Cubanos querem o fim do comunismo, diz presidente da Associação de Cubanos Livres

Cubano-americanos manifestam apoio aos protestos em Cuba, em frente ao Restaurante Versailles em Miami, Flórida, EUA, 14 de julho de 2021. Imagem ilustrativa.| Foto: CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH/Agência EFE/Gazeta do Povo

Liodanyz Ramirez é um cubano com status de refugiado político no Brasil. Ele chegou no país há 3 anos e meio e saiu de sua terra natal por causa da perseguição.

Agora, é um profissional de TI e utiliza seus recursos e tempo livres para presidir uma organização que ajuda refugiados cubanos no Brasil e em outros lugares.

Associação de Cubanos Livres foi aberta oficialmente em maio deste ano, mas antes disso já vinha atuando informalmente por meio do envio de cartas ao governo brasileiro e de denuncias à Organização dos Estados Americanos. A partir desse trabalho, foi criada uma estrutura para agregar os trabalhos relacionados com direitos humanos dos cubanos.

O que é Associação de Cubanos Livres e como é a sua atuação?

A Associação de Cubanos Livres é uma organização que foi formada com o objetivo de velar pelos direitos humanos de cubanos tanto dentro como fora da ilha. Para refugiados aqui no Brasil, tentamos educar e orientar as pessoas, pois quando alguém sai de Cuba a pessoa fica meio perdida, não sabe como funciona o mundo.

O cubano precisa de orientação para saber como funciona a procura de emprego e para aprender uma nova língua, no caso específico do Brasil.

Também cuidamos para que cubanos não sejam explorados pelo fato de não terem documentação. Esse trabalho integral tem o objetivo de que o cubano saiba de seus direitos. Também trabalhamos muito com a questão dos médicos que estavam aqui no Brasil.

Usamos nossa estrutura para mostrar aos outros países as violações de direitos humanos que acontecem com o povo cubano em seu próprio país todos os dias. Portanto, é uma organização focada nos direitos humanos tanto dentro como fora da ilha.

Nossa instituição foca seu trabalho principalmente no Brasil, mas temos contatos com pessoas de outras partes. Até agora fizemos contato e ajudamos aproximadamente umas 150 pessoas, com as necessidades mais variadas. Principalmente no Brasil, mas também pessoas no Paraguai e uma em Trindade e Tobago.

Vocês tiveram contato com os médicos cubanos após o fim do programa Mais Médicos? Como foi o trabalho com eles?

Dentro do conselho fundador da nossa associação a única pessoa que não fazia parte dos Mais Médicos era eu, que sou o presidente. O vice, o especialista de mídias, o financeiro, a secretária-geral e muitos de nossos membros são ex-integrantes dos Mais Médicos que decidiram ficar no Brasil.

Mas sobre o programa Mais Médicos e sua organização, é preciso ver o que diz a ONU sobre os direitos dos trabalhadores. Quando se fala que os médicos estavam em regime de escravidão era porque estavam recebendo cerca de 25% de seus salários, em relação a colegas que estavam fazendo exatamente a mesma coisa que eles. E a maior parte do salário ia para os bolsos do regime cubano.

É por isso que falamos em regime de escravidão ou, pelo menos, de exploração.

Sobre os protestos que começaram no último domingo (11), você poderia relatar o que soube através de suas fontes?

Mesmo com o corte de internet, temos conseguido, embora com menos frequência, nos comunicar com as pessoas da ilha. Atualmente fala-se entre 300 e 400 pessoas desaparecidas. Isto é, de pessoas que foram presas durante as manifestações e não se sabe dizer onde elas estão, ou em que unidade policial as suas famílias poderiam encontrá-las. Essa variação de número acontece porque depende da fonte, então é um número aproximado.

O regime também falou em uma pessoa morta, mas os relatos indicam pelo menos cinco. É difícil ter certeza sobre os números, já que as notícias oficiais do regime dificilmente são confiáveis.

E como ocorreram as manifestações?

As manifestações começaram com um grande número de pessoas caminhando nas ruas, em mais de 20 cidades do país. Foram milhares de pessoas. Em muitos casos essas pessoas caminhavam com as mãos para cima em sinal de protesto pacífico.

O assim chamado presidente do país, Miguel Díaz-Canel, saiu em rede nacional de TV incitando os apoiadores do regime a confrontar o protesto. E tome-se por apoiadores do regime, em certos casos, a própria força de segurança vestida de civil. Pois circularam vídeos de carros de policiais chegando e saindo à paisana.

Esses apoiadores apareceram com paus para atacar os manifestantes. E isso foi um chamado em TV nacional do presidente do país! A partir daí, tudo o que aconteceu é muito grave, porque o presidente do país praticamente convocou uma guerra civil.

Depois tivemos polícias nas ruas atirando em pessoas desarmadas. Um confronto de povo contra povo. E isso é total responsabilidade do governo do país.

Estamos falando da privação de todas as liberdades do ser-humano dentro do país. Porque a manifestação pacífica e a liberdade de expressão são dois dos principais direitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Após esse enfrentamento, como a população reagiu, há intenção de continuar as manifestações?

As manifestações foram diminuindo à medida que foi aumentando a militarização do país. Não dá para caminhar tranquilamente pelas ruas hoje, porque estão tomadas de policiais militares com roupas antimotim, cachorros, armas grandes etc. Obviamente, a partir de quarta-feira os relatos de protestos são praticamente inexistentes.

Mas quando se fala com as pessoas dentro da ilha elas demonstram a intenção de sair novamente. Essa onda de protestos não deve parar.

O descontentamento da população cubana não tem a ver com um detalhe ou outro, mas com um sistema falido e com um governo que simplesmente não é democrático.

Além do descontentamento, estão sendo reprimidos por uma manifestação pacífica. Além disso há casos em que a polícia armada está atirando dentro das casas das pessoas.

E quais são as principais demandas dos cubanos?

Uma coisa que me incomoda muito em reportagens que eu leio em alguns lugares é o fato de tentarem colocar os protestos em Cuba como se fosse uma questão meramente econômica: “É o embargo. É a falta de alimentos”. Mas é preciso escutar as reais demandas do povo na rua.

E eles falam “fora ditadura” e “patria y vida” que é o contrário de “patria o muerte” da ditadura. Eles pedem a queda do poder atual.

As pessoas não estão fazendo demandas contra um embargo, mas contra um regime que está as obrigando a viver na miséria.

As pessoas se fazem perguntas: como as lojas em dólares estão tão bem abastecidas se o problema é o embargo? As lojas em moeda cubana não tem nada, e quem enche as outras lojas? Se tem lojas que tem de tudo e outras que não tem nada o problema não é o embargo. O problema é o governo que não deixa o povo se expressar, produzir e ter liberdade para vender e investir. O sistema é o problema. Por isso o povo está demandando o fim do problema principal que é o regime comunista.

Sobre a questão econômica, como funciona exatamente. Qual a liberdade que um cubano tem?

Abrir uma loja, patentear um produto, em Cuba isso não existe. Só o governo pode fazer isso. Então é preciso negociar com as instituições do governo, e obedecer as demandas deles.

Segundo o site oficial do governo do Min. Comércio Exterior de Cuba, a ilha tem comércio com cerca de 114 países, isso compreende cerca de 6 mil empresas estrangeiras.

Cuba produz certas coisas que dentro do país as pessoas nem sabem que existem. Por exemplo, sucos de frutas, equipamento esportivo e instrumentos musicais. E tudo isso são coisas que o país exporta para o mundo.

Para se ter uma ideia, em 1959, o país tinha 173 fábricas de açúcar, hoje tem nove. Todas foram falindo por causa da ineficácia do regime.

Além disso, cidades inteiras dentro do país que dependiam apenas dessas fábricas. Quando este negócio fecha o que acontece com toda a população? O que eles fazem daí para frente, porque ou eles trabalhavam na fábrica ou na lavoura? Esse povo todo vai ter de se virar para sobreviver num dos países que mais têm coisas ilegais no mundo. Com tudo isso, a paciência da população foi acabando.

Você acredita que a internet teve um papel importante nessa mudança? O fato de haver americanos que querem facilitar o acesso à internet para a ilha pode ser um motivo de esperança?

Sim, esses problemas não são de agora, mas as mídias sociais vieram para mostrar o que acontece em Cuba há 60 anos.

A internet na ilha é controlada pelas instituições do governo, tanto é que agora que começaram os protestos cortaram a internet para o mundo não enxergar o que acontece em Cuba. Imagina como era há 10 anos, quando apenas membros do partido e do exército possuíam um telefone celular.

A internet em Cuba é diferente de outros países, o que há é um gigante do exército cujo nome é Gaesa e que controla as telecomunicações. Então quando o regime quer, é possível cortar a internet.

Existe, portanto, a necessidade de ter um acesso externo para que as pessoas dentro do país consigam ter acesso à informação e também consigam provê-las.

No Brasil, um jornalista pode criticar o governo. Em Cuba, isso não é bem assim, quando vai acontecer alguma coisa grave, as pessoas sabem, porque uma ou duas horas antes o governo retira a internet.

Porém, no último protesto, eles foram pegos de surpresa. Eles levaram um pouco mais de tempo para responder e retirar o serviço.

Na verdade, ninguém estava preparado, pois foi um efeito dominó. Começou em San Antonio de los Baños e depois foi aparecendo em uma cidade após a outra e demorou para as pessoas entenderem o que estava acontecendo.

A questão sanitária foi mesmo o estopim dos protestos?

Sobre o sistema de saúde em Cuba, a primeira coisa que é preciso saber é que a elite tem seus hospitais, os militares têm os seus, e o povo tem os seus. Eu vou me focar no hospital do povo. Aquele que eu ia quando estava em Cuba, e que vão minha mãe e meu filho que ainda estão na ilha.

Esses hospitais estão em ruínas. Os banheiros estão caindo aos pedaços, há pouca higiene, inclusive com baratas caminhando em meio aos pacientes.

Sobre a questão da Covid-19, o governo cubano começou a usar a doença como justificativa para aumentar a repressão. Então, eles começaram a fechar o país com toques de recolher a partir das 19h.

Só que das 8h da manhã até as 19h, as pessoas faziam filas que duravam entre 8 e 9 horas, de 700 pessoas mais ou menos para comprar ovo, um pedaço de frango, porque tudo é racionado.

Então as pessoas começaram a se perguntar se a Covid em Cuba só ataca à noite.

Mas obviamente os casos e a crise começaram a aumentar, e o sistema de saúde cubano colapsou. Ouvi um relato de uma pessoa que teve seu familiar falecido em casa por quatro dias até que conseguiram um carro para levá-lo ao cemitério, fora casos que faltava ambulância para buscar pacientes.

Curiosamente, é que quando houve os protestos deu pra ver uma grande quantidade de militares, de carros da política… mas ambulância não tem.

Além disso, Cuba não tinha estrutura para gerenciar todo esse aumento de casos de Covid. Então todas essas necessidades, essas carências se somaram e acabou desencadeando o protesto.

Em relação à repressão estatal, há uma possibilidade de haver uma quebra na hierarquia em decorrência dessa crise?

Eu acredito que, em algum momento, uma parte dos militares enxergue o que está acontecendo em Cuba. Esses protestos abriram os olhos de muitas pessoas, então obviamente uma das mensagens que queremos enviar é esta: fazer os militares verem que o povo não é inimigo deles, não é o povo que está criando os problemas.

Os problemas vêm de cima. A resposta e a solução para os problemas não são a repressão. Não é cubano matando cubano.

O objetivo dos protestos pacíficos nunca é a guerra civil. É procurar uma mudança, nesse caso para a democracia ou para aumentar a liberdade e os direitos.

Eu espero que agora ao menos uma parte das forças de segurança enxergue os problemas da repressão. Porque são os vizinhos dos soldados ou até seus familiares que estão nas ruas. E quando ele vai de um bairro ao outro para atender uma ocorrência, ele imagina que o irmão ou o vizinho possa estar apanhando em outro. E se você tem um pouco de humanidade sabe que isso está errado.

Quando você olha quem estão nos protestos, em sua maioria, são jovens, estudantes, artistas. Então, eu espero que as forças de segurança percebam o que realmente está acontecendo.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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