Aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) insistem para que ele modere o tom e faça uma inflexão política ao centro. Afinal, buscar o eleitor mais centrista virou uma obsessão de qualquer pretendente ao Palácio do Planalto em 2022. Mas, a julgar por discursos e falas, isso dificilmente vai acontecer.
Os apelos para que Bolsonaro siga em direção ao centro não são recentes. Desde o início deste ano, com o avanço da pandemia e a chegada da segunda onda da Covid-19, alguns de seus principais aliados e ministros palacianos o aconselham a flexibilizar o discurso e mirar no “brasileiro médio”, menos sensível a ideologias e mais a economia.
A chegada de novos ministros políticos, contudo, elevou o clamor pela convergência ao centro. Em fevereiro, o deputado federal João Roma (Republicanos-BA) tomou posse no Ministério da Cidadania. Em março, foi a vez de a deputada Flávia Arruda (PL-DF) assumir a Secretaria de Governo.
Ambos os ministros passaram, então, a engrossar o coro junto a outros auxiliares licenciados da Câmara, como Onyx Lorenzoni (DEM), que voltou à Secretaria-Geral, e Fábio Faria (PSD, que passou a despachar do Planalto este ano, para que Bolsonaro faça mais gestos em direção ao centro.
Sobretudo após a romaria em Brasília do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que articula candidatura para 2022 e também mira o centro político, Bolsonaro passou a ouvir mais tais apelos. Nas últimas semanas, se reuniu com alguns desses ministros políticos e ouviu as sugestões para que fale mais com o eleitorado centrista.
Tendência de Bolsonaro é flertar com o centro, mas permanecer à direita
Pedidos à parte, os sinais dados até agora por Bolsonaro não sugerem que seus ministros conseguirão convencê-lo a convergir ao centro. O exemplo mais claro usado por interlocutores no Palácio do Planalto à Gazeta do Povo é o de quando ele insinuou que a China teria produzido o novo coronavírus em laboratório.
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que estamos enfrentando uma nova guerra? Qual país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, disse Bolsonaro, na quarta-feira (5).
A fala de Bolsonaro, diz um interlocutor palaciano, é um sinal de que ele não vai migrar para o centro. “Essa orientação, essa tentativa de trazer ele para o centro é antiga. Só que tem forças que atuam no sentido contrário, de puxar ele mais para a direita. É um embate constante no interior do governo”, afirma.
Outro assessor do Planalto pondera, contudo, que a tendência não é ele nem ficar só à direita, e nem só ao centro. “Ele fica pendulando, variando. Uma hora ele varia o discurso para um que o aproxima do centro, ora desce a ‘porrada’ e vem para a direita. O de ontem [quarta] foi bem à direita”, analisa.
Para esses interlocutores, há riscos eleitorais de o presidente não moderar o tom e buscar o eleitor almejado. “O ideal, de fato, era garantir o apoio desse eleitorado desde já. O risco realmente tem, com certeza”, pondera um assessor. “Mas tudo vai depender de quem ele vai enfrentar com mais forças no ano que vem. Se enfrentar o PT, esse eleitor [de centro] deve vir”, avalia o outro.
O que explica o tom mais radical usado por Bolsonaro sobre a China
No Planalto, a leitura feita a respeito do tom mais radical usado por Bolsonaro sobre a China, bem como acerca da possibilidade de editar um decreto contra medidas restritivas de governadores e prefeitos no combate à pandemia da Covid-19, é de que são respostas à CPI da Covid.
“Ele sentiu que a aproximação dele ao centro não deu resultados mais imediatos na CPI. O centro que apoia ele no Congresso não está conseguindo minar a oposição como deveria e dar o apoio que ele esperava”, sustenta um assessor. “Então, ele volta para as bases, o povo na rua, que o ajuda a segurar um pouco a oposição mais do que a base política no Senado”, acrescenta.
A orientação para que Bolsonaro radicalizasse o discurso partiu, segundo as fontes consultadas, de um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). “O Carlos é o maior influenciador nesse sentido. E os outros que trabalham no entorno dele, também. O presidente até os citou”, diz um assessor palaciano.
A afirmação do interlocutor faz referência a Tércio Arnaud Tomaz e José Matheus Sales Gomes, ambos integrantes da Assessoria Especial do Presidente da República, considerados membros da chamada “ala ideológica”. O próprio Bolsonaro os citou, bem como Carlos, em uma declaração na quarta durante evento no Planalto sobre o 5G.
“O meu marqueteiro não ganhou milhões de dólares fora do Brasil. O meu marqueteiro é um simples vereador, Carlos Bolsonaro, lá do Rio de Janeiro. É o Tercio Arnaud, aqui que trabalha comigo, é o [José] Matheus. São pessoas [que] são perseguidas o tempo todo, como se tivesse inventado um gabinete do ódio. Não tem do que nos acusar. É o gabinete da liberdade, da seriedade”, disse Bolsonaro.
Inflexão ao centro é mais para compor chapa do que buscar eleitor
Aliados no Congresso não identificam, contudo, prejuízos em Bolsonaro não caminhar em direção ao centro. Até pelo entendimento de que o eleitorado centrista não tem ideologia ou se prende a discursos, mas, sim, às condições econômicas e sociais do país.
Por esse motivo, a leitura feita no Congresso é de que o esforço de ministros para que Bolsonaro convirja ao centro é mais associada a uma tentativa de convencer o presidente da República a moderar o tom para que os partidos de centro se sintam à vontade para embarcar em uma coligação e formar uma chapa forte nas eleições de 2022.
Sem Bolsonaro flexibilizar o discurso, a tendência é que os partidos de centro se sintam menos propensos a coligar com o partido que ele ainda escolherá. Com Lula como virtual candidato fazendo gestos ao centro, alguns partidos podem se sentir menos dispostos em ficar com um candidato tido como radical, ainda mais desgastado com a CPI da Covid.
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) explica essa leitura política. “Concordo com os ministros, o presidente vai ter que procurar os partidos de centro para dar a ele a oportunidade de mostrar ao Brasil o que fez, porque ele não pode depender dos telejornais das principais emissoras do Brasil para isso”, destaca.
Uma chapa em que Bolsonaro se coligue com diversos partidos da centro-direita, como PP, PL, Republicanos e PSD, por exemplo, pode render a ele muitos minutos de televisão. E por mais que Bolsonaro tenha sido eleito em 2018 pelas redes sociais, Sóstenes alerta que o momento político é diferente.
“Um bom tempo de TV vai dar inserções nos horários nobres para que o presidente dialogue com esse eleitor das classes C e D, que ainda consome a televisão analógica, não a à cabo, e que precisa saber o que foi feito durante o período do governo”, destaca Sóstenes. “O eleitor do centro é convencido pelo sucesso da economia, não por discurso, e sim por política de atenção básica a ele”, complementa.
Politicamente falando, Sóstenes também acha que seria equivocado Bolsonaro abandonar seu eleitorado para migrar ao centro. “Primeiro, que ele não tem perfil de mudar. Em sua essência, jamais deixará de ser essa figura de extrema direita conservador. Segundo, que eu não acho que seria uma estratégia política inteligente”, justifica.
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