“Guerra fiscal” é o nome que foi dado à disputa entre os estados e os municípios com a finalidade de atrair empresas e investimentos para seu território, usando determinados incentivos e isenções tributárias. Quando empresários estão analisando as opções de local onde instalar suas empresas, eles comparam vários aspectos econômicos, financeiros, comerciais, logísticos e outros, a fim de optar pelo que consideram a melhor decisão para o futuro de seus negócios. Um município pode oferecer aos investidores seu distrito industrial dotado de vias de acesso, amplos espaços, asfaltamento, oferta de energia, rede de água e esgoto, proximidade a rodovias para escoamento da produção, além de isenções de tributos municipais. No caso do governo estadual, os incentivos são sobretudo de natureza tributária, principalmente por meio de isenções do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um imposto bastante alto, o que dá ao estado condições de oferecer benefícios de valores expressivos.
A expressão “guerra fiscal” carrega conotação negativa e é criticada por governadores e secretários de Fazenda há décadas, pois eles a consideram prática nociva às finanças públicas ao resultar em redução da receita tributária dos entes federativos envolvidos nas disputas. São conhecidos os exemplos mais notórios de empresas que deixaram de se instalar em determinada cidade ou determinado estado e foram para outras regiões em função das vantagens em isenções de impostos e outros benefícios recebidos. Entretanto, também é possível argumentar que esta seria uma prática legítima de concorrência fiscal, alegando-se que estados e municípios pobres devem ter o direito de oferecer benefícios a empresas que desejam se instalar em seu território, como instrumento de estímulo ao crescimento econômico e desenvolvimento social daquela comunidade.
A possibilidade de se usar benefícios tributários ou isenções para atrair investimentos, especialmente em áreas pobres ou pouco desenvolvidas, tem seus prós e contras
Aqueles que defendem o direito ao uso da política fiscal como meio de atração de investimentos afirmam que o estado ou município, se for de região pobre e inóspita para instalação de empresas, precisa recorrer à concessão de incentivos à instalação de atividades econômicas em seu território para conseguir melhorar as condições econômicas e sociais de sua região. Mesmo passando alguns anos sem receber tributos de uma empresa instalada em sua área, o estado ou município será beneficiado após o período de vigência do incentivo. A alternativa, alega-se, é não conceder benefícios e não atrair investimentos, pois, em condições de igualdade tributária, o empreendedor irá para cidades e regiões mais prósperas e mais vantajosas. No entanto, não é incomum que prefeitos e governadores transformem essa competição em um vale-tudo irresponsável, abrindo mão de muito mais do que seria razoável, para conquistar crédito e dividendo eleitoral imediato enquanto deixam uma conta a ser paga pelos futuros governantes.
No caso dos estados, o ICMS é o tributo mais pesado para as empresas e, justamente por isso, é o principal instrumento de atração de investimentos, logo, de produção, emprego e renda para a região. E justamente esse imposto integra o ponto central das várias propostas de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, pois todas elas preveem algum tipo de unificação de tributos: além do ICMS, pretende-se eliminar a Cofins e o PIS (que são federais) e o ISS (que é municipal), substituindo-os por um único tributo sobre bens e serviços (IBS ou CBS, dependendo da proposta). Esse novo tributo seria regulado por legislação federal e criaria limites a modificações por lei estadual, o que dificultaria sua utilização como política de incentivos e benefícios a empresas. Ou seja, a guerra fiscal, ou concorrência fiscal, seria dificultada ou mesmo eliminada com a extinção dos velhos tributos indiretos e sua unificação em um imposto federal.
Pois é neste ponto que reside uma das maiores dificuldades de aprovação de qualquer reforma que acabe com o ICMS e o ISS, pois isso implicaria retirar poder de prefeitos e governadores na gestão tributária e na concessão de benefícios destinados a atrair investimentos. Trata-se de uma redução de poder que tem prós e contras: se por um lado os gestores ficam impedidos de reduzir a carga tributária para atrair investimento, por outro também se evita que a sanha tributária leve a aumentos sucessivos de alíquotas de impostos, como aconteceu com o ICMS sobre energia elétrica em alguns estados.
A expressão “guerra fiscal” foi cunhada para divulgar a crença de que a disputa entre municípios e estados por investimentos por meio de isenções fiscais e concessão de outros benefícios é necessariamente um mal, e por isso deveria ser combatida. Mas não se pode negar que esta “concorrência” entre entes públicos pode, também, refrear o ímpeto dos governos em aumentar indefinidamente a carga tributária. E um exemplo vindo do exterior mostra como a simples eliminação desse tipo de recurso pode ser um empecilho ao desenvolvimento econômico.
Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, no início deste ano, o presidente Joe Biden vem falando em aumentar impostos e tem reclamado que seu país está sendo prejudicado pela fuga de empresas para regiões do mundo onde a carga tributária é bem menor que nos Estados Unidos, inclusive alguns paraísos fiscais onde a tributação é quase zero. O que Joe Biden propõe é que o mundo inteiro eleve a carga tributária sobre pessoas e empresas. Ou seja, o presidente norte-americano não quer competição entre nações por meio de alíquotas tributárias. E, como ele deseja aumentar os impostos em seu país, ele pede que o mundo inteiro também eleve a taxação sobre o setor produtivo, medida que pode se tornar grande obstáculo ao crescimento econômico. Governo e governantes quase nunca falam em rever a estrutura do gasto público, racionalizar a cara máquina pública e redirecionar as despesas; preferindo falar o tempo todo em aumentar tributos.
Confira a matéria na Gazeta do Povo
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