Qualquer relação das principais vítimas da pandemia de Covid-19 iniciará, por óbvio, com os mortos e suas famílias enlutadas, seguidos pelos inúmeros desempregados e empresários que faliram devido às dificuldades criadas pelas medidas de restrição aos negócios impostas para desacelerar a curva de contágio. Mas um outro grupo bastante prejudicado pela pandemia ainda não tem recebido a atenção necessária, nem do poder público, nem da sociedade como um todo: as crianças e adolescentes que passaram meses inteiros sem poder ir à escola e, em alguns lugares, ainda hoje seguem à mercê do abre-e-fecha decretado por autoridades estaduais e municipais.
Para os alunos das redes públicas, a situação é ainda mais crítica; enquanto colégios particulares investiram em meios de transmissão de conteúdo on-line, as escolas municipais e estaduais nem sempre conseguiram se modernizar a ponto de manter os alunos devidamente engajados; além disso, em muitos casos faltam aos próprios alunos as ferramentas tecnológicas para seguir acompanhando as aulas – o que deu a muitos gestores uma desculpa bastante conveniente para não investir mais pesadamente no ensino remoto, como lembrou o colunista Fernando Schüler em texto publicado nesta Gazeta do Povo.
Se escolas seguem fechadas enquanto tantas outras atividades voltaram a funcionar, é porque poder público e sociedade civil organizada, apesar do discurso, não incorporaram na prática a noção da escola como atividade essencial
Na mesma ocasião, Schüler lembrou que o Brasil, segundo dados da Unicef, é um dos cinco países onde as escolas permaneceram fechadas por mais tempo, e que, segundo estimativa do Banco Mundial, o porcentual de estudantes sem condições mínimas para ler adequadamente um texto irá de 55% para 77% com escolas fechadas por 13 meses. O resultado da interrupção do ensino não está apenas no déficit de aprendizagem, mas também no aumento da evasão escolar, que sempre foi um problema crônico no país, especialmente no ensino médio, mas que a pandemia agravou.
Se escolas seguem fechadas enquanto tantas outras atividades voltaram a funcionar, ainda que com todas as restrições de higiene e distanciamento exigidas para evitar surtos de Covid-19, é porque poder público e sociedade civil organizada, apesar do discurso, não incorporaram na prática a noção da escola como atividade essencial. Não houve, e em muitos locais continua não havendo, um amplo pacto para o retorno às aulas presenciais o quanto antes, do modo mais seguro possível. A ideia de reabrir escolas continua enfrentando resistências fortes, seja dentro dos próprios governos, seja da parte de certos grupos de pressão.
Sindicatos de professores, por exemplo, têm defendido que o retorno às aulas presenciais ocorra apenas quando os docentes tiverem sido vacinados. Que os professores – e os demais trabalhadores das escolas, evidentemente – sejam colocados nos grupos prioritários de vacinação faz todo o sentido para uma sociedade que deseja ver a educação realmente considerada atividade essencial. Mas a imunização é uma garantia adicional; não pode ser uma condição sine qua non para a retomada das aulas presenciais, até porque a experiência demonstra que é possível, aplicando protocolos sanitários rigorosos, reabrir as escolas sem transformá-las em covidários.
Um estudo da Universidade de Zurique, feito em 131 cidades do estado de São Paulo onde houve reabertura de escolas, mostrou que essa reabertura não provocou alteração no curso da pandemia. Resultados semelhantes foram observados em diversos outros países onde o fechamento das escolas durou muito menos tempo que no Brasil. Um desses estudos, realizado em 191 países, chamou a atenção do Unicef, que afirmou em comunicado que manter as escolas fechadas por muito tempo levaria a “impactos devastadores no aprendizado, no bem-estar físico e mental e na segurança” das crianças e adolescentes.
Escolas deveriam ter sido os últimos estabelecimentos a fechar, nos momentos mais críticos do avanço da Covid-19, e os primeiros a reabrir
Também por isso é preciso rechaçar ideias que vêm sendo ventiladas em alguns estados, segundo as quais as escolas particulares só deveriam poder reabrir quando as aulas presenciais também retornassem na rede pública. Tal exigência seria um caso clássico de nivelamento por baixo, punindo quem investiu no cumprimento dos protocolos sanitários apenas porque os agentes públicos não fizeram sua obrigação – dever este, aliás, que tiveram mais de um ano para cumprir. Alternativa muito melhor é pressionar governos e prefeituras para que deem aos alunos de suas escolas condições idênticas, ou ao menos bastante semelhantes, às dos estudantes da rede privada.
Escolas deveriam ter sido os últimos estabelecimentos a fechar, nos momentos mais críticos do avanço da Covid-19, e os primeiros a reabrir. Que isso não tenha ocorrido diz muito sobre as prioridades de nossos gestores e de nossa sociedade em geral. Quem, por medo da contaminação, quiser seguir as aulas no modelo remoto precisa ter esse direito garantido, seja na rede particular ou pública, mas a reabertura das escolas é medida necessária para acolher tantos outros que preferem o modelo presencial ou, por vários motivos, só serão capazes de evoluir estando fisicamente em sala de aula. A correção de rumos é urgente, para que não sigamos colocando crianças e adolescentes sem escola na lista das vítimas da pandemia.
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