Nunes Marques e o seu dever cívico de consertar a história do País – a liminar do Impeachment de Moraes

Kassio Nunes Marques - Foto: FELLIPE SAMPAIO /SCO/STF

Chegou a hora de o texto da Constituição se encontrar com a realidade.

O jurista alemão Ferdinand Lassalle (1825-1864) defendia que a Constituição não pode ser uma “folha de papel” e a razão para essa sensação está no descumprimento de suas normas e não nas construções fantasiosas que visam a atender interesses pessoais dos juízes das supremas cortes, ou de seus padrinhos políticos que lá lhe colocaram, reafirmar suas ideologias próprias ou vontades corporativas.

Não. A Constituição-texto se enfraquece à médica em que a efetividade de seu texto é deixada de lado por interpretações variadas que são inseridas em seus enunciados mas que lá jamais foram escritas, textualmente, pelos constituintes eleitos diretamente pelo povo, no caso, o povo brasileiro.

Em 14 de março de 2019, outra data histórica, o então presidente do STF, Min. Dias Toffoli, ex-advogado da turma do PT indicado pelo seu paraninfo profissional Luiz Inácio Lula da Silva que o preparou da AGU para assumir o posto mais alto do tão poderoso Judiciário brasileiro, com apenas 48 anos de idade, abriu ele o fatídico “Inquérito do Fim do Mundo”, vulnerando o Sistema Acusatório estatuído pelas garantias fundamentais e pétreas da Constituição e todo o regime jurídico-penal positivo.

Ao arrepio de todos os manuais de Processo Penal, da jurisprudência consolidada e, de novo, desprestigiando o “texto de lei”, único capaz de produzir obrigações jurídicas e restringir a liberdade natural dos cidadãos, instituiu um inquérito sem investigados definidos, sem objeto delimitado, sem competência legal – afinal o STF somente é competente para inquéritos penais de autoridades com foro privilegiado, tudo isso com base no Art. 43 de um regimento aprovado por eles próprios, que não é lei, mas que aplicam como se acima dela estivesse.

E não para por aí: esse mesmo artigo, excepcional, prevê a abertura de procedimento investigativo interno em caso de crime cometido nas dependências físicas do tribunal (do prédio!) e que serviu para a cabeça do então presidente “entender” que o Supremo é tão Supremo que ele e seus 11 corifeus estão em todos os lugares em todo tempo.

A Constituição foi rasgada e, a partir dali, o país passou a mergulhar num crise literalmente governada pelo STF, de ponta a ponta – do medo às investigações sobre os próprios ministros e a história do “amigo do amigo do meu pai” censurada a veiculação pela Revista Crusoé – às fatídicas e mortais decisões fabricadas sobre a gestão da Pandemia, numa nítida guerra política encetada por uma Corte judiciária explicitamente contra o Presidente democraticamente eleito, esquecendo-se totalmente do que previa o Art. 21, inciso XVIII, da Constituição, que diz competir à gestão da União (governo federal): “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas”.

Não bastasse tamanha excrescência jurídica que provavelmente não convenceu nem seus próprios assessores de gabinete, delegou a função de “Xerife”, nas palavras de seu colega Marco Aurélio, digo, “Relator” do caso, ao Alexandre de Moraes, então ministro mais novo da Corte, passando por cima do sorteio obrigatório para cumprir o princípio também expresso na Constituição Federal (Art. 5º, LIII) do Juiz Natural, que não permite escolher diretamente quais juízes irão dirigir os casos sob julgamento. Mas assim o foi e, como justificativa, deu-se a de que se tratava de uma “delegação de competência original do presidente”.

O Xerife começou a “atuar” também sem prazo definido, com total sigilo, negando-se acesso às partes investigadas por ele mesmo (violando a SV 14 do próprio STF), que, além de “juiz do caso por delegação” e uma das supostas vítimas das tais “fakes news” que sequer existem no Direito, passou a ser autoridade policial suprema – determinando quem seriam os delegados da PF de sua preferência -, bem como órgão acusador, quando essa função é exclusiva (frise-se) do Ministério Público, neste caso, através de sua PGR.

Tanto assim que a então chefe do MPF, Raquel Dodge, produziu uma brilhante peça de Promoção de Arquivamento desse monstrengo jurídico persecutório de exceção, jamais visto na história brasileira, nem nos tempos mais tensos do Regime Militar de 1964 ou do Estado Novo de Vargas. Infelizmente também o MPF não foi respeitado e o arquivamento exigido pelo único órgão capaz de decidir sobre a investigação foi negado, de modo mais uma vez arbitrário e inconstitucional.

De lá pra cá esse “regime de exceção”, produzido por quem deveria fazer a Guarda da Constituição (Art. 102) tem se mantido no tempo e recrudescido ante as iniciativas mais absurdas e escabrosas tomadas contra a ativista Sara Winter, o jornalista Oswaldo Eustáquio, ambos hoje, após presos em penitenciária por exercício de opinião política, permanecem de tornozeleira, este último paraplégico e sequer sem poder fazer exames de imagem por não ter autorização do Xerife.

O pior de tudo isso é que os 11 ministros, em sessão plenária, concordaram com a manutenção desse inquérito absurdo e a ruptura do Texto Constitucional que ele representa para a história do Brasil.

O descalabro chegou a tal ponto que a imunidade parlamentar garantida desde o fim do Absolutismo Monárquico no mundo e respeitado até mesmo nos períodos de ditadura, afinal tratam-se de opiniões e palavras, jamais de ações concretas, essas sim tipificadas como crime independe do mandato, institui-se mais uma afronta ao Regime Democrático Representativo por juízes não eleitos e que, neste caso, fundamentou sua decisão na Lei de Segurança Nacional por eles mesmos tão criticadas como sendo “artefato da Ditadura opressora”, mandou o relator Alexandre prender o Deputado Daniel Silveira por crime de opinião após as 23h em pleno feriadão de Carnaval, em horário não permitido em lei, através de um “mandado de prisão em flagrante” também inovador na processualística penal, considerando “flagrante” um vídeo ativo nas redes sociais, colocando, mais uma vez, a instituição STF através de seus membros atuais, em insegurança jurídica total toda a sociedade brasileira, inclusive sobre a compreensão e certeza de seus direitos básicos, fundamentais, garantidos pela Carta.

Esse novo pedido de Impeachment do Min. Alexandre, por “crime de responsabilidade” que, na linguagem jurídica, não necessita de configuração de tipo penal na conduta do agente público, mas a violação de seu dever funcional no exercício do cargo, está claramente prevista na Lei 1.079/50, expressamente, em seus Arts. 6º, item 3; Art. 7º, item 5, por analogia, e, especificamente no Art. 39, item 4 e 5.

O pedido atual do Senador Kajuru acompanhada das mais de 2,6 milhões de assinaturas de populares, incentivaras pelo jornalista Caio Coppolla só vem a confirmar esse sentimento de dever cívico, que agora recai, através de Mandado de Segurança distribuído por sorteio, à responsabilidade histórica do novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques.

Analisando o caso, encerrei entendimento muito claro de que tanto a citada Lei de Impeachment (1.079/50, em vigor), em seu Art. 44 e seguintes, ao prever que “Recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte” e o próprio Regimento Interno vigente no Senado Federal são condizentes, conforme expressa o seu próprio Art. 382, cujo trâmite é expresso, no mesmo sentido que a lei – vide Art. 377, II; Art. 379; e Art. 380, I, segunda parte, tudo confirme a competência constitucional exclusiva do Senado prevista no Art. 52 e da qual este não pode “engavetar” diante de tamanhas evidências.

Se é certo que a jurisprudência do STF determina que recolhido o mínimo de 1/3 das assinaturas dos integrantes do Senado é direito dessa minoria que uma CPI seja aberta, não é menos certo que apresentada a Denúncia fundamentada por crime de responsabilidade contra ministro do STF essa deva ser devida e imediatamente apurada, através dos atos iniciais obrigatórios da Mesa, de leitura do requerimento e, ato contínuo, instalação da Comissão.

É este, brasileiros e brasileiras, o compromisso que hoje bate às portas do mesmo STF, que tanto vem interferindo nos demais poderes da República e minimizando as elevadas funções do Ministério Público, com um ativismo judicial sem limites, gestado desde a década de 90 pelo movimento gaúcho conhecido academicamente por Direito Alternativo e que hoje parece ter virado a tônica volátil dos julgamentos dramáticos, de verve política e emocional, mas que antes já foi a representação do estreito respeito aos precedentes e a uma verdadeira jurisprudência atemporal, não casuística e sem beneficiar poderosos em detrimento de partes desfavorecidas.

É hora de o Ministro Nunes Marques fazer cumprir o Texto: da Constituição, da Lei 1.079/50 e do Regimento Interno do Senado Federal e determinar, como fez seu colega Min. Barroso, que a mesma Mesa do Senado instaure o processo de Impeachment de Alexandre de Moraes, com todo o direito que lhe caberá de contraditório e de ampla defesa, no devido processo legal de uma Democracia que ele parece ter esquecido em seus próprios livros.

Confira a matéria no Jornal da Cidade

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