Um dos principais desafios da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que inicia seus trabalhos na próxima terça-feira (27), será investigar a aplicação do auxílio federal pago a estados e municípios. A União transferiu R$ 60 bilhões no ano passado para os governos locais com o objetivo de atenuar os impactos da perda de arrecadação provocada pela pandemia. A maior parte do dinheiro, porém, era de aplicação livre, o que dificulta o trabalho de rastreamento.
A lei complementar 173, de 2020, criou o auxílio financeiro a estados e municípios. Foi uma exigência do Congresso e dos governos locais devido às medidas de isolamento social que derrubaram a arrecadação dos entes. Essa lei previu o repasse de R$ 60 bilhões da União a estados e municípios, em quatro parcelas pagas entre junho a setembro. Esse dinheiro foi dividido da seguinte forma:
- R$ 7 bilhões aos estados para ações de saúde e assistência social;
- R$ 3 bilhões aos municípios para ações de saúde e assistência social;
- R$ 30 bilhões de reais aos estados para livre aplicação;
- R$ 20 bilhões de reais aos municípios para livre aplicação;
A lei também autorizou a União a suspender o pagamento de dívidas dos governos locais. Com isso, prefeitos e governadores tiveram uma folga de caixa de R$ 65 bilhões no ano passado, totalizando em R$ 125 bilhões a ajuda extra do governo federal prevista pela lei complementar 173. Em troca, o salário do funcionalismo público foi congelado até dezembro de 2021.
Além desse auxílio, o governo federal transferiu em 2020 aos governadores e prefeitos R$ 3 bilhões para apoio ao setor cultural e liberou R$ 16 bilhões para os fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM), uma transferência constitucional obrigatória que acontece todo ano. Os dados são do Tesouro Nacional.
Como governadores usaram os R$ 50 bilhões
Uma das principais funções da CPI será descobrir como os governadores e prefeitos utilizaram os R$ 50 bilhões para livre aplicação transferidos de maneira extraordinária pelo governo federal. Como não tinham “carimbo”, os recursos acabaram se misturando no caixa do governo e não é possível saber, pelos painéis públicos de transparência, onde exatamente esse valor foi aplicado.
O presidente Jair Bolsonaro tem levantado suspeitas sobre o uso dos recursos federais pelos estados e municípios. Mas, de acordo com a lei que criou o repasse extra, não há qualquer irregularidade caso os governadores e prefeitos tenham usado o dinheiro para outros fins que não o combate à pandemia – como investimento, custeio da máquina pública e pagamento de salários. O projeto que originou a lei foi desenhado pelo próprio governo, após negociações com o Congresso.
Parte do dinheiro, inclusive, pode nem ter sido usada em 2020, conforme mostrou reportagem da Gazeta do Povo, o que também não significaria uma ilegalidade. Segundo dados do Tesouro Nacional e do Banco Central, os governos locais tinham R$ 82,8 bilhões sobrando nos cofres públicos ao fim do ano passado. O valor é quase o dobro do registrado em 2019, quando a sobra foi de R$ 42,7 bilhões. Esse dinheiro formou o chamado “colchão de liquidez”, podendo ser usado pelos governadores e prefeitos neste ano.
PGR cobrou detalhamento; CPI também deve pedir
A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ofícios aos 27 governadores pedindo o detalhamento do uso de verbas federais no enfrentamento da pandemia. Os ofícios foram expedidos depois do anúncio da criação da CPI e assinados pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, após a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do Ministério Público Federal ter feito uma primeira análise sobre os dados disponíveis e considerá-los incompletos.
O plano inicial de trabalho da CPI prevê a requisição de informações aos tribunais de contas federal e estaduais e ao governo federal sobre os recursos repassados pela União aos entes federativos. Além das informações, representantes dos governos federal, estaduais e municipais devem ser chamados para prestar mais esclarecimentos. O cronograma será conhecido após a instalação do colegiado.
Paralelamente, o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) já está fazendo um levantamento dos recursos da pandemia repassados pelo governo federal para prestar contas da aplicação.
O que é a CPI da Covid
A CPI da Covid foi criada pelo Senado após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de requerimento apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O objetivo é fiscalizar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e o colapso da saúde no estado do Amazonas.
Atendendo a um pedido do governo federal, feito por intermédio do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu incluir no escopo do colegiado a investigação da aplicação de recursos federais por estados e municípios no combate à pandemia. A aplicação de recursos constitucionais (FPE e FPM) não será alvo da CPI, já que feriria a autonomia dos entes.
A comissão será instalada oficialmente na próxima terça-feira, com a eleição do presidente e do vice-presidente. Há acordo para que a presidência fique com o senador Omar Aziz (PSD-AM) e a vice-presidência, com o senador Randolfe Rodrigues, autor do pedido de criação da comissão. A relatoria ficará a cargo de Renan Calheiros (MDB-AL).
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