De preservativos à Covaxin: como contratos da Precisa com governo entraram na mira da CPI

Atuante no mercado de importação e distribuição de remédios há mais de duas décadas, a empresa Precisa Medicamentos ganhou o noticiário nas últimas semanas por causa da intermediação entre o Ministério da Saúde e o laboratório indiano Bharat Biotech. As negociações visavam a aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin contra Covid-19 pelo governo brasileiro.

Entretanto, a contratação virou alvo de investigação da CPI da Covid no Senado depois que o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF), alegou ter sofrido “pressões atípicas” para que a importação do imunizante indiano fosse autorizada. Luís Ricardo já havia prestado depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso, mas a questão só virou de interesse da CPI depois que o deputado Luís Miranda afirmou publicamente que avisou o presidente Jair Bolsonaro sobre as possíveis irregularidades no processo de compra da Covaxin.

Durante seu depoimento na CPI, Luís Miranda afirmou que Bolsonaro disse que sabia que um deputado da base do governo estava envolvido no caso e que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal, o que não foi feito. O encontro entre deputado e o presidente ocorreu no dia 20 de março, mas apenas na sexta-feira (26) Bolsonaro afirmou que a PF iria abrir um inquérito sobre o caso.

Questionado na CPI da Covid sobre quem seria esse deputado, Miranda disse: “Foi o Ricardo Barros que o presidente falou”. A afirmação acabou provocando uma nova crise para o Palácio do Planalto, já que Barros é o líder do governo na Câmara e um dos principais nomes do Centrão, bloco de partidos que compõe a base governista.

O suposto envolvimento de Barros na intermediação da compra da vacina indiana e uma possível prevaricação do presidente Jair Bolsonaro viraram alvos da CPI, que agora tenta dar novos desdobramentos para a investigação. Tanto o líder do governo quanto Bolsonaro negam as acusações feitas até aqui. Um requerimento para convocação de Barros a prestar esclarecimentos à comissão sobre a denúncia foi aprovado nesta quarta-feira (30).

Contudo, será através do depoimento de Francisco Maximiano, sócio-administrador da Precisa Medicamentos, que os senadores pretendem avançar nas investigações. A oitiva está marcada para sexta-feira (1º), mas a defesa do empresário já afirmou em carta aos senadores que não haverá denúncias contra o governo Bolsonaro.

“É inequívoco que o investigado Francisco Maximiano não tem qualquer fato a depor perante essa CPI contra o atual governo”, diz um trecho da carta enviada aos senadores.

Além da Covaxin: Precisa conquistou contratos milionários

Antes de negociar a compra das doses da Covaxin pelo Ministério da Saúde por R$ 1,6 bilhão, a Precisa Medicamentos já mantinha outros contratos milionários com o governo federal. Fundada em 1999, a empresa era administrada pela Orizon do grupo Bradesco, mas foi comprada por Maximiano em 2014.

De acordo com o site da empresa, a Precisa amplia em 2017 os seus negócios quando passa a atuar também como distribuidora de medicamentos. No ano seguinte passa a atender clientes públicos e privados.

Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo apontou para um crescimento de 6.000% no faturamento da Precisa Medicamentos em contratos com o governo federal durante a gestão Bolsonaro. Em 2018 a empresa tinha um contrato de cerca de R$ 30 milhões para fornecimento de preservativos femininos. Com o início da atual gestão federal, novos contratos foram firmados e o valor saltou para R$ 1,67 bilhão.

Dados do Portal da Transparência apontam que o contrato para fornecimento de preservativos chegou a ser aditado uma semana antes da assinatura para compra da Covaxin, que ocorreu em 25 de fevereiro. O acordo inicial era de R$ 15,7 milhões e passou para R$ 31,5 milhões no dia 18 de fevereiro. A justificativa para o aditivo na contratação dos preservativos foi uma correção na cotação do dólar, segundo publicação no Diário Oficial de 23 de fevereiro de 2021.

Segundo a Precisa, o aditamento se fez necessário por causa do valor inicial do registro de preços que previa a entrega de 10 milhões de unidades do preservativo feminino e que o aumento dos valores estava relacionado com o aumento da quantidade entregue.

Na carta enviada aos senadores nesta semana, a defesa de Maximiano negou qualquer irregularidade na contratação dos imunizantes indianos e classificou as denúncias como parte de uma guerra política. “Quem precisa de proteção é essa população que se vê em meio a uma briga política”.

O relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), criticou a atitude de Maximiano e declarou que a CPI fez um levantamento de quem ele é e de casos passados em que ele foi alvo de apuração de irregularidades. “Ele mandou uma carta dizendo que não precisava (de seguranças). A garantia de vida é para não prevaricar. Esse cara com esses segredos todos, lidando com milicianos”, disparou o emedebista.

No início do mês, a Anvisa autorizou a importação de 4 milhões de doses da Covaxin, a pedido do Ministério da Saúde. O quantitativo somente poderia ser utilizado sob condições estritas, dentro de um estudo de eficácia e com acompanhamento laboratorial pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Getulio Vargas (FGV), entre outras condições.

Somente nesta terça-feira (29) a Precisa protocolou junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o pedido para uso emergencial da Covaxin no Brasil. Até o momento nenhuma das doses contratadas pelo Ministério da Saúde desembarcou no Brasil.VEJA TAMBÉM:

Empresas do grupo são alvos de outras investigações

Além da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano é sócio da Global Saúde, empresa acusada pelo Ministério Público Federal de receber R$ 20 milhões pela venda medicamentos de alto custo que nunca foram entregues ao Ministério da Saúde. O contrato foi fechado durante a gestão do presidente Michel Temer (MDB), quando o ministro da Saúde era o deputado Ricardo Barros.

Barros nega que tenha qualquer relação entre os contratos firmados pela Precisa Medicamentos e Global Saúde. “Embora a Global seja sócia da Precisa Medicamentos, em análise pela CPI, esse processo em nada se relaciona com a aquisição de vacinas da Covaxin. Não participei de qualquer negociação para a compra desse produto”, justificou o líder do governo em nota.

A empresa Global também é alvo de suspeitas de irregularidades em negócios anteriores feitos com a Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, e com a Petrobras.

Operação Falso Negativo

A Precisa Medicamentos também é alvo de uma investigação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) dentro da Operação Falso Negativo. Os investigadores apuram a compra de milhares de testes rápidos de Covid-19 com suspeitas de serem superfaturados e de baixa qualidade pelo governo do DF.

O sobrepreço apontado pelos procuradores é de pelo menos R$ 18 milhões. Segundo os investigadores, a Precisa foi contratada para fornecer 150 mil unidades do teste ao custo de R$ 139,90, sendo que o mesmo teste foi oferecido em Pregão Eletrônico da Secretaria de Saúde por R$ 18,00.

Segundo o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), além do evidente superfaturamento, os testes eram de baixa qualidade, tendo sido devolvidos por outros países por essa razão. “A Precisa, aqui no DF, matou muita gente. Não é só superfaturamento. A questão é o teste, que não tinha valor nenhum. Na Índia, na Dinamarca, foi aplicado na Argentina, onde de 120 mil aplicados apenas oito testes funcionaram. Então, muita gente fez o teste, foi para casa achando que estava bem e está aí esse número de mortes”, declarou.

Contudo, a defesa da Precisa Medicamentos alega que “esta contratação já foi analisada pelo Ministério Público do Distrito Federal, em uma ampla investigação, e que não ofereceu denúncia em relação à empresa ou seus dirigentes, enquanto outros investigados foram denunciados”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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