Governo deve relançar programa de redução de salário fora do teto de gastos

Novo acordo de redução de jornada de trabalho está previsto| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

O governo vai retomar neste ano o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permitiu a suspensão do contrato de trabalho e a redução da jornada e do salário dos trabalhadores da iniciativa privada. A expectativa é de que a medida atinja em torno de quatro milhões de trabalhadores e custe R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Ela será lançada após a sanção do Orçamento de 2021.

A ideia da equipe econômica era já ter relançado o programa, mas a dificuldade para encontrar uma fonte de custeio atrasou o calendário. O BEm paga aos trabalhadores uma ajuda financeira para atenuar a perda de renda, e o governo teve dificuldades para encontrar uma saída para custear essa política pública neste ano.

Três ideias que respeitariam as regras fiscais tiveram de ser engavetadas, por dificuldade operacional, resistência do presidente Jair Bolsonaro ou descumprimento de acordo por parte do Congresso Nacional. Com isso, restou somente a alternativa que não era consenso dentro do Ministério da Economia: pagar o BEm fora do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesa à inflação.

Uma despesa só pode ser paga fora do teto via abertura de crédito extraordinário. Esse tipo de crédito só pode ser aberto para pagamento de despesas em situação de imprevisibilidade e urgência. Técnicos da Economia consideram que há urgência, mas tinham dúvidas sobre a imprevisibilidade, já que o programa e os efeitos da pandemia são conhecidos, ao contrário do que ocorreu ano passado.

No caso do auxílio emergencial, por exemplo, o governo afirmou que ele não poderia ser pago diretamente via crédito extraordinário. A opção foi fazer uma emenda à Constituição para permitir custear a despesa fora das regras fiscais vigentes.

Porém, pressionado pela volta do BEm e sem um caminho dentro das regras fiscais, o ministro Paulo Guedes (Economia) e o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal, sinalizaram na terça-feira (30) que o BEm será editado diretamente via crédito extraordinário (fora do teto de gastos).

“Estamos ponderando utilização de crédito extraordinário, o que nos permitiria não nos valermos de algumas regras fiscais, no caso o teto de gastos”, disse Bianco. “Temos espaço para atuar desde que diretamente para o Covid e diretamente para a saúde ou para atenuar os impactos sociais trazidos pela pandemia, desde que limitado, definindo quanto para o Pronampe, quanto para o BEm, isso nós podemos fazer. Não são gastos recorrentes, têm limite definido, dentro da regra do jogo”, explicou Guedes.

Bianco explicou que o BEm ainda não foi relançado via crédito extraordinário porque a equipe econômica aguarda a sanção do Orçamento para se certificar de que não há mesmo espaço para a despesa.

Até o momento, somente a nova rodada de auxílio emergencial está sendo custeada fora do teto, ao custo de R$ 44 bilhões. Segundo a sinalização de Guedes, a reedição do programa de crédito às pequenas empresas, chamado de Pronampe, deve seguir o mesmo caminho.

Time de Guedes tentou fazer programa dentro do teto

Apesar de, provavelmente, pagar o BEm fora do teto de gastos neste ano, o time do ministro Paulo Guedes tentou achar soluções para pagar a despesa dentro da regra. Porém, suas soluções tiveram de ser engavetadas.

A primeira delas funcionava como uma antecipação do seguro-desemprego. O trabalhador atingido pelo programa receberia o benefício previsto no BEm. Metade da ajuda seria paga pelo governo e a outra metade seria descontada das parcelas do seguro-desemprego ao qual ele teria direito em caso de demissão sem justa causa. A ideia foi considerada de difícil operacionalização e descartada.

A equipe econômica cogitou, então, fazer uma ampla reformulação no seguro-desemprego. Eles queriam reduzir, por meio de um escalonamento decrescente de 10%, o valor das parcelas do seguro-desemprego, além de endurecer as regras de acesso para a maior parte dos trabalhadores. Em troca, equiparariam as regras aos empregados domésticos e permitiriam o pagamento do benefício aos profissionais demitidos em comum acordo com o empregador e àqueles que conseguissem retornar rapidamente ao mercado de trabalho.

A ideia ganhou força dentro da equipe econômica porque, além de permitir recursos suficientes para o BEm, tornaria o seguro-desemprego mais equitativo e reduziria o que o governo classifica como incentivos à informalidade e fraudes. Segundo técnicos do Ministério da Economia, o redesenho estava alinhado com práticas recomendadas pelo Banco Mundial. Mas, logo que veio à tona, foi descartado pelo presidente Jair Bolsonaro.

A terceira opção foi pagar o BEm com recursos do abono salarial. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) alterou a sistemática do pagamento do benefício. Quem trabalhou em 2020 e tem o direito ao abono será identificado no segundo semestre deste ano e receberá o recurso no ano que vem. Antes, o pagamento começaria a ser feito no segundo semestre deste ano.

Com essa manobra, o governo liberou R$ 7,4 bilhões do Orçamento deste ano que estavam separados para pagar o abono salarial. Só que o Congresso, ao aprovar o Orçamento, concordou em destinar esse dinheiro para as emendas de relator, que são obras públicas indicadas pelo relator-geral do Orçamento, o senador Márcio Bittar (MDB-AC). A equipe econômica foi pega de surpresa e técnicos estudam se é possível reverter a decisão.

No ano passado, o BEm atingiu 9,8 milhões de trabalhadores. Eles receberam uma complementação de renda que custou R$ 33,7 bilhões aos cofres públicos. Esses trabalhadores estavam vinculados a 1,5 milhão de empresas, a maioria dos setores de serviços, comércio e indústria, pela ordem. A suspensão de contrato foi a modalidade mais usada, seguida de redução em 70% da jornada e do salário.

Confira a seguir como deve ser o BEm neste ano, o que deve mudar em relação a 2020 e de onde o governo cogita tirar recursos para pagá-lo:

COMO FOI EM 2020

1. O que é o BEm?

Programa lançado em abril do ano passado que permitiu a suspensão do contrato de trabalho e a redução proporcional da jornada e do salário dos funcionários da iniciativa privada. As reduções permitidas eram de 25%, 50% e 70%. No caso da suspensão, ela era integral. Em troca, o governo pagava aos trabalhadores atingidos pelo BEm uma ajuda financeira para atenuar a perda de renda.

2. Qual o objetivo do BEm?

Evitar demissões num momento que milhões de empresas estavam com seu funcionamento prejudicado em virtude das medidas de restrição social para combate à pandemia de Covid-19.

3. De quanto era a ajuda financeira?

O valor do BEm correspondia a um percentual do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito caso fosse demitido. Com isso, o valor do benefício variava de R$ 261,25 até R$ 1.813,03, conforme o tipo de acordo. Caso fosse demitido, o trabalhador recebia o seguro-desemprego normalmente, sem desconto. O trabalhador intermitente tinha direito a parcelas fixas de R$ 600.

4. Por quanto tempo o BEm durou?

Inicialmente, as empresas só podiam reduzir a jornada e o salário de seus funcionários por até 90 dias, e suspender o contrato por 60 dias. Com a continuidade da pandemia, o programa foi prorrogado três vezes e a suspensão de contrato e a redução de jornada e salário puderam durar até 240 dias, entre abril e dezembro.

5. Como o programa foi pago em 2020?

O programa custou R$ 33,7 bilhões aos cofres públicos em 2020 e foi pago via crédito extraordinário (emissão de dívida). A PEC de Guerra permitiu o pagamento de todas as despesas relacionadas à Covid-19 fora das regras ficais vigentes.

COMO SERÁ EM 2021

6. Por que o governo quer relançar o BEm?

Com o recrudescimento da pandemia neste ano, muitos estados e cidades resolveram adotar novamente medidas de restrição da atividade econômica. Os setores de turismo, hotelaria e de bares e restaurantes estão sendo os mais afetados. Eles pediram o retorno do programa ao governo, que concordou, pois quer evitar o aumento do desemprego formal.

7. Como será o programa em 2021?

Vai permitir novamente a suspensão do contrato de trabalho e a redução proporcional da jornada e do salário dos funcionários da iniciativa privada. As reduções permitidas continuarão sendo de 25%, 50% e 70%. No caso da suspensão, ela será integral. Empresa de qualquer setor poderá aderir, assim como foi no ano passado. Em troca, os trabalhadores atingidos receberão uma ajuda financeira para atenuar a perda de renda.

8. Qual será a duração?

A ideia do governo é permitir acordos de, no máximo, quatro meses.

9. De quanto será essa ajuda?

Mesmo valor pago no ano passado, variando de R$ 261,25 até R$ 1.813,03, conforme o tipo de acordo. O trabalhador intermitente tinha direito a parcelas fixas de R$ 600.

10. Quanto vai custar o programa ao governo?

O governo prevê que até 4 milhões de acordos serão firmados via BEm neste ano, o que custaria cerca de R$ 10 bilhões aos cofres públicos.

11. De onde virá o dinheiro?

Provavelmente, via crédito extraordinário (emissão de dívida pública, fora do teto de gastos). O governo cogitou três possibilidades de financiamento (antecipação seguro-desemprego, mudança estrutural no seguro-desemprego e dinheiro do abono salarial) que respeitavam o teto, mas elas foram por água abaixo.

12. Quando o programa será relançado?

Após a sanção do Orçamento, segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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