Pedofilia virtual: como agem os criminosos que assediam pré-adolescentes online

Pedofilia virtual não parece ser algo possível, até porque há uma lógica em torno da ideia de que abuso sexual demanda necessariamente contato físico. Mas e se a vítima for sua filha de 10 anos que anda fazendo amizades pelo TikTok, gravando vídeos para amigos no Snapchat ou conversando com seguidores do mesmo ídolo nos chats do YouTube?

E se ela tiver engrenado um namorico online sem te contar, para só depois acabar descobrindo que o namoradinho era, na verdade, um adulto com outros interesses? Parece aterrorizante, mas pode ficar ainda pior.

Imagine que, antes de descobrir que se relacionava com alguém bem mais velho fingindo ter a mesma idade dela, sua filha tenha sido induzida de alguma forma a tirar a camiseta diante da câmera e o homem do outro lado da tela, disfarçado de menino, tenha um print da imagem?

E se, depois de fazer tudo isso, ele tiver revelado que era mais velho e começado a ameaçar sua filha dizendo que, caso não se mostrasse por inteiro sem roupas, iria atrás dela e de toda a família? Bandido, não? Criminoso da pior espécie. Pedófilo, ainda que virtual.

Desde o começo da pandemia temos ouvido que, trancadas em casa, as crianças estão mais vulneráveis. Parece um contrassenso, mas não é. Primeiro falou-se em aumento da violência doméstica, outro problema gravíssimo e ainda não superado, já que em muitos lugares o lockdown escolar segue em vigor e as crianças, confinadas com seus agressores.

E agora temos ouvido falar com mais frequência deste outro inimigo silencioso, o criminoso cibernético, atacando internautas cada vez mais jovens. As crianças viraram alvo fácil, porque estão efetivamente vivendo online.

Assim como os estelionatários, com seus golpes de WhatsApp cada vez mais comuns para cima de adultos distraídos, também os pedófilos avançaram pelo mundo virtual, aproveitando a chegada em massa de crianças e pré-adolescentes na internet durante a pandemia.

Confinamento doméstico e internet

Muita gente acredita que em casa as crianças estão completamente protegidas, porque estão no aconchego do lar, com a família, cercadas de carinho e cuidados. No mundo ideal deveria ser assim, mas infelizmente a realidade não é essa para milhares de crianças.

Nem quero entrar no caso da violência doméstica, cometida por pais, padrastos, parentes, vizinhos e amigos da família, pessoas que frequentam a casa onde a criança mora, mas aproveito para dizer que esse problema aumentou na pandemia, não apenas porque as crianças estão em casa por mais tempo, convivendo com os agressores.

O fato de estarem longe da escola agrava a situação, já que normalmente são os professores ou os próprios colegas que percebem a mudança no comportamento de uma criança que foi violentada e denunciam. Sem escola, as denúncias são mais raras. Os abusadores ficam soltos e livres para agir.

Este artigo, porém, tem outro foco: os crimes cibernéticos com conotação sexual, um problema que também piorou muito na pandemia por causa do confinamento doméstico e da nossa superexposição à internet, incluindo as crianças.

Nesse caso não está relacionado à violência praticada por quem convive com a criança, mas à negligência não intencional, ao descuido dos pais ou responsáveis em acompanhar o que os filhos, especialmente os pré-adolescentes, na faixa etária dos 10 aos 12 anos, fazem na internet.

Com todas as restrições para a convivência presencial e o aumento da exposição às telas, com mais tempo de conexão, a facilidade de uso do celular e o entretenimento que ele proporciona, obviamente aumentou a ligação virtual entre as pessoas nesse período de pandemia.

E esse é o perigo para quem tem pouca idade e pouco discernimento sobre os riscos da superexposição, da perda de privacidade, da revelação da rotina e da abertura da intimidade para qualquer um.

Pedofilia virtual

Crianças não deveriam estar navegando livres, leves e soltas na internet, nos aplicativos de jogos e nas redes sociais. As redes sociais, aliás, são proibidas para menores de 13 anos, mas a maioria dos pais permite que filhos pré-adolescentes, às vezes até menores, tenham perfil no Facebook, Instagram, Snapchat, TikTok, canal no YouTube e usem aplicativos de mensagens como o WhatsApp ou o Telegram.

Não só permitem que usem, mas sequer acompanham o que eles fazem quando estão online, com quem se relacionam. É aí que começa o problema. Assim como no mundo real, na internet os bandidos estão no meio de todo mundo, disfarçados de pessoas comuns. E atacam quando percebem a vulnerabilidade da possível vítima, quando vêem que ela está desprotegida.

Adultos interessados em assediar crianças (os pedófilos) fingem ser da mesma idade delas. Usam foto de outra criança ou o desenho de um personagem na identificação do perfil, mentem a idade e puxam conversa como se tivessem os mesmos interesses.

Eles procuram grupos de alunos da escola x, de fãs do personagem y, ou de tal e tal cantor ou artista, que é apreciado pelo público infantil. Muitos desses grupos são abertos e não há restrições para participar. A partir do momento que estão no grupo, os criminosos disfarçados de crianças começam o assédio visando a pedofilia virtual.

Primeiro começam a puxar papo com um e outro pré-adolescente para virar “amigo” virtual. Também tentam emendar conversas através da área de comentários de vídeos do YouTube, por exemplo, ou de publicações de famosos nas redes sociais. Conversa vai, conversa vem, vão criando uma relação de confiança e, então, começam a se insinuar.

No começo é tudo aparentemente inocente, como seria uma paquera entre crianças prestes a entrar na puberdade. O grande problema é que nessa fase da vida a criança costuma ter muita timidez para conversar com adultos sobre assuntos de namoro, que dirá de sexo. Sendo assim, dificilmente ela se abre para os pais quando começa a ter um relacionamento com um desconhecido pela internet.

Há um agravante aí, porque, em poucos dias de trocas de mensagens a criança perde a noção de que está falando com um desconhecido e passa a acreditar ser amiga de longa data daquele com quem aceitou engrenar uma conversa.

Quando o bate-papo com o “amigo” virtual, com quem já está bem envolvida, avança para algo mais “picante” quem não tem um diálogo aberto com os pais decide manter aquele namorico em segredo. Via de regra transforma-se em refém do medo.

A criança percebe que pode estar fazendo algo errado, não quer levar bronca, então não fala nada para os pais. O negócio só aparece quando já virou uma bola de neve, caso de polícia mesmo, quando uma foto sensual ou até um “nude” (foto da criança sem roupa ou de partes do corpo) vaza para uma rede de pedofilia.

Deepweb ou darknet

Se isso é novo pra você, você deve estar se perguntando: ah, mas como que uma menina ou um menino de 10 anos vai tirar uma selfie sem roupa e mandar para alguém que não conhece? Primeiro ponto: normalmente não é a vítima que tira a foto, ela apenas é convencida a ficar sem camisa, por exemplo, na frente da câmera para o “namoradinho” ou “namoradinha” virtual ver o corpo.

Lembre que a linguagem usada é a das próprias crianças, o pedófilo está fingindo ser da mesma idade. É um processo de sedução aparentemente inocente. É assim que a criança, que já está começando a pensar em namorar, vê a aproximação e vai se deixando fisgar.

Nessa hora o pedófilo, disfarçado de pré-adolescente, dá print na tela, salva a foto e começa a avançar para o que efetivamente quer, que é amedrontar a criança para conseguir, sob ameaça, mais exposição e mais fotos. Bandidos fazem chantagem, dizem que vão espalhar a imagem na internet ou, até pior, que vão procurar a criança e machucar ou até matar a família.

A essa altura o criminoso já sabe onde a criança estuda, às vezes até onde mora. E ela, apavorada, acaba cedendo e fazendo o que o bandido pede. Desta forma o pedófilo consegue mais e mais exposição do corpo e até poses eróticas ou obscenas.

Todas essas informações vêm de operações da polícia. Hoje em dia há delegacias especializadas em crimes cibernéticos. Não é preciso entrar em detalhes para que saibamos o tipo de material fotográfico que esses pedófilos acabam conseguindo.

Esse material é usado não só para satisfazer suas taras, mas para vender para redes de pedofilia que se formam na chamada deepweb ou darknet, uma internet mais criptografada que tenta burlar a polícia e onde circula todo tipo de atividade ilegal.

Negligência X Presença

É importante dizer que crianças e pré-adolescentes caem em conversas de bandidos virtuais independentemente de classe social ou nível educacional. Assim como a própria violência doméstica, a pedofilia virtual atinge crianças de famílias ricas e pobres. As de maior poder aquisitivo, aliás, estão em tese ainda mais vulneráveis, porque têm mais recursos tecnológicos.

Os crimes sexuais cibernéticos, porém, dependem exclusivamente da negligência dos pais, da falta de orientação. Criança não se torna vítima de um dia para o outro. Ela precisa estar sozinha nas redes sociais ou navegando livremente em sites de jogos onde há interação entre os participantes, já que é nesses ambientes que é abordada.

Não é só por excesso de liberdade ou pela falta de controle dos pais a respeito do uso que os filhos fazem da internet que esse tipo de crime acontece. A falta de diálogo aberto entre pais e filhos sobre os riscos da vida virtual deixa a criança sem informação, sem referências e, por isso, mais suscetível a cair no conto dos pedófilos disfarçados de amigos.

Lembra daquela história de não aceitar doces de estranhos? Ela precisa valer para a internet também. Não aceitar o “papo” de um desconhecido talvez seja a melhor orientação a dar para uma criança sobre cuidados com quem fala na internet

A conversa precisa vir com a explicação de por que não se deve sequer aceitar um bate-papo virtual com desconhecidos. É necessário “desenhar” para a criança os perigos da exposição da intimidade, senão ela vai continuar achando que dentro das quatro paredes do próprio quarto ou da casa está protegida e não é bem assim.

A internet pode até nos abrir janelas para o mundo, mas a melhor analogia é a da vitrine. Assim que nos conectamos estamos em exposição para o mundo virtual, seja para os algoritmos da publicidade ou para os olhos atentos de bandidos

Por que achar que eles não têm seus próprios sistemas de busca de possíveis vítimas? Não é paranoia imaginar que os aplicativos preferidos da garotada estão cheios de marmanjos farejando menininhas e menininhos que julgam mais atraentes e inocentes.

Agora pense no estrago emocional e psicológico que a chantagem, a ameaça e a exposição de fotos inconvenientes podem provocar na vida de um pré-adolescente.

Alguns desenvolvem síndrome do pânico, não conseguem mais sair de casa nem se relacionar com mais ninguém, perdem amigos, deixam de viver, entram em depressão. Em casos extremos tentam tirar a própria vida, porque não conseguem conviver com a vergonha e o constrangimento de terem cedido à conversa de um bandido.

Polícia caça pedófilos da internet

Na última sexta-feira (14) a Gazeta do Povo publicou uma entrevista com um integrante do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal no Rio Grande do Sul que participou, anos atrás, de uma grande operação contra a pedofilia na darknet, essa rede de internet mais restrita, que permite a navegação anônima e onde os criminosos circulam.

Vários bandidos foram identificados e presos. A experiência da operação, com os detalhes de como a polícia conseguiu descobrir a identidade dos pedófilos (precisou até desenvolver um software para isso), virou artigo científico publicado na revista Nature. E virou também livro, com o título: Protegendo Anjos.

O livro aborda os cuidados que os pais e responsáveis devem ter para prevenir abusos infantis e também dá instruções sobre o que fazer caso identifiquem um possível caso de aliciamento através da internet.

A principal dica é não tentar você, pai ou mãe, interagir com o criminoso, nem revelar a ele que você descobriu o que estava acontecendo. Procure imediatamente a polícia e ela dará orientações corretas de como proceder. Recomendo a leitura da reportagem.

E nunca esqueça que o principal é manter o diálogo aberto com os filhos, criar em casa um ambiente de confiança para que as crianças possam recorrer a você diante de qualquer dúvida. Elas precisam de liberdade para interagir com amigos pela internet, mas não podem ficar completamente soltas, como se não houvesse riscos no mundo virtual.

Fique atento, seja zeloso. A gente pode até se passar por chato em alguns momentos, mas criança pede atenção. E precisa disso: atenção e cuidado, muito cuidado.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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