovido de qualquer base jurídica e fática, constata-se que poder-se-ia afirmar que há uma violação ao consagrado preceito constitucional da liberdade de imprensa, vez que nenhum poder pode ser utilizado de forma abusiva, sendo algo inadmissível em um país sério, justo e democrático.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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