Relator desiste de fatiar Eletrobras, mas impasse na privatização continua

Imagens de Brasília - Fachada do Congresso Nacional. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Permanece o impasse no Congresso sobre a medida provisória (MP) que permite a privatização da Eletrobras, que está a pouco mais de dois meses de caducar (perder a validade). O relator, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), teria desistido da ideia de fatiar a companhia em três, segundo apurou a Gazeta do Povo com técnicos do governo, mas segue defendendo mudanças no texto, em especial no rateio do dinheiro a ser levantado com a privatização.

O texto da MP foi enviado pelo governo em fevereiro, numa forma de tentar acelerar a aprovação e também permitir a inclusão imediata da estatal no Programa Nacional de Desestatização (PND). Um projeto de lei de mesmo teor estava na Câmara desde novembro de 2019, mas nunca tramitou. Ele foi abandonado pelo governo, que recorreu à estratégia da MP.

Ela precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado até o dia 23 de junho, caso contrário perde a eficácia. Nesse caso, o governo só poderia editar outra MP em 2022, o que seria praticamente inviável, já que será ano eleitoral, quando o Congresso não costuma votar temas controversos. Até o momento, as discussões sobre a MP seguem nos bastidores e não há data para votação na Câmara, a primeira Casa a debater o tema. Depois a medida ainda precisa do aval do Senado.

Impasses criados pelo relator e pelo Congresso

Em meio aos debates nos bastidores, o relator teria acrescentado alguns obstáculos à rápida privatização da companhia de energia elétrica. Primeiro, ele sinalizou que gostaria de fatiar a Eletrobras em quatro empresas: uma estatal, que continuaria com a Eletronuclear e a participação brasileira na Itaipu Binancional, e três privadas, que seriam a Eletronorte, Furnas e Chesf. As três empresas privadas resultantes do fatiamento seriam vendidas separadamente.

O modelo proposto por Nascimento enfrentou críticas do mercado financeiro e dos ministérios da Economia e de Minas e Energia. O governo lembra que a Eletrobras é uma empresa listada na Bolsa e fazer um “spin-off” de algumas subsidiárias seria um processo complexo que jogaria a venda para depois de 2022. Também alega que poderia reduzir o valor da empresa, ao contrário do que afirma Nascimento, que tem divulgado que seu modelo elevaria a arrecadação para a casa de centenas de bilhões de reais.

Segundo técnicos do Ministério da Economia informaram à Gazeta do Povo na condição de anonimato, o relator desistiu da ideia do fatiamento após uma rodada de conversas com o governo, investidores e parlamentares. A reportagem tentou contato com Nascimento diversas vezes para confirmar a informação, mas ele não deu resposta aos pedidos de entrevista.

O que estaria atrasando o relatório agora seria um impasse na divisão da arrecadação. A MP prevê a geração de quase R$ 60 bilhões com a privatização, que será feita no modelo de capitalização (emissão de novas ações no mercado), e com a “descotização” das usinas da elétrica, que passarão do regime de cotas para o modelo de preços livres.

Esse valor será dividido da seguinte forma: R$ 25 bilhões para o caixa da União, no ato da privatização; outros R$ 25 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) ao longo de 30 anos, o que ajudaria a reduzir os custos tarifários da conta de energia; e R$ 8,75 bilhões para fundos de apoio às regiões Norte, Nordeste e Sudeste, ao longo de dez anos, em valores corrigidos pela inflação.

O dinheiro para os fundos e para a CDE foi uma exigência dos parlamentares para diminuir as resistências à privatização. Porém, diversos políticos agora querem mudar essa distribuição para aumentar ainda mais o valor que vai para fins sociais. A crise de energia elétrica no Amapá e a alta das tarifas têm servido de pano de fundo para essa campanha.

O relator estaria bastante sensível a atender ao pedido dos parlamentares, segundo apurou a Gazeta. Do outro lado, o governo tenta ceder às pressões, mas já admite nos bastidores concordar com um aumento na parcela destinada aos fundos para destravar a votação.

A principal preocupação de técnicos do governo no momento é evitar que os R$ 60 bilhões vão integralmente para a CDE e para os fundos, como têm defendido alguns parlamentares, inclusive nas emendas apresentadas à MP. Eles também querem evitar que a MP caduque.

A venda da Eletrobras é uma das principais bandeiras liberais do governo, ao lado da privatização dos Correios, que também  está sendo discutida no Congresso, via projeto de lei.

O que diz a MP sobre a privatização da Eletrobras

A MP enviada pelo governo prevê que a privatização da Eletrobras será feita a partir da emissão de novas ações da empresa, oferta que não poderá ser acompanhada pela União. Com isso, os atuais acionistas terão seu capital diluído e o governo federal perderá a posição de acionista controlador. Atualmente, ele tem 61% das ações.

A Eletrobras vai se tornar uma “corporation”, termo em inglês para definir empresas com capital pulverizado em Bolsa. A companhia não terá um acionista controlador, e a participação de qualquer acionista com direito a voto não poderá ser maior do que 10% do capital da empresa. O modelo já é utilizado por empresas como Embraer e Renner.

Além do rateio na arrecadação, o governo concordou em manter uma “golden share” na Eletrobras para reduzir às resistências ao projeto. Foi o mesmo modelo utilizado na privatização da Embraer. A golden share é uma ação de classe especial que dará direito à União a veto em questões estratégicas da companhia. A equipe econômica era contra, pois entende que ela reduz o valor de mercado da empresa. Porém, teve de ceder, já que há muita resistência no Congresso.

Pela proposta, Eletronuclear e Itaipu, que hoje estão no guarda-chuva da Eletrobras, não serão privatizadas juntas. A MP autoriza o governo a criar uma nova estatal para comandá-las. A Eletronuclear não pode ser vendida, pois há vedação constitucional, e, no caso da Itaipu, a proibição está no tratado de criação da usina.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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