O tema do tratamento precoce deve ser um dos principais pontos de fricção entre governo e oposicionistas na CPI da Covid, no Senado Federal. E o Executivo tem elaborado argumentos para defender sua posição. A Gazeta do Povo teve acesso a um estudo elaborado pelo Ministério da Saúde segundo o qual a prescrição de medicamentos “off-label” (para indicações não previstas pela bula) é frequente no sistema de saúde. Apesar de o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ter se esquivado sobre o tema em seu depoimento, o material faz parte do conjunto de documentos que devem ser usados por representantes do Executivo para rejeitar a tese de que o governo se equivocou ao defender a possibilidade de que a hidroxicloroquina e a ivermectina fossem usadas no tratamento contra a Covid-19. A tese é a de que, em situações emergenciais, é legítimo que medicações sejam utilizadas para fins que não aqueles previstos na bula.
O estudo feito pelo Ministério da Saúde analisou todos os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) em vigor. Os PCDTs são orientações, com base em evidências científicas, que guiam os tratamentos a serem adotados no Sistema Único de Saúde. O levantamento concluiu que 73,7% dos PCDTs incluem pelo menos um medicamento off-label. Em média, cada PCDT tem 5,33 medicamentos off-label. O levantamento é assinado por Vania Cristina Canuto Santos, diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde do ministério. “Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas avaliados apresentaram alta frequência de medicamentos preconizados com indicação clínica ou faixa etária off-label”, ela conclui.
A pandemia de coronavírus teve início há um ano e meio, e os testes sobre o melhor tratamento contra a doença ainda estão sendo consolidados. Como é comum na comunidade científica, há resultados conflitantes. E é a esse argumento que o governo se apega: se o tratamento precoce com medicamentos como a ivermectina e a hidroxicloroquina não pode ser apresentado como uma solução definitiva para a Covid-19, tampouco é possível descartar que esses tratamentos tenham um efeito positivo sobre os pacientes.
“É preciso diferenciar comprovação de evidências”, diz Francisco Cardoso, médico infectologista que atuou como uma espécie de conselheiro informal do Ministério da Saúde no tema do tratamento precoce. “A maior parte da medicina trabalha com evidência, não com comprovação. Você não precisa ter um medicamento comprovado definitivamente para fazer o tratamento das pessoas”, explica. Além disso, ele afirma que, dentro das evidências, muitos medicamentos são adotados com base em evidências consideradas “moderadas” – em vez de “fortes”. A conversão de “evidências” em “comprovação científica” leva anos, exige dezenas de milhões de dólares e, em muitos casos, nunca ocorre. “O tratamento off-label foi feito com a dengue, com a zika e com a H1N1. Na época da H1N1, o tamiflu foi introduzido sem nenhum tipo de estudo conclusivo – que até hoje não existe”, salienta.
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