O Procurador da República, Deltan Dallagnol, que ganhou notoriedade por integrar e coordenar a maior operação contra corupção da história do Brasil: a Lava Jato, que desvendou crimes de corrupção na Petrobras e em outras estatais; fez um desabafo nas redes sociais, nesta quinta-feira (15), sobre a anulação das sentenças do ex-presidente e ex-presidiário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Supremo Tribunal Federal (STF) e o envio dos processos a Brasília.
Para o procurador, “a irracionalidade do sistema judiciário brasileiro privilegia a insegurança jurídica e amplia argumentos diferentes que favorecem a impunidade e desfavorece a justiça.”
Confira a íntegra do texto:
“A decisão do STF de, hoje, expõe uma face de um sistema de justiça criminal disfuncional: se o caso do ex-presidente Lula tivesse tramitado em Brasília, teria sido anulado também. Ou seja: o desenho do sistema brasileiro o torna um jogo de perde-perde para a sociedade. Explico:
No caso Lula, o STJ entendeu que a Justiça Federal em Curitiba deveria julgar o caso. Ou seja: se o caso tivesse tramitado em Brasília, o STJ teria anulado o caso em habeas corpus, em decisão contra a qual não caberia recurso (concessão de HC é irrecorrível).
Se isso ocorresse, em seguida, o caso tramitaria em Curitiba e seria novamente questionado nas instâncias superiores. Sabemos o que sucederia: chegando ao STF, este remeteria o caso de novo para Brasília, anulando mais uma vez a condenação.
Resumo: se correr o bicho pega; se ficar o bicho come. Não havia como desenvolver um processo que não fosse anulado, o que favorece a prescrição e a impunidade. Isso mostra que o sistema de justiça é extremamente irracional, para a frustração de quem busca justiça no país da corrupção.
Um complicador: em casos complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, os fatos são praticados usualmente em diferentes lugares. Isso permite construir argumentos que justificam a competência de diferentes locais ou mesmo diferentes ramos de justiça.
A razoabilidade de argumentos contrários sobre a “competência” (local do caso), somado ao fato de que temos três (e não duas) instâncias revisoras, sem possibilidade de recorrer contra a decisão favorável à defesa em HC, aumenta exponencialmente anulações com base na competência.
Isso mesmo. Nosso raciocínio envolveu a anulação por conta da discordância de dois tribunais. Um terceiro, o Tribunal de Apelação, poderia inserir um terceiro ciclo de anulação do processo nessa história. Veja-se que hoje houve quem cogitou que a competência é de São Paulo e não Brasília.
Essas anulações, por sua vez, aumentam exponencialmente as chances de prescrição, ou seja, de completa impunidade. O campo da disputa processual é desnivelado em favor daqueles acusados de cometer crimes, especialmente complexos.
A irracionalidade desse sistema, que privilegia a insegurança jurídica, é ampliada pelo fato de que o que assegura a justiça do julgamento não é na verdade o lugar territorial em que ele acontece, mas o embasamento da decisão nos fatos, nas provas e na lei.
Assim, o apego a argumentos técnicos sobre competência territorial, que sempre podem ser formulados em diferentes direções, gira a roda de um sistema irracional que favorece a impunidade e desfavorece a justiça.”
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