Caso Daniel Silveira: Ativismo judicial em causa própria

Não há regra mais óbvia no Direito do que aquela que exige que o juiz seja isento, não tenha interesse na causa.

Vejam quão equivocada pode ser uma decisão de ministros do STF julgando um caso em que o réu é acusado de ofender… ministros do STF!

A patética alegação do relator Alexandre de Moraes (carinhosamente apelidado por seu colega Marco Aurélio de “xerife”) de que “a imunidade parlamentar não existe para defender a ditadura” simplesmente não tem apoio no texto constitucional, cujo artigo 53 diz expressamente:

Art.53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por QUAISQUER de suas opiniões, palavras e votos.

Alguém desconhece o significado de “QUALQUER”?

Em discurso gravado em vídeo, o deputado Daniel Silveira teria feito (na interpretação de alguns) a defesa do AI-5, instrumento da ditadura militar utilizado outrora para cassar parlamentares e alguns ministros do STF.

Pois bem: em 2017, um grupo de parlamentares de esquerda fez não um simples discurso, ou um vídeo, e sim uma sessão solene na Câmara dos Deputados (transmitida pela TV Câmara, “cortesia” dos pagadores de impostos) celebrando os 100 anos da revolução comunista na Rússia, revolução que implantou naquele país e em outros (Ucrânia, Bielorússia, Lituânia, Georgia, etc) uma ditadura de partido único que matou cerca de 20 milhões de pessoas.

O AI-5 é brinquedo de criança na comparação.

Qual a providência tomada pelo STF na ocasião? Ou pelo Ministério Público Federal? Nenhuma – e com razão! Por mais antidemocrática que tenha sido a celebração do regime totalitário soviético pelos parlamentares do PT, PSOL, PCdoB etc., ela estava protegida pela imunidade parlamentar.

Portanto, não se iludam: por mais piruetas jurídicas que façam os ministros do Supremo, até os bailarinos do Bolshoi sabem que não se trata de repelir “manifestações antidemocráticas” – trata-se, isto sim, de agir com espírito de corpo para desencorajar ataques e críticas aos seus aparentemente ilimitados poderes.

Se o ataque for a alguma outra autoridade, aí vale chamar de “genocida”, “nazista”, “fascista” etc. É liberdade de expressão…

Como perguntou há poucos dias, espantado, o grande jurista Ives Gandra: “pode xingar deputado, senador, presidente, mas não pode xingar ministro do STF?”

Quando um tribunal inventa uma regra “constitucional” inexistente a pretexto de interpretar a Constituição está usurpando a função do legislador, e assim praticando ativismo judicial.

O ativismo judicial é em si mesmo algo muito ruim. Mas quando é exercido por um tribunal em causa própria, é ainda pior.

Em tempo: o ministro Alexandre de Moraes diz em seu voto que o STF continuará a exercer sua função “de forma neutra”.

Deus nos ajude!

Marcelo Rocha Monteiro. Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.

Confira a matéria no Jornal da Cidade

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