O que está por trás da pressão dos partidos para derrubar a PEC do voto impresso

Apesar do apoio público do presidente Jair Bolsonaro e da articulação da bancada bolsonarista para que avance dentro do Congresso, a chamada PEC do voto impresso pode ser derrubada antes mesmo de chegar ao plenário. A proposta de emenda à Constituição do voto auditável sofre resistências de lideranças partidárias.

Ao menos 11 presidentes de partido – inclusive do Centrão, que compõe a base governista – firmaram acordo para que o texto não avance. As movimentações políticas chamaram a atenção do governo, que enxerga nisso uma forma de barganha por uma nova reforma ministerial.

Caciques do Centrão classificam a manobra contra o voto impresso, uma matéria de interesse do Palácio do Planalto, como uma forma de valorizar o capital político da base aliada. “Os partidos perceberam que é uma matéria cara ao governo. E tem aí quase 10 ministros que vão disputar as eleições”, afirma uma liderança do Centrão na Câmara.

A comissão especial da PEC do voto impresso se reúne nesta segunda-feira (5) à tarde para discutir e votar a proposta.

Qual é a lógica por trás da tentativa de derrubar a PEC do voto impresso

O cálculo político feito pelos partidos da base do governo é que, se porventura o governo não abrir espaços no primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios, eles ficam “bem” com os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) ao obstruírem a pauta.

Já se o governo ceder e negociar novos ministérios com as legendas, os presidentes partidários ficam bem com o TSE, pelo gesto de oposição ao voto impresso, e com o governo, uma vez que tendem a liberar suas bancadas discretamente para votar. Para o Centrão, é um jogo de “ganha-ganha”.

“Faz parte do jogo, 2022 é ano eleitoral, os partidos querem buscar espaços para eleger suas bancadas”, pondera um interlocutor do Planalto, que admite a existência de tratativas por ministérios entre os partidos de centro e o governo.

“[Os presidentes partidários] estão tensionando para conseguir espaços, tendo em vista a perspectiva de ministros que podem lançar candidatura”, destaca o interlocutor. “Para os partidos é bom porque é ano eleitoral. Eles colocam alguém até março e tem o resto do ano para trabalhar politicamente”, complementa.

Quais ministros podem deixar o governo e que cargos eles disputarão

Gazeta do Povo ouviu de interlocutores do governo que até 10 ministros podem lançar candidatura para as eleições de 2022:

  • Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral;
  • Fábio Faria, das Comunicações;
  • Anderson Torres, da Justiça e Segurança Pública;
  • Tereza Cristina, da Agricultura;
  • Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura;
  • Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional;
  • Damares Alves, da Mulher, Família e dos Direitos Humanos;
  • João Roma, da Cidadania;
  • Gilson Machado, do Turismo;
  • Flávia Arruda, da Secretaria de Governo.

No Planalto, é reconhecida a possibilidade de que aqueles que sairão candidatos a governador deixem os ministérios até o fim deste ano. Aqueles que disputarão cargos na Câmara dos Deputados ou no Senado poderiam aguardar a data de desincompatibilização e ficar até março do próximo ano.

É dito no Planalto que dois ministros palacianos lançarão candidaturas a governos estaduais. Deputados federais licenciados, Onyx Lorenzoni (DEM) deve ser candidato no Rio Grande do Sul, enquanto Flávia Arruda (PL) tentará o governo do Distrito Federal.

Outros ministros que devem se lançar candidatos a governos estaduais são Rogério Marinho, que tentará o governo do Rio Grande do Norte, e Tarcísio de Freitas, pelo governo de São Paulo. O próprio Bolsonaro deseja que Freitas dispute o governo paulista, por enxergar nele um candidato forte para rivalizar com o indicado de João Doria (PSDB), o seu atual vice, Rodrigo Garcia (PSDB).

Outros ministros políticos, os deputados federais licenciados Fábio Faria (PSD-RN) e João Roma (Republicanos-BA) tendem a tentar o Senado. Faria seria o candidato a senador na composição com Marinho, enquanto Roma poderia compor com a candidatura do presidente nacional do DEM, ACM Neto, ao governo da Bahia.

Já Tereza Cristina (DEM-MS), que é deputada federal licenciada, Anderson Torres e Gilson Machado devem tentar, em princípio, uma cadeira na Câmara dos Deputados. Ambos têm aspirações ao Senado, mas tudo poderia depender das composições partidárias em cada estado.

Já Damares Alves é a incógnita entre os ministros. Ela tem o apoio de alguns governistas para tentar até uma candidatura a vice de Bolsonaro, mas poucos acreditam nessa chapa. “Ouso dizer que ela seria eleita deputada federal por qualquer estado. Para o Senado, dependeria de composições”, pondera um interlocutor governista.

Qual é a resistência de Bolsonaro em ceder novos ministérios

A pressão do Centrão por ministérios nunca cessou. Ainda em abril, com o governo “nas cordas” em meio à CPI da Covid, era conhecida a cobiça de um ministério da “cota” do Senado. Entretanto, em decorrência da própria CPI, o presidente Bolsonaro está relutante em ceder espaços no primeiro escalão aos partidos políticos.

O governo se viu nos últimos dias envolto em denúncias de suposta corrupção no Ministério da Saúde. O ex-diretor do Departamento de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, foi acusado na CPI da Covid de ter negociado propina para a compra de vacinas. Ele seria uma indicação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que nega.

A leitura feita por Bolsonaro é que mexer no comando de ministérios neste momento pode ser um “tiro no pé”. Tanto que, após o pedido de demissão de Ricardo Salles, ele substituiu o comando do Ministério do Meio Ambiente por um técnico da pasta, Joaquim Leite.

Os partidos entendem, contudo, que Bolsonaro não tem muitas alternativas se quiser a aprovação do voto impresso auditável no país. Um dos motivos é a forma como o próprio presidente da República tem tensionado o debate, sugerindo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser eleito “na fraude”. O discurso no Centrão é que o custo político pela defesa dessa pauta ficou mais “caro”.VEJA TAMBÉM:

Como foi a reação dos partidos ao relatório da PEC do voto impresso

Nesta semana, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da PEC 135/19, que institui o voto impresso auditável, apresentou seu relatório favorável à proposta. A expectativa era de votar o texto no colegiado nesta quinta-feira (1.º), contudo, não houve acordo entre os integrantes e uma nova sessão será convocada para a próxima semana.

A comissão especial é a última fase na tramitação da PEC antes que ela possa ser analisada pelo plenário da Câmara. Entretanto, os presidentes dos partidos PP, DEM, PL, Republicanos, Solidariedade, PSL, Cidadania, MDB, PSD, PSDB e Avante trabalham para que o texto seja vetado já na própria comissão.

Além da resistência por parte destas legendas, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, já se manifestou contrário à PEC. Na terça-feira (28), o grupo partidário fez um encontro com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que presidirá o TSE nas eleições de 2022, para tratar do assunto.

De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, Moraes foi o principal articulador para que as siglas se unissem contra a proposta. Em um encontro com os presidentes partidários, o futuro presidente do TSE teria afirmado que seria melhor evitar que o voto impresso chegasse ao STF para que não houvesse desgaste entre a Corte e Bolsonaro.

Caso chegue ao plenário da Câmara, a PEC precisará do voto favorável de 308 deputados, em dois turnos, para seguir à análise do Senado. Contudo, as legendas que sinalizaram contrárias ao texto somam 326 dos 513 deputados – ou seja, 63,5% do plenário.

Os líderes partidários defendem que o sistema eleitoral é confiável e que mudar as regras do jogo, a essa altura, poderia gerar incertezas no processo. “Todos esses partidos entenderam que era preciso um movimento coletivo para trazer um sinal claro de confiança no sistema eleitoral atual. Nós temos total confiança, o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais modernos no mundo”, argumenta o presidente do DEM, ACM Neto.

A união entre os partidos foi comemorada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. “Como tenho dito desde o começo, esse é um tema político e o lugar certo para o debate é o Congresso Nacional. No TSE, temos trabalhado para apontar os riscos de quebra de sigilo, fraude e confusão que o voto impresso pode trazer. Recebo com satisfação a manifestação dos partidos e continuo à disposição para mostrar a segurança, transparência e auditabilidade do sistema brasileiro de votação eletrônica”, disse o ministro, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa.

Aliados do governo são contrários à PEC do voto impresso

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o senador e presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), tem admitido aos seus interlocutores que não vê necessidade de se mexer no sistema eleitoral brasileiro. Para ele, não haveria tempo hábil para que o sistema de voto impresso fosse implantado já para as eleições de 2022.

A mesma movimentação tem sido feita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PI), que já teria sinalizado ao presidente Bolsonaro que seu compromisso seria em pautar a PEC do voto impresso no plenário da Câmara, caso o texto passe pela comissão especial. Apesar de contar com a fidelidade de diversos parlamentares do Centrão, Lira já demonstrou aos seus pares que não tem compromisso com a aprovação da matéria.

Em entrevista à GloboNews, o ex-ministro Gilberto Kassab, presidente do PSD, afirmou que a PEC tem como objetivo “questionar” a eleição de 2022. “Eu não tenho nenhum constrangimento em dizer que eu estou muito preocupado, e a minha experiência me diz que: o cheiro não é bom. Então, vamos trabalhar para que aqueles que, eventualmente, venham a estar armando para questionar as eleições, para criar tumulto, não sejam bem-sucedidos nos seus objetivos”, argumentou.

O PSD foi um dos partidos que substituiu um integrante da comissão especial. O deputado Darci de Matos (PSD-SC), que era 3º vice-presidente do colegiado e é defensor do voto impresso, pediu para sair após a oposição da legenda, informou o jornal O Globo. Foi substituído por Charles Fernandes (PSD-BA), que é contrário.

O PL, outro partido da base, fez três substituições na comissão, também de acordo com o O Globo. O deputado Giacobo (PL-PR), favorável ao voto impresso, deu lugar a Júnior Mano (PL-CE). “Sou a favor, sim, e fui substituído por isso. Foi uma decisão do meu partido”, disse Giacobo.

Apesar de resistências, Bolsonaro e PDT insistem com o voto impresso

O presidente Jair Bolsonaro e deputados bolsonaristas são os principais defensores da matéria dentro do Congresso. Em diversas vezes, o chefe do Palácio do Planalto disse que as eleições de 2018 foram fraudadas, mas nunca apresentou provas. Recentemente Bolsonaro foi alvo de um pedido de esclarecimentos a respeito do tema pelo corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Felipe Salomão.

Na última quinta-feira (1º), em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro reclamou de “três ministros” do STF que estariam empenhados numa “articulação” para barrar a impressão do voto. E retomou o tom de ameaça que adotou no início do ano, ao comentar a invasão do Capitólio por ativistas ligados ao ex-presidente Donald Trump, que resistia à posse de Joe Biden sob o argumento de que houve fraude no processo eleitoral.

De acordo com Bolsonaro, caso o voto impresso não seja implementado no pleito de 2022, “eles (os ministros) vão ter que apresentar uma maneira de ter eleições limpas”. “Dinheiro tem, já está arranjado dinheiro para as eleições, para comprar impressoras”, insistiu Bolsonaro.

Além do presidente e da bancada bolsonarista, o voto impresso também vem sendo defendido pelo PDT, que tem como pré-candidato à presidência o ex-ministro Ciro Gomes. Presidente do partido, Carlos Lupi divulgou um vídeo nas suas redes sociais defendendo a medida.

“Sem a impressão do voto, não há possibilidade de recontagem. Sem a recontagem, a fraude impera”, diz Lupi ao final do vídeo. A mensagem do pedetista, que foi ministro de Lula e Dilma, aponta que Leonel Brizola — líder histórico do PDT morto em 2004 — já defendia a impressão do voto desde o surgimento da urna eletrônica, há 25 anos.

STF já vetou a impressão de votos aprovada em 2015

Mesmo que o voto impresso auditável seja promulgado pelo Congresso, sua efetiva implementação não é garantida. Em setembro do ano passado, o plenário do STF concluiu o julgamento que declarou inconstitucional a regra de 2015 que previa a impressão do voto nas eleições. A minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso Nacional previa a impressão do voto.

A então presidente Dilma Rousseff (PT) vetou a impressão, mas os parlamentares derrubaram o veto e, com isso, Dilma promulgou a lei que previa o voto impressão

Em junho de 2018, porém, o STF decidiu de forma liminar (provisória) barrar a medida. Já em 2020, os ministros analisaram o mérito (conteúdo) da ação, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e formou maioria contra a impressão do voto.

Confira a matéria na Gazeta do Povo


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