Perseguição parece ser a nova onda da pandemia de rancor virtual, que segue paralela à pandemia de Covid-19. Diante do que acontece nas redes sociais, as praças públicas do século XXI, não é exagero dizer que o vírus do ódio pode estar passando por uma mutação nesses tempos de muita gente conectada, polarização excessiva e politização de tudo.
O que antes era uma espécie de deboche coletivo, quase um bullying virtual, em muitos casos migrou para algo mais agressivo nas últimas semanas. Seria resultado da impaciência ou do pânico, provocados por decretos mais rigorosos de lockdown, pelo aumento na ocupação de UTIs e no número de mortes?
Fato é que pelo segundo ano consecutivo passamos a Semana Santa trancados em casa, desta vez acompanhando o crescimento da intolerância religiosa. Parte das pessoas parece ter perdido por completo a noção de empatia e o respeito à religiosidade dos outros, justamente numa das datas mais importantes para os cristãos.
Pelo mesmo motivo – a politização da pandemia-, aumentou o desrespeito à autonomia médica e aos médicos e autoridades que oferecem tratamento aos doentes. Trago esse tema das perseguições hoje, porque os “perseguidores” parecem não ter se atentado para o fato de que já existe no Brasil uma nova lei, aprovada no Congresso, que pune justamente isso: perseguição virtual, o chamado stalking.
Perseguição religiosa
Para contextualizar a questão da perseguição a líderes religiosos é preciso voltar à semana anterior à Páscoa, quando o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), uma entidade formada por juristas, teólogos e outros estudiosos dos temas Direito e Religião, enviou uma carta aberta aos ministros do STF.
Nesta carta pastores de várias igrejas pediam celeridade na análise de ações contra decretos que proibiram a realização de cultos e missas. A carta apresentava vários argumentos para embasar o pedido, anexando estudos científicos da área de psiquiatria, que comprovam a relação entre religiosidade e saúde (física e mental).
O IBDR chegou a anexar, inclusive, um estudo recente feito por pesquisadores americanos, que verificaram taxas mais baixas de suicídio na pandemia entre cristãos que frequentam igrejas do que na população não religiosa.
No documento os pastores também ressaltaram a importância das celebrações de Páscoa, especificamente. E reforçaram o compromisso de respeito às restrições e protocolos sanitários, caso missas e cultos fossem liberados.
Foi depois da divulgação dessa carta que saiu a liminar concedida pelo ministro Kássio Nunes Marques, com a liberação de cultos desde que respeitadas as medidas de proteção e a lotação máxima de 25% dos templos e igrejas (bem menos do que nos ônibus e metrôs).
Bastou isso para começar a onda de perseguições aos líderes religiosos que assinaram a carta junto com os advogados do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. Teve gente com capacidade de xingar os pastores de nazistas e estimular uma onda de ódio a eles e aos frequentadores dessas igrejas, marcando perfis nas redes sociais.
Alguns ataques são carregados de discriminação e preconceito, o que claramente fere um dos direitos humanos mais básicos, o direito à liberdade religiosa. A perseguição direcionada a pastores inclui injúria e desrespeito não só a eles, mas a toda a comunidade que representam e até a outras.
Quando xingam um pastor de nazista, isso não é só desrespeito a ele ou à sua igreja, mas também desprezo pela dor de milhões de judeus que foram vítimas de nazistas reais. É a banalização do mal, algo que virou prática comum por parte de muitos daqueles que se dizem “do bem”.
Discussão mundial
Antes que comecem a encher a área de comentários de argumentos, falando que as pessoas podem rezar em casa que dá na mesma e que cultos e missas são necessariamente aglomerações, lembro que essa discussão não existe só no Brasil.
Em vários países o pedido para liberação de cultos chegou à Justiça e nenhuma corte superior negou a liberação da prática religiosa nas igrejas, claro que com regras de distanciamento entre as pessoas e outras medidas necessárias para evitar o contágio.
Outra entidade que pediu para se manifestar nos processos que tramitam no STF na condição de amicus curiae, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, cita os tribunais superiores dos Estados Unidos, Suíça, França, Escócia e Chile como alguns dos que já deram sentença a favor das igrejas.
Perseguição a médicos
A outra onda de perseguições, que já vinha acontecendo, mas acirrou agora é contra médicos, prefeitos e vereadores que aderiram ao tratamento imediato de pacientes de Covid já nos primeiros sintomas. Quem fornece, autoriza ou prescreve os remédios que constam do protocolo do Ministério da Saúde do Brasil (e de vários outros países), é perseguido nas redes sociais.
Leigos atacam médicos que estão estudando a doença e os remédios, prescrevendo e acompanhando pacientes há meses. E obtendo resultados que jamais deveriam ser ignorados. É verdade que há uma divisão entre os próprios médicos. Muitos preferiram ignorar os estudos que comprovam a eficácia, porque outros estudos não comprovaram. Respeita-se.
O que não se pode aceitar é profissional de saúde incitando a perseguição a colegas que estão tratando seus pacientes com protocolos dos quais eles discordam. Já teve médico criando até abaixo-assinado virtual, pedindo para pessoas comuns exigirem do Conselho Federal de Medicina que condene o tratamento precoce e puna médicos que tratam seus pacientes. A que ponto chegamos!
Perseguição a prefeitos e vereadores
Políticos que ousaram comprar o kit de remédios sugeirdo pelo Ministério da Saúde para tratamento na fase 1 de Covid e orientaram os médicos dos postos de saúde a prescrever o tratamento imediato aos pacientes também estão sendo perseguidos pelos “checadores”.
No domingo de Páscoa o prefeito de Chapecó (SC), João Rodrigues, gravou um vídeo no local que a prefeitura tinha preparado para receber pacientes só de Covid. O hospital de campanha estava vazio e os 21 leitos de UTI exclusivos para Covid estavam sendo desativados.
O prefeito atribuiu a redução drástica no número de casos graves à adoção do tratamento imediato dos pacientes logo nos primeiros sintomas, junto a medidas de conscientização e de restrição de aglomerações.
No dia seguinte já havia gente dizendo que era mentira, porque no site da prefeitura constava ocupação de 100% dos leitos de UTI. Para combater a desinformação e a perseguição o prefeito deu entrevistas explicando que Chapecó é uma cidade polo na região e recebe pacientes de outros municípios, mas que os leitos de UTI não estavam ocupados por doentes de Covid.
Ele afirma que a doença está sob controle na cidade e que os casos graves são de pessoas que não fizeram tratamento inicial e estão há semanas internadas. Veja o depoimento do prefeito e os números apresentados por ele clicando no play da imagem no topo da página.
Esse mesmo tipo de perseguição já tinha acontecido semanas atrás com o prefeito de São Lourenço (MG), outro que diz ter conseguido reduzir drasticamente o número de internações e zerar as mortes depois de adotar o protocolo do Ministério da Saúde para a fase 1 de Covid.
Mesmo sendo médico, o prefeito José Lessa foi contestado e passou a ser perseguido quando anunciou os resultados que a cidade obteve. Tentaram desvirtuar os números e classificar a informação oficial da prefeitura como fake news. Lessa também foi rápido em vir a público para mostrar que os checadores é que estavam mentindo, porque não checaram quem eram os pacientes que ainda estavam internados.
Segundo o prefeito os leitos hospitalares e de UTI passaram a ser ocupados por moradores de cidades vizinhas, que não tinham se tratado logo nos primeiros sintomas, evoluíram para uma fase mais grave da doença e foram transferidos para São Lourenço, porque na cidade deles não havia mais vaga.
Agora a perseguição se volta contra um vereador de Uberlândia, que se deu ao trabalho de viajar até São Lourenço para conhecer a experiência bem sucedida com o intuito de levar para sua própria cidade. Vítima de ataques e até de uma denúncia no Conselho de Ética na Câmara Municipal de Uberlândia, ele gravou um vídeo para explicar que está sendo perseguido por ter tido a audácia de buscar e dizer a verdade.
Lei do stalking
É triste ver que justamente a turma que se diz tão empática, tão preocupada com a proteção dos mais vulneráveis, com discriminação, é a que agora discrimina pessoas de fé, que querem rezar nas igrejas respeitando todos os protocolos de segurança.
E recrimina pessoas efetivamente preocupadas com a vida: médicos e autoridades que estão tentando tratar os doentes. Não são médicos e autoridades “negacionistas”, como a turma do “ódio do bem” adora dizer. Ao mesmo tempo em que fornecem tratamento, esses médicos e prefeitos reforçam a necessidade de manter os cuidados para evitar mais contágio e de vacinar quem está saudável.
Já comentei em artigos anteriores: vacina é para quem está saudável. Quem está doente precisa de tratamento. Uma coisa não inviabiliza a outra. Seria ótimo que os perseguidores parassem de misturar os assuntos e de tentar colar nos que defendem o tratamento imediato a pecha de irresponsáveis, como se o fato de quererem lutar contra uma doença que mata significasse necessariamente que são contra a vacina ou contra o distanciamento social e os protocolos sanitários.
É bom esses adeptos de campanhas de cancelamento, que perseguem quem pensa diferente, ficarem atentos, porque já existe lei considerando perseguição um crime. Dá cadeia, até dois anos de prisão, mais multa.
A lei, que ganhou o apelido de lei do stalking (Lei nº 14.132/2021), foi sancionada pelo Presidente da República há poucos dias, em 31 de março de 2021. Ela acrescentou um artigo no Código Penal (art. 147-A) para prever o crime de perseguição.
“Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
Art. 147-A do Código Penal (alterado pela Lei nº 14.132/2021)
Há várias formas de se interpretar isso. Liberdade é uma palavra ampla, que inclui liberdade religiosa, liberdade para trabalhar e para buscar saúde e vida. O procurador da República Ailton Benedito (MPF-GO), um dos que têm lutado para garantir a autonomia médica no Brasil, divulgou exemplos de aplicação dessa lei.
Segundo ele a lei do stalking “presta-se à proteção do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão; protege o exercício autônomo do ato médico e o direito ao atendimento integral de doentes, inclusive os pacientes de Covid-19”.
O procurador vai além: “O sujeito ativo desse crime é qualquer pessoa penalmente capaz de ser autor do crime.” Ou seja, quem é adulto, consciente de seus atos e persegue ou promove campanhas de perseguição atentando contra as liberdades individuais de outra pessoa, pode ser responsabilizado criminalmente por isso.
Espero que o recado chegue aos “lacradores” que adoram pregar contra a fé dos outros para atiçar sua bolha nas redes sociais. Ao que parece os congressistas foram claros quando aprovaram a lei.
Se você não segue nenhuma religião, não acredita na força da oração coletiva, não entende a necessidade que milhões de pessoas sentem de ir a um culto ou a uma missa, respeite quem escolheu viver assim.
Acrescento uma sugestão: guarde energia para recriminar quem realmente não respeita os protocolos sanitários, em vez de julgar como criminosos quem apenas quer tratar, ser tratado ou rezar. Acredite: os que têm fé, normalmente rezam por todos e não apenas por si próprios. Merecem agradecimento e apoio, ao invés de perseguição.
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