BRASÍLIA – Há mais de cinco anos, a mineradora Vale, sócia majoritária da hidrelétrica Risoleta Neves, que funcionava na região próxima de Mariana (MG), recebe valores mensais pela geração de energia que a usina não entrega desde 2015, simplesmente porque sua estrutura foi soterrada pela lama da barragem da mineradora Samarco – que tem a própria Vale como sócia.
O caso foi parar na Justiça, onde a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tenta travar o pagamento que é feito à Vale. Mesmo sem gerar um único watt com a usina, a empresa já recebeu mais de R$ 500 milhões desde a tragédia da Samarco em Mariana, como se estivesse funcionando normalmente até hoje.
A hidrelétrica Risoleta Neves pertence ao consórcio Candonga, do qual a Vale é dona de 77,5% e a Cemig, de 22,5%. A usina parou de funcionar em novembro de 2015, quando a Samarco protagonizou uma das maiores tragédias ambientais do planeta. A hidrelétrica ficava no caminho da barragem do Fundão, que rompeu e causou a morte de 19 pessoas, com o lançamento de milhares de toneladas de rejeito de minério de ferro sobre a floresta e o Rio Doce. A lama varreu 40 municípios, até chegar ao Atlântico, no litoral do Espírito Santo.
A paralisação total da hidrelétrica levou a Aneel, naturalmente, a pedir a suspensão dos pagamentos para a usina Risoleta Neves, já que esta não poderia gerar mais energia. A Vale, no entanto, não só recorreu do processo administrativo da agência, como entrou na Justiça e conseguiu uma decisão que mantém, até hoje, o pagamento ao consórcio Candonga, para que continue a receber normalmente, por meio de repasses feitos por um mecanismo contábil do setor elétrico que é compartilhado por todas as hidrelétricas do País.
Na prática, todas as usinas pagam as mensalidades para a usina Risoleta Neves, um custo que, depois, é gradativamente repassado aos consumidores de energia do Brasil, por meio da conta de luz. Os dados da Aneel apontam que a situação já gerou um prejuízo direto ao consumidor superior a R$ 100 milhões.
Nesta quarta-feira, 7, o processo está na pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Vale já obteve uma decisão na corte a seu favor, ou seja, a manutenção dos pagamentos para uma usina que não existe mais.
Em outubro do ano passado, o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, que é relator do caso, rejeitou um recurso da Aneel e manteve os pagamentos requeridos pela Vale, com a manutenção da hidrelétrica no chamado Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). Esse sistema, na realidade, foi criado para reduzir os impactos financeiros causados pelos riscos de escassez de chuvas no País, ou seja, para que usinas que fiquem com pouca água para gerar energia sejam recompensadas pelas demais em melhor situação. Não tem nenhuma relação, portanto, com o caso da hidrelétrica Risoleta Neves, que foi engolida pela lama da Samarco.
Ao acatar o pedido da Vale, Humberto Martins afirmou, em sua decisão de cinco páginas, que “no presente caso, não se verifica a ocorrência de grave lesão”, porque “não se comprovou, de forma inequívoca, em que sentido o risco hidrológico compartilhado entre as empresas causa grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública”.
A Aneel recorreu da decisão do ministro Humberto Martins e o caso será analisado agora pela Corte Especial do STJ, composta pelos 15 ministros mais antigos da corte. O primeiro a votar será o próprio Martins, relator do caso, que irá analisar os argumentos da Aneel contra sua decisão anterior. Depois, os demais ministros irão dizer se concordam ou discordam do voto do relator. A Advocacia Geral da União, que representa a Aneel, pediu retirada do caso da pauta virtual, onde o julgamento ocorre sem debates. O receio é de que uma decisão seja tomada sem nenhuma discussão sobre o assunto.
A reportagem questionou a Vale e a Samarco sobre o assunto. O posicionamento da companhia, da qual a Vale é sócia, é que a Samarco não iria comentar.
Indignação
Questionada pela reportagem, a Aneel confirmou que tem procurado “suspender a medida liminar que beneficia indevidamente a hidrelétrica Risoleta Neves, garantindo-lhe receita do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) mesmo sem gerar energia desde o acidente da barragem da Samarco”. Durante esse tempo, afirmou a Aneel, o consórcio Candonga “não tem sido diligente na retomada da operação comercial da usina”.
Ao Estadão, o diretor-geral da Aneel, André Pepitone, afirmou que há expectativa na agência de que a situação seja revertida e os pagamentos, paralisados. “A Aneel confia na suspensão da liminar pela corte especial do Superior Tribunal de Justiça”, disse.
Em outubro do ano passado, um grupo de 21 hidrelétricas se manifestou no processo que tenta paralisar os pagamentos feitos ao consórcio Candonga. “Ainda que a causa da incapacidade de geração não seja imputável ao Agente (consórcio Candonga), ele não pode receber por uma energia sem efetivamente estar em operação comercial, por longo prazo e em decorrência de razão distinta da mera falta de chuvas”, afirmaram as hidrelétricas, por meio de seus advogados. “Facultou-se absurdamente que o agente impedido de gerar por motivo não hidrológico continue recebendo pela venda de energia e transferindo indevidamente os custos dessa geração para os demais geradores do MRE e para os consumidores finais.”
Em dezembro do ano passado, a Aneel deu prazo de seis meses para a retomada da usina Risoleta Neves, que entrou em um processo de caducidade da concessão. A usina ficava instalada nos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, com capacidade de 140 megawatts. A hidrelétrica, que entrou em operação em 2004 com o nome de usina Candonga, foi rebatizada em 2005, quando passou a se chamar Risoleta Neves, em homenagem a Risoleta Guimarães Tolentino Neves (1917-2003), esposa do ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985).
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