O clima político no país caminha para um impasse. A guerra em curso apresenta as típicas características das de secessão, que conduzem à desunião, ao separatismo, à desagregação da unidade nacional. Trata-se de um panorama sombrio, permeado de extrema belicosidade, que já enveredou para um patamar preocupante de intransigência e imprevisibilidade. Até uma guerra civil – a depender do transcurso dos acontecimentos – não pode ser descartada.
Todas as instituições estão traspassadas por uma atmosfera de máxima hostilidade, cujos conflitos e disfuncionalidades sugerem um diagnóstico de absoluta anomia, margeando, no limite, um estado de incivilidade e barbárie. Incendeiam este cenário: o ativismo judicial e político do STF; a interferência da Corte Suprema nos demais Poderes da República; a implantação de CPIs (das fake News, da Covid, etc.) com propósitos facciosos e escusos; os recentes atritos envolvendo parlamentares do Congresso Nacional e as Forças Armadas; os constantes ataques loquazes entre o Presidente da República e outras autoridades e membros da oposição; a artilharia ostensiva e unilateral dos meios de comunicação de massa; a guerra aberta e pungente nas redes sociais; a instrumentalização partidária das academias, de entidades de representação profissional (como a OAB) e de igrejas – dentre outras insólitas ocorrências.
A tendência é que o ambiente “esquente” ainda mais, à medida que avança o calendário eleitoral. Ao contrário de medidas de contenção, os atores em cena, ao que tudo indica, investirão na agudização da inquietante conflagração, até o atingimento de seu clímax, já agendado para o segundo semestre de 2022 – salvo intercorrências ou precipitações de percurso. Até lá, a corda, de tão esticada que está, pode, inclusive, prematuramente, arrebentar – com consequências calamitosas e imponderáveis, já fartamente ilustradas pela história.
A oposição investe no “quanto pior, melhor” e na “profanação”, metódica e calculada, da abominada imagem do “Mito”. A situação, na denúncia de “venezuelização” do país e do retorno da rapinagem do passado. São narrativas que expressam e distinguem as principais correntes em conflito, fendendo, deleteriamente, os brasileiros em dois blocos (por ora) opostos e inconciliáveis.
Na moldura desse quadro, já deveras conturbado, o pior (e mais ameaçador) dos mundos será haver um pleito eleitoral cujo resultado final possa vir a ser contestado por uma das partes em disputa. E é justo esta questão que está, mais que outras, na ordem do dia. Matéria que desponta como substancial e decisiva no delineamento do espectro político que se seguirá nos meses vindouros, contribuindo para elevar ou reduzir o grau de agressividade da contenda, conforme os rumos que forem dados à mesma.
Sim, porque a suspeita – hoje disseminada no país – concernente à segurança das urnas eletrônicas é um tema da máxima relevância para o futuro da já fragilizada democracia tupiniquim, na medida em que somente eleições diretas e universais com resultados incontestáveis poderão contribuir para atenuar, no porvir – a depender, tal-qualmente, da postura do próximo candidato eleito –, a atmosfera fratricida que hoje impera em solo nacional, bem como resgatar a extraviada estabilidade institucional – sem o que não há governabilidade possível.
Não deveria haver razão, portanto, para tanta turbulência no tocante ao enredo, a não ser por motivações esdrúxulas e controversas. Pois diante de tanta celeuma, é justamente a introdução de mais um artifício garantidor da lisura do processo – no caso, o voto impresso acoplado à urna eletrônica – que permitiria otimizar a transparência do sistema e, por conseguinte, a inequívoca legitimidade do(s) eleito(s), aplainando novéis e potenciais fúrias e embirrações.
Não se pode desconsiderar, ademais, que alguns dos maiores especialistas sobre o assunto já demonstraram, inclusive perante o STF e o Congresso Nacional, a vulnerabilidade do atual sistema de aferição, exposto, não apenas, a interferências externas e criminosas de hackers, como, igualmente, a fraudes sigilosamente arquitetadas no próprio código-fonte interno do programa e suas chaves criptográficas – não detectáveis em controles prévios de auditoria, muito menos na fase final de escrutínio.
A propósito, não é ao acaso que a totalidade dos países democráticos tecnologicamente mais desenvolvidos, sem exceção, nunca adotou o sistema eletrônico de votação utilizado, hoje, no Brasil, sem o voto impresso; raridade “curiosamente” encontrada somente em países como Venezuela, Butão e Bangladesh, tipicamente conformados na contramão e ao avesso das retilíneas insígnias do republicanismo democrático.
Ressoa estranhíssimo, portanto, o fato de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na figura de seu atual presidente, o Ministro Luís Roberto Barroso, ter, há pouco tempo, não apenas defendido, mas saudado a introdução do voto impresso no sistema da urna eletrônica – como comprova vídeo inequívoco de ocasião, divulgado nas redes sociais – e, agora, repentinamente, sem a apresentação de argumentos sólidos e convincentes, adotar postura diametralmente oposta.
Eis porque, considerados todos os antecedentes, e a evolução inquietante do atual e delicado contexto, caberia ao STF e ao TSE – inclusive por dever supremo de função – sanar de vez as querelas no horizonte e zelar pela estabilização definitiva do ambiente de disputa, ao invés de tumultuá-lo, ainda mais, com posturas inescrupulosamente politizadas, em desafinação absoluta com o seu papel institucional e desígnio constitucional – mesmo porque o recurso ao voto impresso auditável, por ser neutro, não atribui vantagem a nenhum candidato.
Demonstram, assim, Suas Excelências, que não estão aptas, nem são dignas ao nobre e elevado cargo que ocupam; tampouco os políticos, em seu tradicional oportunismo, ao valoroso posto de representação popular – que prostituem e desonram.
Quanto ao argumento de que a introdução do voto impresso resultaria em mais despesas e mais trabalho ao TSE (por conta de possíveis judicializações), cabe uma única e incontestável resposta: a estabilidade e a segurança do regime democrático não têm preço! Qualquer trabalho extra de apuração, se necessário, será sempre bem-vindo, de vez que em benefício do único soberano que não pode ser golpeado por arrivistas de plantão, como reza a Constituição: o povo.
Eis, pois, que o que falta, ao fim e ao cabo, é a presença de estadistas na cena política e a grandeza republicana e de espírito aos senhores monarcas togados. Coerência, caráter e isenção. E como tais qualidades não se inventam ou se compram, e as autoridades não se fazem respeitar, só resta à população, por movimento próprio (democracia direta), obrigar as instituições (Congresso Nacional e Tribunais Superiores) a cumprirem as suas obrigações. Por bem ou por mal.
Por tudo, voto impresso e auditável já!
Pelo bem da democracia e em nome do futuro do país.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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