A decisão do comando do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por ter participado de um ato político favorável ao presidente Jair Bolsonaro, no dia 23 de maio, levou parlamentares a discutir uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para evitar a politização das Forças Armadas. Deputados federais independentes e de oposição se articulam para colocar em tramitação o que vem sendo chamado de “PEC do Pazuello” — projeto que proibiria militares da ativa de ocupar cargos nos governos.
Também há mobilização para incluir na mesma PEC uma “quarentena” eleitoral para juízes, procuradores e promotores poderem ocupar cargos políticos após saírem da Justiça e do Ministério Público (MP).
A redação em estudo da PEC do Pazuello prevê que, para assumir um cargo público, o militar da ativa precisará se afastar das Forças Armadas caso tenha menos de 10 anos de serviço. Caso tenha mais de uma década, passará automaticamente para a inatividade.
Deputados da base governista consideram a PEC uma manobra política da oposição e dos independentes para tentar fragilizar a gestão Bolsonaro. Já parlamentares favoráveis defendem que ela atende a um pedido da própria cúpula das Forças Armadas e seria, portanto, uma matéria necessária para assegurar a independência da instituição.
Por se tratar de uma emenda à Constituição, se aprovada, a PEC traria efeitos imediatos e práticos. Obrigaria todos os militares da ativa a abandonarem seus postos na administração pública ou, caso escolhessem permanecer no governo, precisariam se licenciar ou passar para a inatividade. Ou seja, obrigaria o governo a reorganizar vários cargos.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) que não faz discricionariedade entre militares da ativa e da reserva, o número de representantes das Forças Armadas no governo federal era de 6,1 mil militares em 2020.
Como surgiu a ideia da PEC do Pazuello e em que estágio está
A PEC do Pazuello ainda está em fase embrionária. Parlamentares estão coletando as 171 assinaturas mínimas necessárias para que a proposta possa começar a tramitar.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), autora da PEC, explica, que, apesar da coleta de assinaturas ainda estar em curso, a proposta não surgiu agora. Sua redação foi esboçada ainda em 2020, decorrente de conversas com militares das Forças Armadas. “Senti um incômodo dentro das Forças por essa insistência [de Bolsonaro] em chamar tantos militares para dentro do governo”, afirma Perpétua.
A parlamentar da oposição ao governo explica que, quando presidiu a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, em 2012, se aproximou de militares. “Ouvi ex-ministros da Defesa, oficiais generais, ex-comandantes das Forças e militares do alto escalão, da ativa e da reserva, e notei esse incômodo”, diz a parlamentar.
Desde o início do governo, Bolsonaro costuma a se referir às Forças Armadas em um tom de posse. Segundo Perpétua, isso incomoda a cúpula militar. “Essa PEC surgiu quando vi essa confusão proposital que o presidente Bolsonaro fez e faz. Chama de ‘meu Exército’, ‘minhas Forças Armadas’. E notei, com isso, uma preocupação de que ia voltar a politização dos quartéis”, justifica.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), primeiro-vice-líder do partido e membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa, é um dos apoiadores da proposta. Segundo cálculos pessoais de militares que ele consultou, 80% apoiam a PEC. “Conversei com vários militares da ativa e grande parte apoia. De dez que pergunto, pelo menos oito são a favor”, afirma.
O emedebista explica que todos esses militares consultados por ele são oficiais (aspirantes até generais, no caso do Exército), não praças (soldados a subtenentes, no caso do Exército). Como explicou anteriormente a Gazeta do Povo, Bolsonaro foi apoiado pelas bases das Forças Armadas mesmo quando demitiu os últimos três comandantes e o general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa.
A maioria dos que rejeitam Bolsonaro nas Forças Armadas seriam oficiais. Mas são eles que, em maioria, geralmente são pretendentes a um cargo na administração pública, reforça Rocha.
Quem apoia a PEC do Pazuello e como se articulam
Até terça-feira (15) a PEC já tinha 140 assinaturas — o que equivale a pouco mais dos 130 parlamentares da oposição. Mas, para a matéria vingar, será necessário o apoio de mais congressistas de partidos de centro.
A questão é que a maioria dessas legendas são integrantes da base do governo. Apenas sete integrantes de partidos da base do governo haviam apoiado a tramitação da PEC.
Ao todo, 347 deputados foram convidados a assinar a proposta. Dos partidos que integram formalmente a base do governo, apenas parlamentares do PL e PP receberam o convite. Foram distribuídos para 74, mas 72 não deram aval.
Outros 111 parlamentares de seis partidos de centro que não integram a base governista foram convidados a assinar. Mas a maioria não havia dado aval. São os casos de congressistas do MDB, PSDB, DEM, Solidariedade, Podemos e PV. Mesmo entre os partidos de oposição ao governo, em torno de 20 deputados de PT, PSB e PDT não haviam assinado.
A deputada Perpétua Almeida garante, contudo, que não mede esforços para chegar às 171 rubricas e atribui a burocracia como empecilho. “É difícil conseguir no sistema híbrido [de presença dos deputados no plenário e de forma online, realizado por causa da pandemia de Cpvid-19]. Tem que mandar o convite, o gabinete do parlamentar tem que ver, avaliar, quem abre o email do gabinete tem que ter aquela informação e o deputado tem que assinar”, explica.
Independentes prometem ajudar a colocar a PEC do Pazuello em votação
Apesar das dificuldades burocráticas em se conseguir as assinaturas, Perpétua acredita que a coleta tem seguido um ritmo “muito rápido” em relação a outras PECs. Para a parlamentar, a repercussão na imprensa após o Exército não punir Pazuello ajudou a mobilizar os deputados.
Aliados da proposta de Perpétua acenam com apoio à matéria. O deputado Hildo Rocha defende que, para concluir a coleta de assinaturas e colocar a pauta em tramitação, o texto seja explicado nas reuniões de bancada.
“Mesmo de forma virtual, se a Perpétua tiver disposição de ir em bancada por bancada, na reunião, mesmo de forma virtual, explicar a importância, ela consegue rapidamente essas assinaturas”, destaca Rocha. “Precisamos dessa PEC porque o militar não deve exercer atividades civis enquanto estando na ativa porque perderemos força de trabalho nas Forças Armadas”, justifica.
O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), primeiro-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara, também é um dos signatários e defensores do texto. Para ele, que se dispõe a ajudar Perpétua com a coleta de assinaturas em seu partido, o debate “começa agora”.
“Temos que compreender o mundo das carreiras de Estado, que não podem se misturar com a política, especialmente as Forças Armadas, que têm como base fundamental a hierarquia e a disciplina”, diz. “Por exemplo, por que o [ex-juiz] o Sérgio Moro teve que renunciar sua carreira para assumir o Ministério [da Justiça] e por que um general da ativa mantém-se general para ocupar um ministério?”, complementa.
Governistas discordam da PEC e dizem que ela é preconceituosa
O líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO), major da reserva, entende que a PEC tem como único objetivo atingir o governo. “É mais uma manobra política do que alguma medida concreta. Não há apoio o suficiente para aprovar isso”, diz.
Vitor Hugo fala em referência à necessidade de 308 votos para se aprovar uma PEC na Câmara. O próprio líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), estima que a base governista é composta por 384 deputados. “Acho que é algo muito fraco politicamente, não vejo força para isso avançar”, reforça o líder do PSL.
Sobre o mérito da matéria, Vitor Hugo também se mostra contrário à PEC. Para ele, os argumentos de quem se posiciona favorável ao texto são frágeis e muito baseados em supostas ameaças à democracia pela presença de militares da ativa no governo.
“Nenhum militar da ativa que seja nomeado para um cargo civil leva consigo o comando de tropas, com armas. Então, a nomeação de um militar da ativa não ameaça a democracia de forma alguma. A presença dele no governo turva ou não a democracia? Na nossa visão, não, de forma alguma.”
O deputado Coronel Armando (PSL-SC), segundo-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa, é outro contrário à PEC. “É uma ação política contra os militares, insuflada por conta da situação da pandemia. O general Pazuello foi secretário executivo do Ministério da Saúde durante um período e ninguém reclamou do fato dele ser da ativa. A reclamação veio só após ele ser anunciado como ministro”, diz Armando.
Para ele, a PEC é um elemento de uma narrativa preconceituosa contra os militares da ativa. “Os da reserva, que são a maioria na administração pública, são cidadãos comuns. São poucos da ativa que estão à disposição [no governo]. Estão querendo impedir que pessoas qualificadas possam assumir determinados cargos.”
PEC também pode afetar juízes e procuradores
Outro impacto que a PEC do Pazuello pode provocar o que no Congresso é chamada de “quarentena eleitoral” para membros do Judiciário e do Ministério Público. Tramita na Câmara um projeto que estabelece cinco anos de inelegibilidade para magistrados, procuradores e promotores que deixarem seus cargos na Justiça e no MP. Ou seja, eles só poderão concorrer em eleições cinco após se exonerarem do serviço público.
Atualmente, membros do Judiciário e do Ministério Público não podem concorrer em eleições ocupando seus cargos. Eles precisam se demitir. Mas não precisar cumprir nenhuma quarentena para serem candidatos.
A ideia de parte dos parlamentares é resgatar o projeto sobre juízes e procuradores para incluí-lo dentro da PEC por meio de alguma emenda quando a proposta tramitar na comissão especial. Em recente reunião de líderes, alguns pediram apoio à sugestão ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Aos líderes, Lira pediu que eles ouvissem suas bases para saber se há maioria tanto para o mérito original da PEC, como, também, para a “quarentena eleitoral” de juízes e procuradores.
A deputada Perpétua Almeida é favorável à ideia de ampliar o escopo da PEC do Pazuello e sugere que isso pode ser feito, de fato, caso o texto chegue a ter uma comissão especial instalada para discutir o mérito. “Não vou colocar muita coisa [na proposta original] para não dificultar a coleta de assinaturas. E aí a gente melhora isso no debate da comissão especial e no relatório”, afirma.
O deputado Hildo Rocha diz preferir deixar esse assunto de fora do texto original, sob risco de contaminar o debate antes mesmo da largada. “O que estamos debatendo é se militar da ativa pode exercer ou não atividades civis. O que sou a favor é de que eles não devem exercer atividades civis enquanto militar da ativa porque perderemos força de trabalho. Agora, se coloca outro assunto, como esse, que ao meu ver não tem nada a ver, atrapalha e contamina o debate”, justifica.
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