O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, permanece no cargo. Mesmo após o deflagração da Operação Akuanduba, em que ele é um dos investigados, o presidente Jair Bolsonaro não cogita demiti-lo, ao menos até segunda ordem. É o que afirmam diferentes fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, do governo a aliados na Câmara.
Ainda na quarta-feira (19), o próprio Salles conversou com Bolsonaro e explicou a ele suas impressões sobre a investigação. Segundo o próprio ministro declarou à imprensa, disse ao presidente de que “não há substância em nenhuma das acusações” feitas a ele pela Polícia Federal (PF).
Ciente do que foi informado por Salles, Bolsonaro decidiu mantê-lo no cargo. “O presidente foi comunicado sobre o que o ministro é investigado, o Salles se explicou, e não vai prejulgá-lo por isso. As investigações nem estão concluídas”, afirma um interlocutor do Palácio do Planalto. “Quando o presidente tem que fazer algo desse tipo [demitir alguém do governo], ele faz de bate pronto, não espera a poeira assentar”, acrescenta.
Bolsonaro disse em sua live semanal nesta quinta-feira (20) que Salles é um “excepcional ministro”.
Bolsonaro se convenceu da inocência de Ricardo Salles?
Duas pessoas próximas do ministro explicam que as suspeitas sobre ele são infundadas. E foi sobre isso que Bolsonaro foi avisado. A começar, segundo essas fontes, da origem. As investigações da PF tiveram início em janeiro deste ano, após a embaixada dos Estados Unidos informar a autoridade policial que três cargas de madeira do Brasil pertencentes à empresa Tradelink foram apreendidas no Porto de Savannah, no estado da Geórgia, por problemas de documentação.
A alegação de exportação ilegal é contestada por Salles devido ao despacho assinado em março de 2020 pelo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, que liberou a exportação de madeira de origem nativa sem a necessidade de uma autorização específica.
“Antes, as madeiras exportadas para os Estados Unidos ou a Europa, por exemplo, precisavam de determinado selo de garantia, uma certificação. Quando as madeiras alvo da investigação deixaram o país, já havia mudado o entendimento em relação à liberação desse tipo de madeira”, explica um interlocutor do Meio Ambiente.
O referido despacho somente foi suspenso na quarta pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação da PF. Um outro interlocutor, do Planalto, fala que o alerta da embaixada dos EUA à PF não tem relação direta com o ministro Salles, como informou o portal R7.
Operação decorre de abuso de autoridade de Saraiva, dizem assessores
Outra informação que circula no Planalto é que Bolsonaro foi comunicado de que a Operação Akuanduba é fruto de um abuso de autoridade iniciado pelo delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Sob sua gestão, a corporação realizou a Operação Handroanthus GLO, em dezembro do ano passado, que apreendeu 43,7 mil toras de madeira.
Em abril deste ano, o Salles se reuniu em Santarém (PA) com empresários alvos da Operação Handroanthus GLO. Ouviu queixas dos madeireiros e propôs promover uma revisão das documentações. Caso esses empresários estivessem aptos a atuar, Salles disse que apoiaria uma eventual liberação das 47 mil toras. Tal atuação levou Saraiva a apresentar ao STF uma notícia-crime contra o ministro.
O embate entre Saraiva e Salles custou a exoneração do delegado da PF e, para interlocutores do governo, a investigação contra o ministro é uma consequência política dessa queda de braço. “A operação de ontem [quarta-feira] é uma retaliação da PF”, diz um interlocutor do Planalto.
“Porque existe corporativismo lá dentro, apesar de que conversei com colegas [da Polícia Federal] que detestam o cara [Saraiva]. Mas sempre tem aqueles que gostam dele, os de esquerda. O Saraiva é de esquerda”, acrescenta a fonte.
Decisões judiciais pró-madeireiros favorecem Ricardo Salles
Uma leitura feita dentro do Planalto é que recentes decisões judiciais também favorecem a tese de inocência apresentada por Salles a Bolsonaro e o suposto cometimento de abuso de autoridade por Saraiva, sustentam interlocutores do Planalto e do Meio Ambiente.
Em 5 de maio, a Justiça Federal do Amazonas determinou que a PF restituísse a empresas toneladas de madeiras apreendidas na Operação Handroanthus GLO, sob a justificativa de que as investigações “estão em fase incipiente”. A juíza Mara Elisa Andrade considerou que “atos persecutórios ostensivos e restritivos de direitos e liberdades” foram praticados pela corporação.
Em 10 de maio, dessa vez por uma decisão da Justiça Federal do Pará, saiu a determinação para que outra parte da carga de madeira apreendida pela PF fosse devolvida a um madeireiro. O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo ainda concedeu autorização para que esse empresário continue a exploração de madeira.
A alegação apresentada pelo magistrado foi que, “sob qualquer aspecto, a busca e apreensão realizada pela Polícia Federal foi ilegal, posto que não restou amparada por qualquer decisão judicial”. Para Campelo, a busca e apreensão sem ordem judicial seria possível apenas em situação de flagrante. “Sem esse estado, a busca e apreensão feita por policiais será ilícita e portanto nula”, sentenciou.
Com essas decisões, que foram informadas por Salles a Bolsonaro, interlocutores do governo entendem que a tese de inocência do ministro fica reforçada. “O Ricardo estava correto. Aquela apreensão de madeira foi ilegal. O Saraiva tinha se equivocado e abusado da autoridade. O Ricardo bateu muito de frente com o Saraiva e, agora, está pagando o preço”, diz uma das fontes.
Decisão de Alexandre de Moraes contribui para permanência de Salles
Além de alegar a Bolsonaro as suspeitas de inconsistências quanto à Operação Akuanduba e a suposta perseguição da PF, Salles também questionou a forma como a operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
A operação foi deflagrada sem um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), o que, no entendimento de governistas, configura uma ilegalidade. Esse, portanto, é um outro motivo que fortalece a permanência de Salles no cargo, segundo afirmam as fontes ouvidas.
No Planalto, a leitura feita é que a demissão de Salles sob todas essas circunstâncias não seria bem recebida pelo eleitorado de Bolsonaro. E reforçam que tampouco ele ficou sujeito a demitir o ministro do Meio Ambiente. “Uma demissão do Salles agora apenas endossaria a ilegalidade da operação”, sustenta um interlocutor palaciano. “De novo, o Alexandre está abusando da autoridade dele. É, mais uma vez, o investigador, o acusador e o julgador”, critica outro assessor.
A PGR informou que “não foi instada a se manifestar sobre a medida, o que, em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”. A procuradora da República Thaméa Danelon disse, via Twitter, que nunca viu nada igual em 21 anos de serviços prestados ao Ministério Público Federal.
Precedente no governo reforça permanência do ministro
Outro fator reforça afirmações e leituras ouvidas pela reportagem sobre a permanência de Salles: a precedência de um outro ministro que foi alvo de investigação e que permaneceu no cargo. É o caso do deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), ex-ministro do Turismo, que esteve na mira da Polícia Federal.
Em abril e junho de 2019, a PF deflagrou a primeira e segunda fase, respectivamente, da Operação Sufrágio Ostentação. As investigações apuraram uma suposta liberação de verbas públicas por Álvaro Antônio para candidaturas laranjas nas últimas eleições, em Minas Gerais, quando era presidente do diretório estadual do PSL.
Denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais em outubro de 2019, Álvaro Antônio deu suas explicações a Bolsonaro e permaneceu no governo, tendo a oportunidade de se defender enquanto ministro de Estado. Ele foi demitido apenas em dezembro de 2020, após desentendimentos nos bastidores com o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, à época ministro da Secretaria de Governo.
Por esse precedente, interlocutores do governo reforçam a permanência de Salles. “O presidente só tirou o Marcelo quando não tinha mais nada falando sobre ele. Bolsonaro teria mandado o Salles embora ontem se a coisa fosse realmente séria”, sustenta um assessor palaciano. “Se tivesse algo realmente palpável, dinheiro ilegal entrando na conta dele, algum lastro que o ligasse aos madeireiros, aí era sério. Mas não tem”, complementa o assessor.
A demissão de Salles, contudo, não é impossível de ocorrer, evidentemente. Bolsonaro é quem tem a última palavra e, nos bastidores, o ministro segue fritado pelo Centrão. Como informou anteriormente a Gazeta do Povo, Salles pode estar sobrevivendo ao “inverno amazônico”.
Aliados defendem continuidade de Salles no ministério
O deputado Carlos Gomes (Republicanos-RS) avalia a situação de Salles com sobriedade. Segundo vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, ele defende que é preciso aguardar os desdobramentos da investigação antes de a Casa tomar qualquer posicionamento sobre o caso.
“A Câmara não pode atravessar a Polícia Federal, porque não fará o trabalho [de investigação] melhor. O resultado dos desdobramentos poderá culminar ou não em uma ação mais efetiva. Até porque quem tem que tomar [alguma decisão] é o presidente Bolsonaro”, disse, sem se comprometer com alguma leitura de permanência ou não de Salles.
Gomes destacou, contudo, que a investigação sobre Salles não afeta em nada a tramitação de projetos que possam fortalecer a política ambiental e, consequentemente, o Ministério do Meio Ambiente. “Eu acho que as matérias que dizem respeito ao desenvolvimento sustentável têm que ser apartadas de qualquer relação com a investigação”, diz.
“As investigações têm que seguir seu curso, apurar responsabilidades e eventual condenação se encontrar alguma irregularidade. Mas o movimento das matérias tem que ser aprovado sem a contaminação da investigação, que, por si só, vai gerar seus resultados”, complementa Gomes.
Aliados de Salles na Câmara reconhecem que o ministro pode até ser exonerado, mas não por causa dos acontecimentos de quarta-feira. “Vamos aguardar o andamento das investigações. Está tudo no início. Fora que a Justiça já deu ganho ganho para os madeireiros. É tudo madeira legal, de manejo”, diz um deputado.
O mesmo parlamentar ressalta o posicionamento de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a favor de Salles. “O Eduardo, que é um cara mais próximo, não ia sair em defesa se o ministro estivesse com a ‘cabeça a prêmio'”, comenta.
Pelo Twitter, o deputado disse que Salles é “o melhor ministro do Meio Ambiente da história deste país”. “O resto foram ministros”, comentou, ao republicar uma matéria que informava a intenção de Bolsonaro em não demitir o ministro.
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