A disputa das ruas: o que Bolsonaro e a esquerda querem ao medir forças em manifestações

Assim como as pesquisas eleitorais, recentes manifestações de rua reproduzem o cenário de polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa de 2022. Os atos políticos que estão ocorrendo no país são “controlados” por bolsonaristas e lulistas, e têm objetivos semelhantes: mostrar apoio popular, desgastar o outro lado e sedimentar a posição de Bolsonaro e Lula como os grandes atores políticos da eleição do ano que vem.

Os passeios de motocicleta de Bolsonaro, chamados de “motociatas”, foram concebidos para conter o desgaste da imagem do presidente diante das investigações da CPI da Covid e para frear as possíveis consequências eleitorais dessa investigação. Duas motociatas já foram realizadas: uma no Rio de Janeiro, em 23 de maio; e outra em São Paulo, em 12 de junho. E outras serão realizadas.

Para assessores e aliados, era preciso se contrapor ao que consideram ser o “jogo marcado” da CPI da Covid. “O presidente precisa mostrar pelas ruas que tem apoio popular e que chegará forte na disputa eleitoral do ano que vem”, diz um dos aliados do presidente.

Apoiadores de Bolsonaro perceberam que a CPI havia se tornado um assunto popular nas redes sociais, campo de disputa que será essencial em qualquer estratégia eleitoral de 2022. Para evitar um desgaste maior, Bolsonaro decidiu sair às ruas. Com isso, ele consegue criar fatos e expor sua opinião. E sabe que as motociatas e suas declarações serão espalhadas nas redes sociais, além de mostrar o apoio popular que tem. Com isso, Bolsonaro tenta recuperar o terreno perdido nas redes.

Além disso, a movimentação dos bolsonaristas ocorre em meio ao crescimento dos índices de desaprovação do atual governo. Levantamento de junho do Instituto Paraná Pesquisas mostrou que 45,6% da população considera o governo ruim ou péssimo, enquanto 53,8% desaprovam a gestão comandada por Bolsonaro.

Dois exemplos mostram como as motociatas seguem uma estratégia eleitoral e de se contrapor à CPI. No passeio de moto do Rio, Bolsonaro apareceu ao lado de Eduardo Pazuello, prestigiando seu ex-ministro da Saúde que havia sido interrogado dias antes pelos senadores da CPI da Covid. Na motociata de São Paulo, o presidente criticou o governador João Doria (PSDB), que é pré-candidato à Presidência.

No próximo sábado (26), Bolsonaro deverá estar em um terceiro passeio de moto, em Chapecó (SC) – cidade que é frequentemente citada por bolsonaristas como exemplo do sucesso do uso do chamado tratamento precoce contra a Covid, uma prática defendida pelos apoiadores do presidente.

Na semana retrasada, Bolsonaro confirmou que pretende rodar o país com as manifestações ao lado de seus apoiadores. “Daqui duas semanas [dia 26 de junho], estou em Chapecó, com o prefeito João Arruda, [o senador] Jorginho Mello, toda a bancada está convidada”, disse Bolsonaro. Integrante do PL, Jorginho Mello é pré-candidato ao governo de Santa Catarina e um dos principais defensores do governo na CPI da Covid.

Depois de Chapecó, Bolsonaro pretende repetir uma motociata em Florianópolis (SC), no dia 14 de julho.

Esquerda tenta mudar discurso sobre aglomerações em meio à pandemia

O PT, outros partidos de esquerda e movimentos sociais historicamente ligados a Lula ficaram divididos por muito tempo em convocar manifestações de rua contra Bolsonaro. A situação da pandemia de coronavírus no Brasil é vista pela esquerda como motivo para protestar contra o presidente — e, obviamente, causar desgaste em sua imagem. Mas a própria Covid-19 também era razão para que não saíssem às ruas, sob o risco de serem acusados de promover aquilo que criticam no presidente: aglomeração.

O interesse da população nas discussões da CPI e a queda de popularidade de Bolsonaro, contudo, mostraram para a esquerda lulista que valeria a pena arriscar e aproveitar o momento para responsabilizar o presidente pelo elevado número de mortos no país por causa da pandemia. E protestos começaram a ser organizados. Um ocorreu no fim de maio e outro no sábado passado (19) – ambos em várias cidades do país.

Dois cuidados estão sendo tomados nessas manifestações. Um deles é dizer que elas cumprem protocolos sanitários para tentar passar a imagem de que são diferentes dos atos organizados pelos bolsonaristas.

O outro cuidado é manter Lula a uma distância segura por enquanto, de modo que ele consiga colher frutos dos protestos ao mesmo tempo em que não deixa que as manifestações passem a ser identificadas como excessivamente petistas ou eleitoreiras.

Apesar de não ter não participado da última manifestação, o ex-presidente fez várias convocações em suas redes sociais e publicou uma lista com os mais de 400 locais dos protestos. Mas aliados do entorno de Lula admitem que ele tem estudado a possibilidade de comparecer nas próximas manifestações — um novo ato está marcado para 24 de julho.

A dúvida é saber se (e quando) será conveniente que Lula apareça como o líder dos protestos contra Bolsonaro. Isso poderia acentuar ainda mais a polarização — o que é de interesse do PT e do próprio presidente da República. Mas eventualmente pode esvaziar os protestos pelo risco de passarem a ser visto como atos eleitorais.

Nas redes sociais, Lula e outras lideranças da esquerda também buscam reforçar o primeiro cuidado: marcar diferença dos atos da esquerda com os de Bolsonaro.

“Fico feliz que o povo esteja brigando pelos seus direitos. E não adianta querer igualar as manifestações. Veja a diferença entre as manifestações contra o genocida e os atos promovidos por ele. Um lado usa máscara, álcool gel, o outro lado vai sem máscara e nega a vacina. E não adianta falar que “ah, mas o povo agora tá aglomerando”. O povo está aglomerado todo dia e faz tempo. Pra trabalhar, pra pegar ônibus. E sem estar todo mundo vacinado, porque o Bolsonaro recusou as ofertas pra comprar enquanto era tempo”, escreveu Lula em uma rede social.

Ex-candidato a prefeito de São Paulo e aliado de Lula, Guilherme Boulos (Psol) reforçou o discurso de que não há como comparar as manifestações que são favoráveis ao presidente Bolsonaro com as que são contrárias. Segundo ele, Bolsonaro promove “desfiles da morte”, pois nos atos a favor dele a maioria de seus apoiadores não usa máscara.

“Há um esforço das organizações [dos atos] (…) dizendo a quem for do grupo de risco para não ir às manifestações, caso não esteja vacinado. Um esforço de, durante a manifestação, estimular o isolamento. Equipes de saúde voluntárias distribuindo álcool em gel. Teve distribuição de máscaras PFF2, que são as que protegem mais”, disse Boulos ao site Poder 360.

PT e Bolsonaro tentam enfraquecer as manifestações do outro lado

Tanto o PT quanto Bolsonaro também vem tentando encontrar brechas para desqualificar e enfraquecer as manifestações do lado oposto.

Nesta quarta-feira (23), por exemplo, o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um requerimento na CPI da Covid para requisitar que o Tribunal de Contas da União (TCU) realize uma auditoria para apurar um suposto uso de verba pública nas motociatas de Bolsonaro. O requerimento foi aprovado pela CPI, sob protestos de senadores governistas de que isso não tem relação alguma com o foco de investigação.

Já Bolsonaro ironiza as manifestações da esquerda e busca deixar claro que são atos do PT e de seus aliados. Na segunda-feira (21), o presidente aproveitou para classificar as passeatas da esquerda como protesto de “petralhas”, nome pelo qual os apoiadores do PT são pejorativamente chamados por adversários.

“Eu acho que eu vou acabar com as manifestações dos petralhas. Comam mortadela, pessoal. Faz bem à saúde. Comam mortadela, que faz bem à saúde. Vai acabar com as manifestações. Entendeu a jogada? Porque tudo que eu apoio é o contrário. Então, estou apoiando agora o consumo de mortadela no Brasil”, disse Bolsonaro a apoiadores no Palácio da Alvorada. A mortadela passou a ser associada aos petistas porque sanduíches de pão com mortadela costumavam ser distribuídos a militantes petistas em manifestações.

Nesta quarta-feira (23), Bolsonaro disse que a maioria dos manifestantes não sabe o que está fazendo e que vai aos protestos porque seria paga para isso. “O pessoal ali, a maioria é pago. Se perguntar o que está fazendo, não sabe o que estão fazendo. Esse pessoal aí, a gente vai recuperando esse pessoal devagar. A maioria que tem ali são pobres coitados”, disse o presidente.

Terceira via fica sem espaço nas manifestações de rua

Sem definição de um nome unificado para estar na disputa eleitoral do ano que vem, integrantes de partidos de centro avaliam que estão sem espaço para aderir às manifestações.

Pré-candidato à Presidência pelo DEM e apontado como uma das apostas do centro, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirma que os atos só acirram a polarização entre bolsonaristas e militantes da esquerda.

“Tenho dito que hoje o país virou um covidário. Bolsonaro infla a oposição ao falar que não foi quase ninguém nessa última manifestação para ver se mais gente vai na próxima. É uma forma de mostrar quem tem mais ódio. Tanto esquerda quanto Bolsonaro têm medo de surgir um novo nome na disputa”, afirma Mandetta.

Recentemente, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), avaliou que não haverá espaço para a terceira via na disputa eleitoral de 2022 e a tendência é que a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula seja confirmada.

“É uma polarização que deve acontecer entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. As mobilizações se seguirão. Eu acredito que isso vai fazer parte do nosso contexto daqui até as eleições e vai consolidar a polarização, eliminando a possibilidade de qualquer candidato de centro, mais à direita ou mais à esquerda, de ter chance no próximo ano eleitoral”, disse Barros à rádio Jovem Pan.

De acordo com o líder do governo, até o momento, as manifestações estão sendo vantajosas para Bolsonaro. “Se você fizer a conta, vai perceber que é vantajoso para o presidente Bolsonaro, porque essas aglomerações contrárias, no período eleitoral, estarão divididas em várias candidaturas e as manifestações pró-governo vão ser visivelmente mais efetivas.”

Para Barros, a esquerda abriu mão da sua principal arma contra o governo Bolsonaro. “As esquerdas preferiram abandonar o discurso contra a aglomeração e se posicionar politicamente para não ver só o presidente Bolsonaro fazendo mobilizações. Então, elas sacrificam parte do discurso, que era, na verdade, o principal argumento da CPI da Covid-19 ao dizer o presidente estava provocando aglomerações. E, agora, partem para a mesma estratégia de mobilização.”

Metodologia de pesquisa citada na reportagem

A pesquisa citada na reportagem foi realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas entre os dias 11 e 15 de junho. Foram ouvidos 2.040 eleitores. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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