A Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (21) por 258 votos a 136 a medida provisória 1.031, que abre caminho para a privatização da Eletrobras. A MP já havia sido aprovada na Casa em maio deste ano e no Senado na última quinta-feira (17). Agora, o texto segue para sanção presidencial. Os parlamentares também aprovaram nesta segunda 17 das emendas do Senadoà MP.
Trata-se da primeira proposta de privatização aprovada pelo Congresso aprovada durante a gestão de Bolsonaro. Até o momento, o governo não conseguiu vender nenhuma estatal de controle direto da União.
Caso não fosse apreciada, a proposta “caducaria” (isso é, perderia a validade) na terça-feira (22). A Eletrobras é vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME) e responde por 30% da energia gerada no Brasil.
A medida provisória foi endereçada pelo Executivo ao Congresso em fevereiro deste ano. Desde 2019, também tramita no Parlamento um projeto de lei de teor semelhante, mas que foi “abandonado” em prol da MP.
Capitalização e ação especial golden share
Pelo que foi aprovado, a desestatização da Eletrobras deve ser concluída até o início de 2022, e a operação acionária de capitalização da empresa só ocorrerá após a transformação da MP em lei. A privatização será feita por meio do modelo de capitalização, a partir da emissão de novas ofertas públicas de ações da estatal.
Os atuais acionistas terão seu capital diluído e o governo federal, que hoje detém 51% das ações, perderá a posição de acionista controlador. Isso é, serão vendidas novas ações da companhia na bolsa de valores, mas a União não as comprará. Assim, ao mesmo tempo em que a participação do governo é diluída ao ponto de perder a posição de acionista controlador, o caixa da empresa recebe novos recursos, e mais investimentos poderão ser feitos.
Por outro lado, a União terá direito a uma golden share, ação de classe especial que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. A MP veda que qualquer acionista ou grupo tenha participação maior que 10% no capital social da empresa.
Termelétricas: o ponto mais criticado
Um dos pontos mais criticados na MP, e que é tido como “jabuti”, tópico alheio ao tema central, é a previsão de contratação de termelétricas movidas a gás. O texto exige a contratação de 8 mil megawatts (MW) de geração termelétrica por 15 anos nas regiões Centro-oeste, Norte, Nordeste em regiões onde não haja oferta de gás natural, sendo necessária interiorização de gasotudos.
Há, ainda, a previsão de contratação de termelétricas no Sudeste, parte em estados produtores de gás e outra parte onde não há fornecimento. O governo defende que a medida deve conferir maior segurança energética ao país, mas analistas apontam que isso poderia acabar encarecendo as tarifas para os consumidores. A energia deverá ser contratada pelo preço máximo equivalente ao teto da geração a gás do leilão A-6 de 2019, com correção.
PCHs
O texto determina a contratação mínima de 40% de Pequenas Centrais Hidrelétricas nos próximos leilões. As PCHs são pequenas usinas com potência de geração de energia de até 50 MW, com área total do reservatório de água igual ou inferior a três quilômetros quadrados.
Itaipu será gerida por nova estatal e terá superávit direcionado a programa social
No processo de capitalização da Eletrobras, a hidrelétrica binacional Itaipu e a Eletronuclear não poderão ser privatizadas. Uma nova estatal ou empresa de economia mista deve gerir as duas companhias.
A partir de 2023, quando os empréstimos e financiamentos da Itaipu devem estar quitados, 75% dos resultados financeiros da companhia serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Trata-se de um fundo para o qual contribuem as distribuidoras, voltado ao custeio de políticas públicas e alívio das tarifas. Outros 25% desses recursos vão para um programa social do governo federal, ainda não especificado.
Projetos de revitalização
A Eletrobras assumirá dois programas de revitalização: a dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco e dos recursos hídricos das bacias hidrográficas na área de influência dos reservatórios das usinas hidrelétricas de Furnas, cujos orçamentos serão de, respectivamente, R$ 350 milhões e R$ 230 milhões por ano durante dez anos. O Exército brasileiro vai executar projetos na revitalização dos recursos hídricos das bacias do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba.
“Linhão”
Um outro item incluído na MP é visto como “atropelo” ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) no licenciamento para a construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista.
O linhão, leiloado em 2011, nunca saiu do papel por um impasse com a comunidade indígena Waimiri Atroari. Pela proposta, a União fica autorizada a iniciar as obras imediatamente após a conclusão do Plano Básico Ambiental – Componente Indígena, traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas.
Benesses para funcionários da Eletrobras
O Executivo deverá remanejar empregados da Eletrobras e subsidiárias que forem demitidos sem justa causa nos primeiros 12 meses após o processo de desestatização. Os funcionários deverão ser realocados em cargos de mesma complexidade ou similaridade.
Proinfa
Haverá prorrogação dos contratos das usinas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. O programa incentiva a contratação de fontes alternativas de energia, como a eólica, mas o preço pago pela energia dos projetos do Proinfa está acima do de mercado, gerando custo adicional para os consumidores, segundo especialistas.
“Jabutis” na MP da Eletrobras
Apesar de o texto ir à votação com “jabutis”, o deputado relator Elmar Nascimento (DEM-BH) disse que “inexistem desalinhamentos temáticos entre as emendas aprovadas pelo Senado Federal e o teor da Medida Provisória”. Determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.127 define que os Congressistas não podem inserir matérias estranhas ao conteúdo original da MPV por meio de emendas parlamentares.
Os parlamentares até inseriram na MP um parágrafo de 652 palavras e 3.197 caracteres, sem contar os espaços (veja aqui), com o objetivo de evitar um eventual veto do presidente Jair Bolsonaro à obrigação de contratação de termelétricas movidas a gás. Trata-se do parágrafo 1.º do artigo 1.º da MP.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também defendeu os tópicos e afirmou que são relacionados ao tema da MP, que trata do setor elétrico. “Essa Casa tem que aprender a separar exatamente o que é que ela chama de jabuti para que a gente não jogue terra pra cima e ela caia nos olhos. Precisamos ter esse cuidado, essa Casa não é uma Casa carimbadora de medida provisória”, afirmou. “Se a MP vem falando de energia e a gente dizer que matéria pertinente com energia é jabuti, é depreciar o trabalho de deputados e deputadas que têm total respaldo para fazer quaisquer emendas que pensem que é meritória e o plenário decide por sua maioria.”
Impacto nas tarifas
De um lado, a equipe econômica fala em uma possibilidade de diminuição de até 7,4% da conta de luz, após a capitalização da estatal. A informação consta de um relatório publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) também defende a tese, afirmando que o processo de privatização da Eletrobras poderia gerar um alívio de até R$ 8 bilhões nas contas dos consumidores residenciais.
Por outro lado, contudo, as previsões de associações e economistas apontam para um desdobramento diferente: um aumento da tarifa do consumidor em até 10%, equivalente a R$ 41 bilhões.VEJA TAMBÉM:
Idas e vindas na MP
Em seu parecer apresentado nesta segunda, o deputado Elmar Nascimento retirou sete emendas propostas por senadores, que garantiram a aprovação da MP no Senado. Entre os trechos retirados estão as emendas que obrigavam a Eletronorte vender energia da hidrelétrica de Tucuruí a preços mais baixos para a indústria na região amazônica, e que o aumentava um subsídio embutido na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para permitir a compra de uma permissionária de Santa Catarina por outra distribuidora.
Nascimento também rejeitou, a pedido do governo federal, a emenda que determinava indenização para o Estado do Piauí pela privatização de uma distribuidora federalizada há 20 anos. Em troca da renegociação de dívidas estaduais com a União, a empresa passou a pertencer à Eletrobras, foi privatizada em 2018.
O deputado ainda excluiu o trecho que detalhava a abertura do mercado livre para todos os consumidores até 2026. Segundo ele, o tema, incluído pelos senadores, foi mal recebido pelos deputados e será tratado no projeto de lei que trata do novo marco do setor elétrico, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara.
Nas discussões iniciais, o relator da proposta na Câmara chegou a propor atribuir à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal “ligada” ao Centrão, o controle de R$ 5,8 bilhões oriundos da privatização e que seriam destinados à revitalização de programas regionais. Ele acabou recuando da ideia, direcionando a responsabilidade ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
A Codevasf, cujo atual presidente teria sido apadrinhado por Nascimento, ficaria responsável por executar projetos de revitalização das bacias do Rio São Francisco, da região Norte e dos reservatórios de Furnas. O deputado justificou a escolha: “Dada a experiência acumulada pela empresa na execução de políticas nessas regiões”.
Originalmente, a MP enviada pelo Executivo sugeria que o controle dos recursos ficasse sob responsabilidade de um comitê gestor independente, com a fiscalização da Aneel. Nascimento disse ao jornal “O Globo” que recuou da ideia para “evitar qualquer tipo de ruído”.
No Senado, chegou a ser incluído no parecer um item que aumentava o prazo para subsídio ao carvão mineral para usinas termelétricas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) até 2035, contra a previsão atual de incentivos até 2027. Mas a ideia foi deixada de lado.
Um outro recuo no texto diz respeito à “permissão” para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intervir no mercado, obrigando qualquer empresa com elevada participação no setor a vender parte de sua geração no chamado “mercado livre”.
Com informações do Estadão Conteúdo.
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