Por puro melindre, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), fez as discussões da reforma tributária retrocederem quase que a seu marco zero ao simplesmente extinguir a comissão especial mista sobre o tema, na terça-feira. A decisão veio após a leitura do parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB); o texto contrariou as expectativas que Lira vinha ventilando nos corredores do Congresso e que também corresponderiam ao desejo da equipe econômica, e a resposta do presidente da Câmara foi simplesmente enviar tudo à lata do lixo.
A comissão especial tinha sido criada em fevereiro do ano passado, quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) ainda comandavam Câmara e Senado, respectivamente. À época, havia apenas duas propostas na mesa: a PEC 45/2019, que começou a tramitar na Câmara dos Deputados; e a PEC 110/2019, que vinha do Senado. Ambas propunham uma unificação e simplificação de tributos mais ampla, com a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – a PEC 110 ainda instituía um “imposto seletivo”, que incidiria apenas sobre determinados itens. Só meses mais tarde o governo federal enviou a primeira parte de sua proposta, que foi incorporada aos debates e previa a unificação do PIS e da Cofins em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Lira criou um enorme impasse e ainda corre o risco de queimar pontes necessárias na construção de uma reforma fundamental para o país
No fim, o relatório de Ribeiro privilegiou a proposta da PEC 45, incorporando trechos da PEC 110. O IBS seria formado pela unificação de três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), segundo a proposta original da Câmara, e o relator incluiu o imposto seletivo presente no projeto do Senado. Esse caráter mais amplo da reforma tributária também era defendido por secretários estaduais de Fazenda, que se manifestaram repetidas vezes pedindo que a proposta já viesse completa à mesa, sem fatiamentos. Mas Lira, simpático à proposta do governo, não gostou. Ao desagrado somou-se o rescaldo de uma disputa política recente, já que o autor da PEC 45 – da qual Ribeiro tinha sido relator antes de assumir o mesmo cargo na comissão especial – é o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Lira na disputa pela presidência da Câmara em fevereiro deste ano.
Lira ainda tentou salvar as aparências alegando que a comissão mista havia excedido em muito seus prazos regimentais, realizando quase o dobro das sessões permitidas pelo regimento. Mas quem há de acreditar que o presidente da Câmara só se deu conta disso justamente neste momento? Por que, então, ele não forçou essa extinção quando deixou de assinar a prorrogação da comissão em 31 de março? Afinal, Lira permitiu tacitamente que os trabalhos continuassem e até mesmo anunciou o momento em que Ribeiro entregaria seu parecer, como se tudo estivesse dentro da mais perfeita normalidade. Teria o presidente da Câmara guardado uma carta regimental na manga para sacá-la caso o texto não saísse como ele gostaria, o que acabou ocorrendo?
Ao portar-se como o típico dono da bola do futebol infantil de rua, levando embora a pelota quando o resultado lhe é desfavorável, Lira criou um enorme impasse e ainda corre o risco de queimar pontes necessárias na construção de uma reforma fundamental para o país. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já mostrou seu desconforto com a decisão. O destino do relatório de Ribeiro e do próprio futuro das discussões sobre a reforma é incerto; o texto lido na terça-feira pode se tornar um substitutivo a algum dos projetos, mas aliados de Lira já falam até mesmo em múltiplos relatores – “quatro ou seis”, segundo um deputado ouvido pela Gazeta do Povo –, impondo na prática o fatiamento da reforma, com todos os problemas que essa estratégia traz e que já foram largamente expostos neste espaço. A irresponsabilidade de Lira, além de demonstrar enorme desprezo pela dinâmica dos trabalhos legislativos, atrasa ainda mais (isso se não inviabilizar completamente) o desfecho de uma discussão crucial para a retomada econômica.
Be the first to comment on "A reforma tributária, atrasada pela “síndrome de dono da bola”"