O general Eduardo Pazuello será ouvido pessoalmente nos próximos dias pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, no processo disciplinar em que o ex-ministro da Saúde responde por transgressão militar ao participar de uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro, em 23 de maio. Nogueira deve decidir até o próximo dia 10 se pune ou não Pazuello por participar do ato político, o que é proibido para militares da ativa. Uma eventual punição do ex-ministro pode ser o estopim de uma crise entre Bolsonaro e o comando do Exército.
No Exército, alguma punição a Pazuello é defendida como forma de preservar a disciplina na corporação. Generais da ativa cobram do comandante Paulo Sérgio Nogueira alguma sanção, a fim de evitar um desgaste maior de imagem da instituição.
Uma punição a Pazuello, entretanto, pode comprometer a relação de Nogueira com Bolsonaro. O presidente da República estaria pressionando o comandante do Exército a não aplicar uma punição a Pazuello. Bolsonaro e Nogueira conversaram na última quinta-feira (27), em um evento em São Gabriel da Cachoeira (AM), onde o presidente afagou os militares.
Por que Bolsonaro não quer a punição de Pazuello?
Dois entendimentos levam o presidente Bolsonaro a entender que Pazuello não deve ser punido pelo Exército. Um dos argumentos é que o ato pró-Bolsonaro em que ambos participaram, no Rio de Janeiro, em 23 de maio, não teria tido natureza político-partidária.
Esse argumento inclusive fez parte da defesa por escrito apresentada por Pazuello ao comando do Exército. O ex-ministro da Saúde sustenta que o ato surgiu espontaneamente durante um passeio de motociclistas em apoio a Bolsonaro.
Em sua live semanal da última quinta-feira (27), Bolsonaro reforçou esse entendimento: “É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e de apoio ao presidente”.
O segundo motivo que faz Bolsonaro defender a não punição a Pazuello é de que, por ser o “comandante supremo das Forças Armadas”, o ex-ministro estaria autorizado a participar do ato com ele. O Regulamento Disciplinar do Exército, estabelecido pelo Decreto n.º 4.346/02, prevê como transgressão o ato de “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. Como comandante em chefe das Forças Armadas, Bolsonaro teria poder para autorizar a participação de Pazuello na manifestação.
A Gazeta do Povo ouviu de interlocutores do Palácio do Planalto que Bolsonaro se baseia no que considera ser uma falta de clareza do Regulamento Disciplinar do Exército. “Foi mal redigido. A partir do momento que sugere ‘desde que autorizado’ e não esclarece quem pode autorizar, fica claro na linha hierárquica que o comandante Supremo das Forças Armadas pode [autorizar]”, diz um assessor militar do Planalto.
“O artigo 142 da Constituição diz que as Forças Armadas estão ‘sob a autoridade suprema do Presidente da República’. Logo, o presidente tinha o poder de autorizar a participação do general Pazuello”, acrescenta um segundo assessor palaciano.
O que acontece se Pazuello for punido?
Apesar dos argumentos de Bolsonaro, uma punição a Pazuello é uma possibilidade. O que está em xeque é o quão grave será a sanção.
Em caso de uma punição rigorosa, a aposta nas Forças Armadas é que o comandante Paulo Sérgio provocaria uma nova crise institucional entre a Presidência da República e o Exército, como a que foi deflagrada pela demissão do então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, em março.
A possibilidade de uma punição mais rigorosa é, contudo, improvável. Entre os generais da ativa, os da reserva e reformados, a aposta é de que ele levará no máximo uma sanção mais leve.
Apesar de não ser o ideal para Bolsonaro, há quem entenda que essa solução intermediária não provocaria uma crise. O comandante poderia sinalizar aos generais que Pazuello não ficou sem punição, e o ex-ministro não seria penalizado com algo mais sério do que um “puxão de orelha”, na prática.
O especialista em segurança e defesa nacional Alexis Risden, consultor da BMJ Consultores Associados, prevê uma punição branda apenas para mostrar que o comando do Exército preserva a disciplina. “Mas não vai gerar crise institucional nem nada do tipo. O Exército não quer que esse caso seja politizado ainda mais”, diz Risden.
O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), segundo vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, acredita que Pazuello não será punido. De toda forma, caso seja, entende que será uma punição “bem leve” – e que não vai ser divulgada pelo Exército. “De toda forma, uma conversa entre o comandante Paulo Sérgio e o general Pazuello com certeza haverá.”
Coronel da reserva do Exército, Armando não descarta que Pazuello receba uma repreensão verbal e uma advertência. Mas reforça a previsão de que isso será feito de forma reservada, como prevê o rito militar – o que ajudaria a evitar um conflito entre a Presidência da República e o comando do Exército. “Punições têm caráter reservado de confidencialidade. Se o Exército resolver punir o Pazuello, não vai ser divulgado no meio público, à imprensa”, diz o deputado.
E se não houver punição, o que acontece?
A tese menos provável, a de não punição ao general Pazuello, evitaria toda e qualquer crise entre o Exército e Bolsonaro. Mas provocaria um constrangimento internamente ao comandante Paulo Sérgio Nogueira, sobretudo diante da cúpula do Exército.
Na crise com as Forças Armadas provocada por Bolsonaro ao demitir o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e os três comandantes das Forças Armadas, o presidente manteve o apoio com as bases militares, mas desagradou a cúpula – a mesma que pressiona o comandante Paulo Sérgio Nogueira a punir Pazuello.
A avaliação entre os generais é que a ausência de punição poderia desmoralizar o Exército ao transmitir uma imagem de subserviência da Força a Bolsonaro, que demonstraria ter o “seu” próprio Exército, como ele costuma dizer. Também haveria uma quebra do princípio da hierarquia no Exército e isso poderia estimular outros casos de desobediência às regras militares – inclusive levando a outros casos de manifestações políticas da parte de militares.
Por isso, no meio militar e político poucos acreditam que Pazuello escapará sem punição alguma. “Bolsonaro confunde o fato de constitucionalmente ele ser, digamos, o chefe das nossas Forças Armadas, com ele poder alterar as regras e as normas de cada uma das nossas forças. Está claro no Exército essa posição de que é do país, e não do governo. O que Bolsonaro faz, infelizmente, é apequenar o Exército”, diz o deputado federal Zé Carlos (PT-MA), membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara.
A oposição chegou a cogitar apresentar um convite ao comandante Paulo Sérgio Nogueira para falar à comissão em caso da não punição a Pazuello. Mas a ideia é aguardar. “Confio muito no Exército e acredito que vai manter seu Regulamento Disciplinar para tratar o caso como deve”, diz Zé Carlos. “Se não for punido exemplarmente, daqui a pouco tem, por exemplo, soldado e cabo na porta de quartel fazendo panfletagem e participando de comícios que, eventualmente, possam entender que não está de acordo com a ideologia ou aquilo que pensam.”VEJA TAMBÉM:
Base e oposição divergem sobre Pazuello
Para o deputado Coronel Armando, a participação de Pazuello no ato pró-Bolsonaro ganhou repercussão pela exposição do ex-ministro na mídia. “Ele está confrontando na CPI [da Covid], defendendo uma visão de que o governo federal fez na aquisição de vacinas, que contraria a versão dominante de que não fez nada naquela CPI que é um palco de interesse político”, acusa.
Coronel Armando entende que é incorreto associar Pazuello e participar de ato político-partidário. “O Bolsonaro é um presidente que não tem partido. Naquele momento, ele não estava promovendo uma situação político-partidária”, diz. “Entendo que, pelo presidente, foi um ato político, mas, para Pazuello, não.”
Já o deputado Zé Carlos entende que a defesa de Pazuello contra a CPI da Covid no ato pró-Bolsonaro o associa naturalmente a um evento político-partidário. “Pazuello foi para uma CPI e mentiu descaradamente. Um general não podia se prestar a isso. Tinha que ter altivez de um autêntico representante de nossas Forças Armadas”, diz. “E ainda foi para um ato político e, em sua defesa, mente descaradamente, alegando que não é um ato político.”
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