Pazuello punido ou absolvido? As possíveis consequências para o governo e o Exército

Rio de Janeiro - O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o presidente da República, Jair Bolsonaro, acenam a apoiadores no Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, após passeio de moto pela cidade. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

O general Eduardo Pazuello será ouvido pessoalmente nos próximos dias pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, no processo disciplinar em que o ex-ministro da Saúde responde por transgressão militar ao participar de uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro, em 23 de maio. Nogueira deve decidir até o próximo dia 10 se pune ou não Pazuello por participar do ato político, o que é proibido para militares da ativa. Uma eventual punição do ex-ministro pode ser o estopim de uma crise entre Bolsonaro e o comando do Exército.

No Exército, alguma punição a Pazuello é defendida como forma de preservar a disciplina na corporação. Generais da ativa cobram do comandante Paulo Sérgio Nogueira alguma sanção, a fim de evitar um desgaste maior de imagem da instituição.

Uma punição a Pazuello, entretanto, pode comprometer a relação de Nogueira com Bolsonaro. O presidente da República estaria pressionando o comandante do Exército a não aplicar uma punição a Pazuello. Bolsonaro e Nogueira conversaram na última quinta-feira (27), em um evento em São Gabriel da Cachoeira (AM), onde o presidente afagou os militares.

Por que Bolsonaro não quer a punição de Pazuello?

Dois entendimentos levam o presidente Bolsonaro a entender que Pazuello não deve ser punido pelo Exército. Um dos argumentos é que o ato pró-Bolsonaro em que ambos participaram, no Rio de Janeiro, em 23 de maio, não teria tido natureza político-partidária.

Esse argumento inclusive fez parte da defesa por escrito apresentada por Pazuello ao comando do Exército. O ex-ministro da Saúde sustenta que o ato surgiu espontaneamente durante um passeio de motociclistas em apoio a Bolsonaro.

Em sua live semanal da última quinta-feira (27), Bolsonaro reforçou esse entendimento: “É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e de apoio ao presidente”.

O segundo motivo que faz Bolsonaro defender a não punição a Pazuello é de que, por ser o “comandante supremo das Forças Armadas”, o ex-ministro estaria autorizado a participar do ato com ele. O Regulamento Disciplinar do Exército, estabelecido pelo Decreto n.º 4.346/02, prevê como transgressão o ato de “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. Como comandante em chefe das Forças Armadas, Bolsonaro teria poder para autorizar a participação de Pazuello na manifestação.

Gazeta do Povo ouviu de interlocutores do Palácio do Planalto que Bolsonaro se baseia no que considera ser uma falta de clareza do Regulamento Disciplinar do Exército. “Foi mal redigido. A partir do momento que sugere ‘desde que autorizado’ e não esclarece quem pode autorizar, fica claro na linha hierárquica que o comandante Supremo das Forças Armadas pode [autorizar]”, diz um assessor militar do Planalto.

“O artigo 142 da Constituição diz que as Forças Armadas estão ‘sob a autoridade suprema do Presidente da República’. Logo, o presidente tinha o poder de autorizar a participação do general Pazuello”, acrescenta um segundo assessor palaciano.

O que acontece se Pazuello for punido?

Apesar dos argumentos de Bolsonaro, uma punição a Pazuello é uma possibilidade. O que está em xeque é o quão grave será a sanção.

Em caso de uma punição rigorosa, a aposta nas Forças Armadas é que o comandante Paulo Sérgio provocaria uma nova crise institucional entre a Presidência da República e o Exército, como a que foi deflagrada pela demissão do então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, em março.

A possibilidade de uma punição mais rigorosa é, contudo, improvável. Entre os generais da ativa, os da reserva e reformados, a aposta é de que ele levará no máximo uma sanção mais leve.

Apesar de não ser o ideal para Bolsonaro, há quem entenda que essa solução intermediária não provocaria uma crise. O comandante poderia sinalizar aos generais que Pazuello não ficou sem punição, e o ex-ministro não seria penalizado com algo mais sério do que um “puxão de orelha”, na prática.

O especialista em segurança e defesa nacional Alexis Risden, consultor da BMJ Consultores Associados, prevê uma punição branda apenas para mostrar que o comando do Exército preserva a disciplina. “Mas não vai gerar crise institucional nem nada do tipo. O Exército não quer que esse caso seja politizado ainda mais”, diz Risden.

O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), segundo vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, acredita que Pazuello não será punido. De toda forma, caso seja, entende que será uma punição “bem leve” – e que não vai ser divulgada pelo Exército. “De toda forma, uma conversa entre o comandante Paulo Sérgio e o general Pazuello com certeza haverá.”

Coronel da reserva do Exército, Armando não descarta que Pazuello receba uma repreensão verbal e uma advertência. Mas reforça a previsão de que isso será feito de forma reservada, como prevê o rito militar – o que ajudaria a evitar um conflito entre a Presidência da República e o comando do Exército. “Punições têm caráter reservado de confidencialidade. Se o Exército resolver punir o Pazuello, não vai ser divulgado no meio público, à imprensa”, diz o deputado.

E se não houver punição, o que acontece?

A tese menos provável, a de não punição ao general Pazuello, evitaria toda e qualquer crise entre o Exército e Bolsonaro. Mas provocaria um constrangimento internamente ao comandante Paulo Sérgio Nogueira, sobretudo diante da cúpula do Exército.

Na crise com as Forças Armadas provocada por Bolsonaro ao demitir o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e os três comandantes das Forças Armadas, o presidente manteve o apoio com as bases militares, mas desagradou a cúpula – a mesma que pressiona o comandante Paulo Sérgio Nogueira a punir Pazuello.

A avaliação entre os generais é que a ausência de punição poderia desmoralizar o Exército ao transmitir uma imagem de subserviência da Força a Bolsonaro, que demonstraria ter o “seu” próprio Exército, como ele costuma dizer. Também haveria uma quebra do princípio da hierarquia no Exército e isso poderia estimular outros casos de desobediência às regras militares – inclusive levando a outros casos de manifestações políticas da parte de militares.

Por isso, no meio militar e político poucos acreditam que Pazuello escapará sem punição alguma. “Bolsonaro confunde o fato de constitucionalmente ele ser, digamos, o chefe das nossas Forças Armadas, com ele poder alterar as regras e as normas de cada uma das nossas forças. Está claro no Exército essa posição de que é do país, e não do governo. O que Bolsonaro faz, infelizmente, é apequenar o Exército”, diz o deputado federal Zé Carlos (PT-MA), membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara.

A oposição chegou a cogitar apresentar um convite ao comandante Paulo Sérgio Nogueira para falar à comissão em caso da não punição a Pazuello. Mas a ideia é aguardar. “Confio muito no Exército e acredito que vai manter seu Regulamento Disciplinar para tratar o caso como deve”, diz Zé Carlos. “Se não for punido exemplarmente, daqui a pouco tem, por exemplo, soldado e cabo na porta de quartel fazendo panfletagem e participando de comícios que, eventualmente, possam entender que não está de acordo com a ideologia ou aquilo que pensam.”VEJA TAMBÉM:

Base e oposição divergem sobre Pazuello

Para o deputado Coronel Armando, a participação de Pazuello no ato pró-Bolsonaro ganhou repercussão pela exposição do ex-ministro na mídia. “Ele está confrontando na CPI [da Covid], defendendo uma visão de que o governo federal fez na aquisição de vacinas, que contraria a versão dominante de que não fez nada naquela CPI que é um palco de interesse político”, acusa.

Coronel Armando entende que é incorreto associar Pazuello e participar de ato político-partidário. “O Bolsonaro é um presidente que não tem partido. Naquele momento, ele não estava promovendo uma situação político-partidária”, diz. “Entendo que, pelo presidente, foi um ato político, mas, para Pazuello, não.”

Já o deputado Zé Carlos entende que a defesa de Pazuello contra a CPI da Covid no ato pró-Bolsonaro o associa naturalmente a um evento político-partidário. “Pazuello foi para uma CPI e mentiu descaradamente. Um general não podia se prestar a isso. Tinha que ter altivez de um autêntico representante de nossas Forças Armadas”, diz. “E ainda foi para um ato político e, em sua defesa, mente descaradamente, alegando que não é um ato político.”

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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