A operação da Polícia Federal (PF) que apura supostos crimes cometidos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e outros servidores que ocupam cargos de confiança na estrutura da pasta pegou muitos de surpresa nesta quarta-feira (19), mas as investigações não são recentes.
Elas começaram em janeiro e tomaram corpo nos últimos quatro meses, mas sua origem se inicia em 2020. A suspeita é de um esquema criminoso de facilitação ao contrabando de madeira, especialmente da Amazônia. Para entender a operação, que ensejou um pedido à Justiça para afastar Salles do cargo, a Gazeta do Povo preparou um “ponto a ponto” para explicá-la. Confira:
1) O que é a investigação?
A Operação Akuanduba investiga a prática de crimes contra a administração pública, corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, “especialmente”, diz a PF, de facilitação de contrabando por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.
As investigações começaram em janeiro após a embaixada americana informar a Polícia Federal do Brasil que três cargas de madeira do Brasil pertencentes à empresa Tradelink foram apreendidas no Porto de Savannah, no estado da Geórgia, por problemas de documentação.
As autoridades americanas expressavam preocupação com um “possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”, segundo a PF.
Foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, em São Paulo e Pará, por 160 policiais federais. A sede do Ministério do Meio Ambiente em Brasília foi alvo de um desses mandados.
A operação foi batizada em homenagem a Akuanduba, uma divindade da mitologia dos índios Araras, que habitam o estado do Pará. Segundo a lenda, “se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelecendo a ordem”, informa a PF.
2) Quem autorizou a operação?
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, foi o responsável por autorizar a Operação Akuanduba, a pedido da Polícia Federal. Um ponto chamou a atenção: a Procuradoria-Geral da República afirmou que não foi instada a se manifestar sobre a Operação Akuanduba. Em nota, o órgão disse que tal situação “em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”.
Ao fim de despacho de 63 páginas em que autorizou a operação, Alexandre de Moraes disse expressamente que fosse dada “imediata ciência à PGR após o cumprimento das diligências”.
3) Do que o ministro Ricardo Salles é suspeito?
O ministro Ricardo Salles foi à sede da PF, em Brasília, por volta das 8 horas, para prestar esclarecimentos. A corporação não citou sob quais crimes Salles é investigado na Operação Akuanduba, mas o despacho do STF que autorizou a operação informa que um relatório de inteligência financeira indicou “movimentação extremamente atípica” envolvendo o escritório de advocacia que tem como sócio o ministro do Meio Ambiente.
Diante disso, Alexandre de Moraes decretou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Ricardo Salles e de servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“A documentação encaminhada pela autoridade policial traz fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas da qual teria participação autoridade com prerrogativa de foro — Ministro de Estado — , agentes públicos e pessoas jurídicas, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas, a revelar que as investigações possuem reflexos transnacionais”, afirma Moraes na decisão.
Salles já havia sido alvo de um notícia-crime no STF, em que figura também o senador Telmário Motta (Pros-RR), feita pelo delegado da PF Alexandre Saraiva, ex-superintendente da corporação no Amazonas, por supostamente ter dificultado a fiscalização ambiental na Amazônia.
O ex-superintendente da PF apontou que Salles e Motta teriam uma parceria com o setor madeireiro “no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”.
Saraiva ainda alegou na notícia-crime que, “de forma consciente, voluntária e em unidade de desígnios”, Salles e Motta “dificultam a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”. “Assim como patrocinam, direta, interesses privados [de madeireiros] e ilegítimos perante a administração pública, valendo-se de suas qualidades de funcionários públicos”, complementou.
4) Quem mais é investigado?
O ministro Alexandre de Moraes ordenou o afastamento preventivo de 10 pessoas que ocupam cargos de confiança na estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Entre eles, o assessor especial Leopoldo Penteado Butkiewicz, do gabinete pessoal de Salles, e o secretário adjunto de Biodiversidade da pasta, Olivaldi Alves Azevedo Borges. Além dos dois, também foi afastado o presidente do Ibama, Eduardo Bim.
Em sua decisão, Moraes determinou ainda a suspensão de um despacho assinado por Bim, em fevereiro de 2020, que liberou a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade de uma autorização específica. Os outros sete afastados são servidores do Ibama:
- Wagner Tadeu Matiota, superintendente de apurações de infrações ambientais;
- Olímpio Ferreira Magalhães, diretor de proteção ambiental;
- João Pessoa Riograndense Moreira Júnior, diretor de uso sustentável da biodiversidade e florestas;
- Rafael Freire de Macedo, coordenador-geral de monitoramento do uso da biodiversidade e comércio exterior;
- Leslie Nelson Jardim Tavares, coordenador de operações de fiscalização;
- André Heleno Azevedo Silveira, coordenador de inteligência de fiscalização;
- Artur Vallinoto Bastos, analista ambiental.
5) Por que a investigação é relacionada a madeireiros?
A carga apreendida no porto de Savannah pertencia à Tradelink Madeiras, uma empresa fundada em Londres, há 25 anos, e que tem um braço brasileiro em Ananindeua, no Pará, além de uma filial na Ásia. Os sócios David Pereira Serfaty e o inglês Leon Robert Weich administram uma empresa que já se envolveu em problemas com a Justiça brasileira, por suposta venda de madeira ilegal, falsificação de informações ambientais e exploração de trabalho escravo são alguns delas. As autuações à empresa ultrapassam R$ 7 milhões, segundo a Polícia Federal.
Endereços ligados à empresa e seus sócios foram alvo de mandados de busca e apreensão da PF. De acordo com a investigação, a Tradelink exportou madeira ilegal sem autorização prévia do Ibama pelo menos em sete ocasiões: cinco contêineres destinados aos Estados Unidos, um para a Dinamarca e um para a Bélgica. Em 17 de janeiro, as autoridades norte-americanas foram avisadas da procedência da carga e o material apreendido. Dias depois, a empresa foi autuada pelas autoridades ambientais brasileiras.
Em fevereiro, representantes da empresa se reuniram com o superintendente do Ibama no Pará, e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e apresentaram documentos em que afirmava que “os pedidos de licença de exportação foram protocolados no Ibama, mas que os processos não tinham sido concluídos a tempo.”
No mesmo mês, no dia 21, o adido da Embaixada dos EUA reuniu-se com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e expôs os problemas relacionados à carga apreendida em porto americano.
De acordo com a investigação da PF, durante esse processo, Bim assinou um despacho para “dispensar a necessidade de autorização específica para exportação dos produtos e subprodutos florestais de origem nativa em geral, em descompasso com o estabelecido” pela legislação.
6) O que Salles e os demais investigados alegam?
O ministro Ricardo Salles classificou como “exagerada e desnecessária” a operação. Disse que todos os citados na investigação estiveram sempre “à disposição para esclarecer quaisquer questões” à Polícia Federal.
“Faço aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e foram incluídos nessa investigação estiveram sempre à disposição pra esclarecer quaisquer questões”, afirmou Salles, após participação num seminário realizado em Brasília.
Para ele, o ministro Alexandre de Moraes foi “induzido a erro” pela investigação da PF, após os policiais concluírem que “teria havido uma ação concatenada de agentes do Ibama e de Ministério do Meio Ambiente para favorecer ou para fazer o destravamento indevido do que quer seja”.
Salles afirmou ainda que foi ao Ministério do Meio Ambiente no momento do cumprimento do mandado judicial e falou com o delegado responsável. “Agora, essas medidas são desnecessárias, na medida em que o ministério e todos os funcionários poderiam ter ido, se chamados para a Polícia Federal”. O ministro também disse que explicou o episódio ao presidente Jair Bolsonaro e garantiu que “não há substância em nenhuma das acusações”.
Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério do Meio Ambiente não se posicionou sobre a operação. O Ibama também não emitiu comunicado.
Salles já é alvo de uma notícia-crime no STF
Em dezembro do ano passado, às vésperas do Natal, a Polícia Federal havia feito a maior apreensão de madeira nativa da história. A corporação identificou 43,7 mil toras em diversos pontos desmatados no Pará, ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns.
A PF usou imagens de satélite e sobrevoos de helicóptero para chegar a essas localidades. As 43,7 mil toras correspondiam a 131,1 mil m³, o suficiente para a construção de 2,6 mil casas populares. O cálculo à época era preliminar e considerado conservador pelos investigadores.
A operação levou o nome de Handroanthus GLO, uma referência ao nome científico do Ipê. A espécie é a mais explorada da região amazônica, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O nome também fez referência ao decreto presidencial que autorizou a atuação das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para o combate ao desmatamento ilegal e os focos de incêndio na Amazônia.
As investigações que deram origem à Operação Handroanthus GLO tiveram início após apreensão de uma balsa em Parintins (AM), em novembro, município fronteiriço com o Pará. A embarcação tinha 3 mil m³ de madeira extraídas em território paraense.
Em abril deste ano, o ministro Ricardo Salles se reuniu em Santarém (PA) com empresários alvos da Operação Handroanthus GLO. Ouviu queixas dos madeireiros e propôs promover uma revisão das documentações. Caso esses empresários estivessem aptos a atuar, Salles disse que apoiaria uma eventual liberação das 47 mil toras.
A atuação de Salles em relação aos madeireiros foi o pivô da notícia-crime enviada pelo delegado da PF Alexandre Saraiva ao STF. Em audiência na Câmara, em abril, ele acusou o ministro do Meio Ambiente de minar a credibilidade da Operação Handroanthus GLO.
“O senhor ministro fez uma inversão, tornou legítima a ação dos criminosos, e não dos servidores públicos [da PF]. Então, em linhas gerais, e sendo bem preciso, foi isso que nos motivou a fazer essa notícia-crime”, declarou.
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