Bolsonaro usa voto impresso como moeda de troca por sanção ou veto do fundão eleitoral

Bolsonaro vota durante as eleições de 2018: voto impresso entra no jogo da sanção ou veto do fundão eleitoral.| Foto: Tânia Regô/Agência Brasil

A aprovação da PEC do Voto Impresso Auditável virou moeda de troca do presidente Jair Bolsonaro para a sanção dos R$ 5,7 bilhões destinados ao fundão eleitoral. Mesmo tendo afirmado que a tendência era de vetar o fundão, Bolsonaro tem acenado nos bastidores com a sanção do trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 que prevê esse montante para financiar as eleições. Mas colocou como condicionante o apoio pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 135/19, a PEC do Voto Impresso – que quase foi derrubada na semana passada.

A estratégia de Bolsonaro em usar o apoio à PEC 135 foi sugerida ao presidente por conselheiros do Palácio do Planalto. Seria uma forma de resolver parcialmente o dilema entre desagradar seus eleitores ou a base no Congresso.

Ao sancionar o fundão eleitoral, agrada aos parlamentares – que hoje dão indicativos de não querer aprovar o voto impresso auditável. Do outro lado, os eleitorado mais bolsonarista não quer o aumento do valor do fundão eleitoral, mas teriam como compensação o voto impresso.

“Essa questão do fundão passa pelo voto impresso. Dependendo da costura, o presidente veta ou sanciona”, afirma um interlocutor palaciano à Gazeta do Povo. Bolsonaro é quem conduz as articulações, em conversas com presidentes e líderes partidários.

O que Bolsonaro pode perder ao vetar o fundão eleitoral

Há um precedente que indica que, no fim, Bolsonaro terá de sancionar a proposta para evitar o risco de impeachment. Em janeiro de 2020, por exemplo, Bolsonaro também havia sido pressionado por seu eleitorado a vetar os R$ 2 bilhões que constavam da Lei Orçamentária aprovada em dezembro de 2019 para o fundo eleitoral das eleições municipais. Mas o presidente acabou sancionando o valor.

À época, Bolsonaro disse que, se não sancionasse, poderia ser alvo de um processo de impeachment. “O Congresso pode entender que eu, ao vetar [o fundo eleitoral], atentei contra esse dispositivo constitucional [artigo 85 da Constituição, que trata de crimes de responsabilidade] e isso se tornar um processo de impeachment contra mim”, afirmou, em uma live da época em suas redes sociais.

A assessoria jurídica do governo havia alertado Bolsonaro para os riscos de vetar o fundão eleitoral de 2020. A argumentação é de que o veto tiraria recursos dos partidos para o financiamento de campanhas eleitorais – o que, por sua vez, poderia ser enquadrado como uma obstrução ao processo eleitoral, motivo para um pedido de impeachment.

Como o voto impresso entra como barganha para a sanção

Desse modo, a ameaça de veto seria uma forma de Bolsonaro pressionar pela aprovação do voto impresso, uma de suas principais causas. Mas ele próprio pode ter problemas se decidir vetar.

Ainda assim, a hipótese de veto não está descartada. “Se os partidos disserem não [para o voto impresso], o presidente vai ter o desgaste do fundão para quê? É melhor ele vetar e discutir outra proposta orçamentária para o financiamento das eleições”, diz um interlocutor palaciano, que reconhece, entretanto, os riscos de os partidos interpretarem isso como uma clara chantagem.

A leitura feita no Planalto é que o debate sobre o voto impresso auditável deixou de ser técnico e passou a ser político. Por isso, a avaliação é de que, ainda que os partidos entendam isso como chantagem, Bolsonaro terá “munição” para barganhar. “Os partidos decidiram ser ‘oposição por oposição’. Já votaram a favor do voto impresso anteriormente”, sustenta um segundo interlocutor.

Nos bastidores, Bolsonaro tem sinalizado que “todos” têm a ganhar. Dos R$ 5,7 bilhões, em torno de R$ 2 bilhões seriam repassados para a implantação das urnas do voto impresso. Já os partidos praticamente dobrariam os recursos do fundão – que, nas eleições municipais de 2020 foram de R$ 2 bilhões.

Interlocutores do governo afirmam que nem se discute nos bastidores outra forma de financiar as eleições para 2022. “Ao menos por ora, não tem isso de vetar o fundão e apresentar outra proposta orçamentária para as eleições”, assegura um assessor palaciano.

Mas reportagem da Folha de S.Paulo desta terça-feira (20) informa que já haveria inclusive uma articulação da base do governo no Congresso para tentar reduzir o valor do fundão dos R$ 5,7 bilhões para R$ 4 bilhões como forma de evitar um veto. A questão é que esse valor reduzido não necessariamente contemplaria os R$ 2 bilhões para a adoção do voto impresso – o que não seria do interesse do Planalto.

Membros da articulação política do governo admitem que o aumento do valor do fundão não pegou o Planalto de surpresa porque estava “precificado”. “Foi feito de maneira previamente calculada para esse fim [voto impresso]. É um jogo político. O presidente está conversando com os dirigentes partidários; alguns nem contavam com a possibilidade de ele usar isso [sanção dos R$ 5,7 bilhões] para pressionar”, diz um interlocutor.

O presidente tem, inclusive, tentado convencer os partidos de que o cálculo de R$ 2 bilhões para a implementação das urnas de voto impresso está superestimado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente foi alertado que não seria necessário renovar todas as urnas, e que cerca de metade delas podem gerar o registro impresso do voto. Portanto, parte desses recursos podem vir a ser destinadas aos candidatos.

Portanto, no melhor dos cenários avaliados pelo Planalto, Bolsonaro ganha apoio dos partidos pela aprovação da PEC do Voto Impresso, que teria seu texto final modificado. Com a aprovação do voto impresso, tende a agradar a seus os eleitores mais fiéis. E ainda atenuaria as críticas que sofre ao argumentar que o aumento de recursos do fundão será necessário para financiar a adoção do novo modelo de auditagem das eleições.

Qual é o cálculo feito em caso de veto ao fundão eleitoral

A hipótese de veto ao fundão eleitoral, entretanto, traria um cenário político mais turbulento ao Planalto. O governo sabe que não apenas a PEC 135 seria derrotada na Câmara. Mas o humor político dos partidos da base tenderia a mudar significativamente.

A abertura de um processo de impeachment, inclusive, passaria a ser uma ameaça mais consistente, reconhecem interlocutores envolvidos nas discussões da sanção da LDO. O primeiro-vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), por exemplo, pediu acesso aos mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. E deixou no ar a possibilidade de abrir o processo de afastamento do presidente quando assumir a presidência da Câmara numa eventual ausência de Arthur Lira (PP-AL).

Nesse cenário, sobraria a Bolsonaro capitalizar os bônus políticos da decisão e usar de seu personalismo e retórica para jogar o eleitorado contra os partidos políticos e lideranças – sobretudo o próprio Ramos, como já fez anteriormente.

“Os parlamentares aprovaram a LDO. É um documento enorme, com vários anexos. Tem muita coisa lá dentro. Muitos parlamentares tentaram destacar essa questão [fundo eleitoral]. O responsável por aprovar isso é o Marcelo Ramos, lá do Amazonas, viu presidente [Arhur Lira (PP-AL)]. Ele que fez isso tudo”, declarou Bolsonaro no domingo (18).

Estratégia de Bolsonaro é de alto risco, na avaliação de governistas da base

A estratégia de Bolsonaro de usar o fundão eleitoral para aprovar o voto impresso é de alto risco. Os aliados bolsonaristas mais ideológicos continuam a defender o presidente da República e suas ações.

Mas outros governistas estão incomodados com a forma como ele tenta emplacar o voto impresso a todo o custo. Eles avaliam como arriscada a estratégia de Bolsonaro. Lembram que o PSD já se desgarrou da base aliada e sinaliza com a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), à Presidência da República. “Hoje, diria que o governo tem uma base menor do que há um ano, e ele [Bolsonaro] insiste com essa pauta [voto impresso]”, alerta uma liderança da Câmara.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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