Propostas para “enquadrar” STF e reduzir ativismo judicial ganham força no Congresso

Parte dos deputados e senadores se movimenta para “enquadrar” o Supremo Tribunal Federal (STF). Não é novidade que recentes decisões da Suprema Corte geraram incômodo entre alguns parlamentares no Congresso Nacional. O problema é que, após a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, em determinar a abertura da CPI da Covid-19, o mal estar cresceu.

A ideia de congressistas é colocar em votação propostas que possam fazer um contraponto aos poderes dos ministros do STF. Deputados e senadores articulam a votação de projetos que restringem decisões monocráticas. Na Câmara, alguns defendem a votação de uma matéria que puna o ministro da Suprema Corte que pratique o chamado ativismo judicial. No Senado, cresce a pressão para se votar um texto que abre brecha para sustar atos do Judiciário.

A costura para se colocar em votação essas propostas é orgânica e apartidária, não partindo dos líderes partidários. Também não é capitaneada por aliados bolsonaristas, ou seja, da base mais próxima ao presidente Jair Bolsonaro. Tem a atuação de congressistas do Podemos, DEM, Republicanos, PSL, entre outras legendas.

As vozes das ruas: de onde surgiram os pedidos de pressão ao STF

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) explica à Gazeta do Povo a origem dessas articulações. “Há um movimento da sociedade que cobra de nós, parlamentares, algum tipo de resposta às decisões e usurpações de competências do STF aos poderes Legislativo e Executivo”, comenta.

A pressão da sociedade começou com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Desde então, cada decisão tomada pelos ministros do STF tem elevado a cobrança sobre os parlamentares. “Nos últimos 30 dias que começou a aumentar ainda mais”, afirma Sóstenes.

Durante esse período citado pelo parlamentar, o STF determinou: que estados e municípios podem proibir a realização de missas e cultos em igrejas; a instalação da CPI da Covid, em uma decisão monocrática de Barroso que, posteriormente, foi referendada pelo plenário; a anulação dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no plenário; e a suspeição de Moro no plenário.

O desconforto ouvido por Sóstenes é tão intenso que ele tem escutado lamentos de quem acha que um regime militar não seria “tão ruim”. “Começo a ouvir vozes que eu não ouvia anteriormente dizendo: ‘Se é para continuar com o país com o STF mandando mais do que o presidente e o Congresso, em uma democracia deforme como essa, então, que venha o regime militar’”, afirma.

Tais apelos, segundo explica o parlamentar, vêm de pessoas “sérias, com conteúdo intelectual e político”. “Ou seja, talvez o STF não esteja sentindo [o clamor das ruas] e não esteja com a sintonia fina para entender o sentimento da população que esse ativismo está gerando, a ponto da pessoa achar que, na democracia, não há mais conserto. E isso me assusta. Não é esse o país que eu sonho”, sustenta.

Que opções o Parlamento apresenta como antídoto ao ativismo judicial

Atendendo a esses pedidos, Sóstenes afirma que se articula para votar o Projeto de Lei (PL) 4754/2016, de autoria sua, com coautoria de outros 22 deputados e ex-deputados federais. A proposta tipifica como crime de responsabilidade a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo por parte de ministros do STF. Na prática, é um antídoto ao ativismo judicial

A matéria foi designada à deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), afirmou a deputada Bia Kicis (PSL-DF) à Gazeta do Povo. “Como ela estava de licença maternidade, estamos aguardando seu retorno à CCJ para que possa relatar esse projeto”, afirmou.

Quando teve seu nome indicado para presidir o colegiado, Bia defendeu o texto. À época, a parlamentar disse à reportagem se tratar de um projeto que “precisa ser enfrentado” por entender que o próprio presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), estaria “muito afinado” para “resgatar a autoridade do Parlamento”.

À reportagem, Sóstenes afirma que conversará com Bia para que o projeto seja votado. Para ele, o clima político é oportuno para isso. “A cada decisão que o STF vem tomando destoada da harmonia dos poderes, mais parlamentares me procuram, mandando mensagens. Está na hora de a gente pautar o nosso projeto e aprovarmos”, destaca.

O ambiente político, agora, é diferente em relação a 2019, quando Sóstenes se articulou para votar o texto. “Na vez passada, que o deputado [Felipe] Francischini [ex-presidente da CCJ] pautou, teve muita gente falando que foi procurado pelo STF. Foi feito um grande lobby para não aprovarmos isso [PL 4754/2016]. Combinei com o Francischini de retirada de pauta, porque senti que perderíamos no voto”, explica.

Agora, Sóstenes promete esforços para resgatar o projeto. “É lógico que há uma carga dos deputados membros da CCJ para não votar o meu projeto. Vão pressionar também dessa vez, mas precisamos de algo para corrigir essa deformidade no nosso sistema de freios e contrapesos”, diz. “A gente não quer confronto de poderes. Se não aprovarmos, temos que estabelecer algum diálogo com o STF”, afirma.

Na Câmara e no Senado: como é o contra-ataque às decisões monocráticas

Na Câmara, outra forma de coibir o ativismo judicial é por meio da limitação a decisões monocráticas dos ministros do STF. O PL 11270/2018, que modifica as regras para a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar, é uma das apostas de deputados. O texto, relatado por Francischini, já está na pauta da CCJ.

A deputada Bia Kicis defende o projeto. Ela explica que a redação tem, por objetivo, regulamentar as decisões monocráticas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas arguições de preceito fundamental. Para ela, o texto é até uma forma de prestigiar a natureza colegiada do STF.

“Porque não se pode, com uma caneta de um ministro, declarar inconstitucionalidade de uma lei que foi votada por 513 deputados, 81 senadores, sancionada por um presidente da República. É preciso que se prestigie mais o princípio da separação dos poderes, da independência, do respeito. Então, o Supremo, que é um órgão colegiado, que, pelo menos, se analise pela sua totalidade dos seus membros ou, pelo menos, pela maioria”, sustenta Bia.

Limitações às decisões monocráticas também são discutidas pelo Senado. O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) apresentou em abril a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que também leva a assinatura de outros senadores como coautores. A redação impõe limites a pedidos de vista e decisões monocráticas em tribunais superiores. O projeto havia sido proposto em 2019 e reapresentado em abril.

Se aprovada a PEC, as decisões cautelares nos tribunais não poderão ser monocráticas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos. Matérias que couberem liminar exigirão o voto da maioria dos ministros, ou seja, no caso do STF, precisarão ser apreciadas pelo plenário. “Existe muito poder concentrado na mão de um único homem [ministro(a)]. É óbvio que isso é uma distorção, não pode funcionar assim”, sustenta Oriovisto à Gazeta do Povo.

O senador garante, contudo, que não se trata de um revanchismo do Senado ao STF — em decorrência da decisão que obrigou a Casa a instalar a CPI da Covid —, mas, sim, da necessidade de corrigir o sistema. “Ela [PEC 8] não visa pessoas, ela visa o sistema”, destaca.

“O nosso Supremo foi concebido para funcionar como um colegiado, que seria o guardião da Constituição, mas o que aconteceu na prática? São tantas decisões monocráticas que se transformaram em 11 ilhas, eles decidem isoladamente, e não foi para isso que ele [STF] foi concebido”, acrescenta Oriovisto.

A finalidade da proposta, portanto, é disciplinar as decisões monocráticas. “Não ficariam proibidas, mas teriam prazos para submeter a um colegiado, não podendo ficar indefinidamente”, destaca. A PEC 8 também aplicaria prazos aos pedidos de vista. “[Impor] no máximo seis meses de vista, prazo bastante alongado”, defende.

Mandato, lista tríplice, sustar atos: que outros projetos estão em debate

Outros projetos estão na mira de parlamentares e são citados como complementares. A PEC 35/2015, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS), é uma delas. O texto obriga o presidente da República a indicar integrantes do STF a partir de uma lista tríplice, formada por uma comissão de sete instituições — entre elas o próprio Supremo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O texto original prevê, ainda, mandato de 10 anos para cada ministro do STF. O substitutivo dessa redação, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), manteve. Se aprovada a PEC, um ministro não poderia ser reconduzido ao cargo e ficaria inelegível por cinco anos. “Queremos, também, mudar isso [o atual processo de indicação de ministros do Supremo]”, sustenta o senador Oriovisto Guimarães.

O senador se diz favorável à ideia de mandato e escolha de um ministro por lista tríplice formada por magistrados de carreira. “E não nomes escolhidos da cartola. Eu fui para o Senado porque entendo que o Brasil necessita de reformas. Como mudamos o país? Não é trocando só o governador, prefeito, deputado, precisamos, também, trocar as leis que regulam a sociedade, incluindo reforma do Judiciário”, sustenta.

Outra pauta defendida por parlamentares é a que garante ao Congresso a competência para sustar atos normativos do Poder Judiciário que venham a extrapolar suas competências. Em 2020, foi apresentada como uma PEC pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO). Ganhou o apelido de “PEC do Judiciário”, mas, como precisava de 27 assinaturas para tramitar, não consta mais nas propostas apresentadas pelo parlamentar.

Mesmo sem constar no site Senado, a “PEC do Judiciário” passou a ser cobrada por parte da sociedade. Em 15 de abril, senadores receberam mensagens em massa de populares cobrando a votação do projeto. Não apenas no Senado, mas, na Câmara, há quem apoie a pauta, como o deputado Sóstenes Cavalcante. “Acho importante a gente votar. Tem que votar essa, que é outra vertente ao meu projeto [PL 4754/16], como, também, a PEC para dar mandato de 10 anos [35/15]”, defende.

Acuado, STF pode tentar chegar a um meio termo; Toffoli já tentou

A ideia de deputados e senadores é não voltarem atrás na intenção de pautar essas propostas. Enquanto o deputado Sóstenes Cavalcante vai articular na CCJ da Câmara a votação de seu PL, o senador Oriovisto Guimarães também vai trabalhar pela designação de um relator junto ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “O passo que estou agora é convencê-lo a colocar essa PEC na pauta e designar um relator”, explica.

Apesar disso, parlamentares não descartam que ministros do STF o procurem para dialogar e tentar chegar a um “meio termo”. Sóstenes lembra que, em abril de 2019, o então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, procurou ele e o senador Marcos Rogério para discutir propostas alternativas para uma reforma do judiciário, que não o PL 4754/16. Afinal, a ideia de articular a matéria em 2019 incomodou os ministros, que apelaram para Toffoli interceder.

À época, em meados de abril de 2019, afirma Sóstenes, Toffoli sugeriu a ele que apresentasse um projeto de lei que dê liberdade aos ministros do STF na análise de arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs). “A ideia sugerida por ele seria dar mais liberdade aos ministros. Porque isso, no Brasil, não é igual, por exemplo, aos Estados Unidos”, explica o deputado.

Enquanto nos EUA os ministros da Suprema Corte podem negar a discussão de uma ADPF por entender se tratar de um assunto do legislativo, os ministros do STF não têm essa prerrogativa. “No Brasil, eles são obrigados a julgar. O próprio ministro Toffoli disse para construirmos um projeto de lei juntos que desobriga a Corte de emitir certo juízo”, destacou Sóstenes.

Após aquela reunião, o parlamentar afirma que não voltou a tratar do assunto com Toffoli. “Veio a pandemia, não conseguimos nos reunir com os grupos de trabalho e, depois, ele deixou de ser presidente do STF. É um tema que está solto, ninguém tratou como projeto de lei. Lógico que ele faria essa sugestão para a gente não votar no nosso projeto. O nosso é muito amargo, então, ele apresentou essa ideia como alternativa”, sustenta.

Apesar de não desejar abrir mão de discutir o PL 4754/16 ou outro que possa disciplinar a Suprema Corte, Sóstenes não fecha as portas para negociar alternativas com ministros do Supremo. “Se o STF realmente se sentir muito incomodado com nossas proposições, a gente pode buscar uma alternativa juntos, porque ele vai entender que há uma reação do Legislativo. O que não queremos é confronto de poderes, queremos buscar resolver essa deformidade no sistema de freios e contrapesos”, explica.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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