A União Europeia e o erro do aborto como “direito humano”

Eliminar um ser humano indefeso e inocente é um “direito humano”? Por mais absurda que essa proposição possa parecer, o Parlamento Europeu acabou de aprovar, no dia 24, uma moção que afirma exatamente isso. Um relatório do croata Predrag Matić que inclui o aborto na lista dos “direitos humanos” teve apoio de 378 eurodeputados, contra 255 parlamentares favoráveis à vida e 42 que se abstiveram. Ainda que o texto felizmente não tenha o poder de impor alterações legais nos países da União Europeia em que o aborto é crime, ele serve como ferramenta de pressão sobre os países com legislação pró-vida e é uma demonstração cabal das deficiências que levam tantas pessoas, em todo o continente, a enxergar com ceticismo aquilo em que o projeto europeu se transformou.

A moção parte de uma série de pressupostos para fazer um total de 76 recomendações aos Estados-membros e a órgãos da euroburocracia. Seis dessas recomendações tratam do acesso ao aborto: os integrantes da UE devem, por exemplo, “garantir acesso universal ao aborto legal e seguro, e respeitar o direito à liberdade e privacidade” das gestantes; e “descriminalizar o aborto, bem como remover e combater os obstáculos ao aborto legal”. O texto ainda afirma que “a proibição total do aborto (…) é uma forma de violência de gênero”, e não tem o menor pudor em apontar o dedo para um membro em específico do bloco: a Polônia, cuja legislação é a que mais protege a vida intrauterina entre os Estados que integram a União Europeia.

A melhor abordagem é aquela que oferece a atenção integral a ambos os envolvidos, a mãe e a criança, protegendo a vida desta enquanto se oferece àquela todo o apoio para que possa levar adiante sua gravidez

Apenas uma concepção muito distorcida do que seja um “direito humano” pode tratar como violência a proteção da vida dos mais indefesos e inocentes dos seres humanos, relativizando assim o mais básico dos direitos humanos, o direito de viver. Ainda que outros direitos invocados no debate sobre o aborto – como o direito à liberdade e à privacidade – sejam importantes, eles não prevalecem quando colocados em uma balança que tem do outro lado o direito à vida. Não há a menor dúvida de que a melhor abordagem é aquela que oferece a atenção integral a ambos os envolvidos, a mãe e a criança, protegendo a vida desta enquanto se oferece àquela todos os meios para que possa levar adiante sua gravidez, um apoio que cabe à sociedade e, quando esta não consegue se fazer presente, ao Estado. Em vez disso, cada vez mais se insiste em permitir à mãe tornar-se partícipe de uma violência contra o próprio filho, aliviando sua consciência com um palavreado sedutor segundo o qual ela estaria apenas “exercendo direitos”.

A consciência, aliás, também é alvo da moção relatada por Matić. Diante do fato de cada vez mais médicos se recusarem a realizar abortos mesmo nos países onde ele é permitido, o texto até reconhece este direito, mas também o relativiza, afirmando que “a consciência individual não pode interferir no direito dos pacientes ao acesso integral ao cuidado e aos serviços de saúde” – e, nesta expressão, inclui o aborto, já que a recomendação está inserida exatamente no capítulo sobre a prática. Outros trechos ainda tentam induzir uma confusão ao afirmar que a objeção de consciência colocaria as mulheres em risco. Ora, médico algum digno do nome se recusaria a socorrer uma gestante com complicações, seja da gravidez em si ou mesmo de um aborto malfeito; a objeção de consciência diz respeito a outra situação, sendo o instrumento que permite ao profissional de saúde – e mesmo a instituições inteiras, quando guiadas por um ethos de defesa da vida – se negar a pura e simplesmente eliminar um bebê, na ausência de outras circunstâncias que ameacem a vida da mãe e da criança.VEJA TAMBÉM:

Os “pais fundadores” da União Europeia olhariam tudo isso com horror. Sua intenção era a de que, reerguido dos escombros da Segunda Guerra Mundial, o continente pudesse ver seus países unidos em busca da paz e da cooperação mútua, em atitude de profundo respeito às soberanias nacionais e ao princípio da subsidiariedade. Esta, no entanto, só aparece na primeira recomendação como o tributo que o vício presta à virtude, na célebre definição de hipocrisia dada pelo duque de La Rouchefoucauld – afinal, é certo que muitos eurodeputados apoiadores da moção ficariam muito satisfeitos se o Parlamento Europeu tivesse o poder de impor a legalização do aborto a todos os Estados-membros. O sonho de Robert Schuman, Jean Monnet, Alcide de Gasperi, Konrad Adenauer e tantos outros foi subvertido e transformado em uma burocracia hipercentralizadora, promotora de uma nociva engenharia social.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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