Como funcionava o Glavlit, o órgão de censura da União Soviética, que durou de 1922 a 1991

A Glavlit englobava diferentes órgãos que censuravam os vários meios de comunicação: a Gosteleradio controlava emissoras de rádio e TV.| Foto: BigStock

É previsível: das medidas que toda ditadura toma assim que se inicia, uma das primeiras é barrar o trabalho da imprensa. No caso da União Soviética, antes mesmo da consolidação completa dos bolcheviques do final de 1922, ainda em 13 de outubro de 1921, já existia uma lista de temas e palavras proibidas para os jornalistas.

Ao longo dos anos, até o fim da URSS em dezembro de 1991, essas informações foram constantemente ampliadas e atualizadas. Esse trabalho de monitoramento dos jornais, revistas, publicidade impressa e livros de não ficção ficou a cargo de um dos tantos órgãos de nome extenso que faziam parte da burocracia soviética: Diretoria Principal pela Proteção de Segredos de Estado na Imprensa sob o Conselho de Ministros da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

O nome ainda foi levemente alterado em três diferentes ocasiões. Mas, como aconteceu com outras organizações desta ditadura, as pessoas comuns encontraram para o órgão de censura do conteúdo impresso um apelido, que se manteve ao longo das décadas: Glavlit.

Os temas proibidos eram organizados em três níveis: muito secreto, secreto e não recomendável para publicação. Em geral, abarcavam segredos de estado, militares e oficiais (estes últimos se referiam a detalhes sobre o funcionamento de órgãos e projetos do governo). Os assuntos, por sua vez, foram subdivididos em outras categorias, como ciências, engenharia, esportes, política e economia.

Censura total

Para a ficção literária, havia um outro órgão, chamado Goskomizdat. Por sua vez, a função de controlar o cinema ficava a cargo da Goskino. Já a Gosteleradio controlava emissoras de rádio e TV, enquanto a circulação de informações sensíveis entre as agências governamentais era acompanhada de perto pela Goskomstat.

Essas organizações atuavam em parceria próxima com os serviços secretos, de forma que tentativas de burlar a censura poderiam levar jornalistas, escritores, artistas e até mesmo profissionais comuns à prisão.

No início da URSS, o trabalho de controle da imprensa era considerado prioritário. Foi sob os dois primeiros diretores, Nikolai Leonidovich Meshcheryakov (que ficou no cargo apenas entre junho e outubro de 1922 e Pavel Ivanovich Lebedev-Poliansky (cujo mandato seguiu de 1922 e 1931) que a Glavlit se consolidou.

Formou seu escritório central e passou a manter oficiais dentro das redações, que submetiam todos os textos a aprovação prévia. Os censores também produziam notas e textos sobre assuntos considerados relevantes, de forma a orientar a abordagem dos veículos. Em seus primeiros anos, a organização também participou do fechamento de quaisquer jornais que não estivessem alinhados.

Quanto às artes, ainda havia, nesta primeira década, espaço para expressões inovadoras, desde que louvassem, de alguma forma, o novo regime — foi assim que o futurismo russo de Vladimir Mayakovsky e o cinema de Dziga Vertov e Serguei Eisenstein puderam introduzir inovações na forma e linguagem, desde que o conteúdo se mantivesse sob controle.

Josef Stalin, que assumiu o poder no final da década de 20 e permaneceu no posto até a morte, em 1953, mudou essa orientação: a linguagem precisaria obedecer as suas orientações para um conceito estreito de realismo. Mas, para a imprensa escrita, essa fase de relativa liberdade nunca existiu.

Destruição sistemática do passado

Parte do trabalho de censura se referia ao passado. Ocupadas, as livrarias e bibliotecas foram submetidas a um trabalho de catalogação. Livros e jornais considerados inadequados foram queimados.

Os cidadãos também se viam pressionados a destruir obras que, se identificadas por vizinhos delatores, poderiam levar aos gulags. Textos de teor religioso, em especial, eram considerados perigosos. Também era mal visto carregar livros que elogiassem feitos, militares, culturais, arquitetônicos ou científicos de países capitalistas.

Esse trabalho de controle da história se manteve ao longo de toda a existência dos órgãos de censura. Afinal, na medida em que Stalin eliminava antigos líderes da revolução, era preciso alterar conteúdos elogiosos a eles. Cada vez que um líder soviético caía em desgraça, jornais eram queimados, enciclopédias tinham as páginas rasgadas e acabavam sendo reimpressas, com novos verbetes.

Da mesma forma, quando Adolf Hitler rompeu o tratado de paz com os russos durante a Segunda Guerra, foi preciso realizar um esforço intenso de reescrita a respeito da Alemanha nazista, que até então era elogiada na imprensa soviética.

Putin segue a tradição

Dos 11 diretores da Glavlit entre 1922 e 1991, o mais longevo foi Pavel Konstantinovich Romanov, que permaneceu no posto entre 1966 e 1986. Seu sucessor e último chefe, Vladimir Alekseevich Boldyrev, recebeu uma missão diferente: diante da política de abertura e transparência liderada pelo líder Mikhail Gorbachev, ele se viu na obrigação de reconstruir a história soviética, liberando, com cautela, a possibilidade de a imprensa abordar erros do passado, como as crises de abastecimento ou derrotas militares.

Mas o trabalho de censura a temas especialmente delicados se manteve. Ele faz parte da história da Rússia, aliás: os czares também mantinham órgãos de controle da imprensa. E Vladimir Putin, que na prática lidera o país desde o final da década de 1990, mantém o hábito de perseguir jornalistas e monitorar conteúdos das redes sociais.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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