Nova constituição do Chile tem desafio de equilibrar direitos sociais e economia

O Chile deu o primeiro passo para a elaboração da sua nova constituição no domingo (4), em uma sessão inaugural que elegeu a acadêmica Elisa Loncón, uma indígena da etnia mapuche, para presidir a nova Convenção Constituinte.

Os constituintes que redigirão a nova carta magna chilena terão a missão de garantir a inclusão de mais direitos sociais, uma demanda dos manifestantes que foram às ruas em 2019, de maneira que haja um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social.

“O grande desafio do Chile é trazer direitos sociais, de igualdade de oportunidades, mas sem que isso prejudique a relativa boa performance econômica que o país teve nos últimos anos”, avalia Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais na FGV.

O Chile teve um crescimento acumulado de PIB per capita desde os anos 1980 muito maior do que o de seus vizinhos da região, e atualmente tem o maior PIB per capita entre as nações da América do Sul. Porém, ainda há desigualdade social, o que fomentou as grandes manifestações de 2019.

Vieira acredita que não haverá espaço para aventuras populistas, no sentido de garantirem muitos direitos que são difíceis de serem cumpridos, e que o Chile tem condições de reconciliar as demandas necessárias e a manutenção do progresso econômico. “Acredito que as chances são boas de haver um equilíbrio e a manutenção de um mínimo de performance econômica necessária para assegurar os direitos sociais”, pontua.

O centro dos debates deve estar na conformação de um sistema de previdência. “Não exclusivamente público, já que isso é inviável em qualquer lugar do mundo, mas me parece inevitável que eles voltem com algum sistema público para corrigir o sistema chileno, que no longo prazo se demonstrou insustentável”, diz o especialista.

Para Vieira, é possível que a constituição inclua ainda provisões sobre direitos ambientais, dado que o Chile é um grande exportador de recursos minerais, como o cobre, e de direitos sociais para os povos originários, que deve ser uma pauta prioritária pela configuração da constituinte.

Além disso, uma reforma no sistema universitário chileno também deve entrar na pauta. Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, já tinha tentado reformar o sistema de ensino superior em seu último mandato. No país, mesmo nas universidades públicas há cobrança de mensalidades, com a concessão de bolsas, que acabam não cobrindo todos os que precisam delas.

“Me parece que um caminho possível seja algo que descomodifique o setor universitário. A universidade não seria mais vista como algo que você adquire, com ou sem bolsa, mas sim como um direito para as pessoas que demonstrarem boas performances nos exames, assim como entendem outras sociedades”, afirma Vieira. “A grande questão a ser equacionada é como financiar esse processo”, ressalta, dizendo que uma estratégia possível seria ampliar o sistema de vouchers educacionais.

A constituição deverá ser redigida em até um ano e o texto deverá ser ratificado em outro plebiscito, no ano que vem.

A formação de uma assembleia constituinte de 155 membros foi aprovada esmagadoramente em um plebiscito em outubro de 2020. Os seus representantes foram escolhidos nas urnas em maio deste ano; a maioria deles são independentes de tendência progressista. A direita tem 37 cadeiras, número menor do que o necessário para o poder de veto automático na constituinte.VEJA TAMBÉM:

Primeira sessão é suspensa

A primeira sessão de trabalho da constituinte, programada para a tarde desta segunda-feira (5), foi suspensa porque os parlamentares apontaram falhas técnicas e falta de condições sanitárias que não permitiriam que as suas funções fossem cumpridas.

Para evitar aglomerações e obedecer às regras de combate à pandemia, a proposta era realizar a sessão com 80 constituintes no plenário do antigo Congresso Nacional de Santiago, e 25 em cada uma de outras três salas, que estariam conectadas para que todos participassem da sessão. Porém, as salas não estavam conectadas e faltaram computadores, telões e microfones, disseram os parlamentares. Os constituintes da oposição culparam o governo chileno pelas falhas, enquanto os aliados do presidente Sebastián Piñera disseram que a reponsabilidade era da mesa diretora da Convenção.

A mesa diretora adiou a primeira sessão para a manhã de terça-feira.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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