O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está disposto a acelerar a tramitação da nova reforma política para que ela seja aplicada já nas eleições de 2022. Para isso, será preciso que as duas votações em ambas as casas, já que se trata de mudança constitucional, ocorram até o fim de setembro – no cronograma de Lira, a PEC seria aprovada na Câmara ainda antes do recesso parlamentar, ou seja, ainda em julho. Entre as mudanças propostas está a criação do “distritão”, modelo que já foi rejeitado pelos parlamentares em duas ocasiões, mas que agora ganhou força, ainda que represente um retrocesso em comparação com o modelo proporcional atual.
No sistema proporcional, usado para eleger vereadores e deputados, a distribuição das cadeiras se dá pelo quociente eleitoral, um número fixo de votos que um partido precisa ter, somando os votos em todos os seus candidatos e os votos de legenda, para eleger um parlamentar. Além de ser um cálculo nem sempre de fácil compreensão, ele cria situações em que um candidato bem votado perde a vaga para outro que teve menos votos, mas está em uma legenda que teve bom desempenho. Além disso, ele estimula o recurso aos “puxadores” de votos, celebridades que conseguem votação expressiva a ponto de eleger também outros candidatos com poucos votos.
Os pontos negativos do “distritão” superam em muito as eventuais vantagens em termos de simplicidade
A regra do “distritão” é bastante simples: são eleitos os mais votados, na mesma quantidade de cadeiras disponíveis. Essa simplicidade é usada como argumento favorável pelos defensores da proposta, que acrescentam ver no “distritão” uma representação mais fiel da vontade do eleitor ao garantir que todos os que tiveram mais votos conquistem a cadeira parlamentar. No entanto, os pontos negativos superam em muito as eventuais vantagens em termos de simplicidade.
O efeito mais imediato é a perda de importância dos partidos, entidades essenciais para a democracia. No sistema proporcional, mesmo os votos em candidatos não eleitos ou os votos na legenda também indicam um desejo do eleitor, o de ver aquele programa partidário representado no Legislativo, e são considerados na conta do quociente eleitoral, ajudando o partido a eleger candidatos. No “distritão”, esse voto passa a não significar absolutamente nada. Até dentro de um mesmo partido a tendência será o individualismo nas campanhas – o que deve levar a um aumento de gastos –, já que os votos recebidos pelos colegas de chapa não servirão mais para alavancar as possibilidades de um candidato. Outro problema apontado no “distritão” é sua face personalista, que privilegia quem já é conhecido do eleitor, seja políticos com mandato, seja candidatos novatos que fizeram fama de outras formas, dificultando uma boa renovação nas casas legislativas.
Ciente das críticas e resistências, a relatora da reforma política, deputada Renata Abreu (Podemos-ES) acena com novidades como um “distritão misto”, em que metade das cadeiras em disputa seria preenchida pelas regras do “distritão”, e depois disso a outra metade seria distribuída pelas regras do sistema proporcional atual. Difícil ver vantagens na proposta, que manteria os problemas do “distritão” enquanto eliminaria a simplificação alegada por seus defensores, já que agora haveria dois sistemas em vez de um.
A relatora ainda afirma que o “distritão”, ou o “distritão misto”, serviria como transição para a adoção do voto distrital misto a partir de 2026. No entanto, o “distritão” nem de longe é um intermediário entre o sistema proporcional e o distrital; estaríamos diante de uma mudança radical em 2022 e outra mudança igualmente radical em 2026. Se o objetivo final é o voto distrital misto – que a Gazeta do Povo defende, por baratear campanhas e aproximar eleitores de eleitos, enquanto mantém a representação de minorias –, por que já não sugeri-lo diretamente para 2022, sem invencionices que já se sabe serem temporárias?
Reformas políticas deveriam melhorar o sistema eleitoral e partidário, como ocorreu em 2017 com a adoção da cláusula de barreira, embora no mesmo ano o Congresso tenha também aprovado o escandaloso megafundo eleitoral para bancar campanhas com dinheiro público. Se o Congresso está disposto a mudar as regras outra vez, que o faça para melhor, por exemplo implantando já o voto distrital misto e abolindo o financiamento público de partidos e campanhas, que devem ser custeados apenas por aqueles que acreditam no ideário defendido por determinada legenda ou candidato. Em vez disso, o que está na mesa é uma ideia que reduz a importância dos partidos e não combate os vícios do modelo atual.
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