A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu nesta quarta-feira (31) o inquérito para investigar procuradores da Operação Lava Jato, aberto em 19 de fevereiro pelo presidente do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins. Mas a decisão monocrática (individual) da ministra ainda pode ser revertida pela Primeira Turma do STF. Nesse caso, haveria a retomada da investigação – que é criticada até mesmo pela atual direção da Procuradoria-Geral da República (PGR), que por diversas vezes demonstrou contrariedade com os métodos da Lava Jato.
O inquérito do STJ tramitava em sigilo. Mas é baseado em mensagens hackeadas de integrantes da Lava Jato apreendidas pela Operação Spoofing, realizada pela Polícia Federal em julho de 2019 para investigar invasões de mais de mil celulares de investigadores e autoridades.
Entenda por que o STJ quer investigar procuradores da Lava Jato e o que está em jogo no inquérito.
Por que o STJ quer investigar procuradores da Lava Jato?
O inquérito corria em segredo de justiça, mas o STJ informou que a investigação foi aberta em função das notícias, baseadas no conteúdo hackeado de integrantes da Lava Jato, que indicavam que eles supostamente estariam investigando ministros do tribunal (o que é negado pela operação). Procuradores não podem investigar integrantes do STJ, o que só pode ocorrer com autorização do STF.
A assessoria de comunicação do STJ publicou uma nota oficial disponível no site oficial do órgão: “Em razão das notícias sobre as supostas investigações ilegais, o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, instaurou inquérito para apurar a tentativa de intimidação contra membros da corte. A decisão foi baseada no artigo 21, inciso II, do Regimento Interno do STJ (atribuição do presidente para velar pelas prerrogativas do tribunal) e no artigo 58, parágrafo 1º, do normativo (instauração de inquérito)”.
Humberto Martins também negou acesso aos autos do inquérito à Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), sob a justificativa de que a medida prejudicaria “futuras diligências sigilosas” na investigação.
Em apoio à decisão, o presidente da Terceira Seção do STJ, o ministro Nefi Cordeiro, declarou no dia 24 de fevereiro que era “imediato o dano moral, o desalento ante o abuso por quem, do povo, recebe poderes para perseguir crimes dentro da lei”.
Qual foi a reação dos procuradores?
Órgãos ligados aos procuradores questionam a legalidade do inquérito do STJ. Pela legislação brasileira, material obtido por um meio ilícito, como a invasão de celulares, não pode ser usadas em processos judiciais.
Por causa dessa ilegalidade, a ANPR ingressou com um pedido no STF para suspender a investigação. A PGR, que na atual gestão tem sido crítica da Lava Jato, também se manifestou ao STF oficialmente contestando as ilegalidades da investigação.
“(…) a investigação instaurada de ofício pelo presidente do STJ para apurar a conduta de procuradores da República viola o sistema acusatório previsto na Constituição, tem como base provas ilícitas e não atende aos requisitos estabelecidos pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, que considerou válida a instauração de ofício do Inquérito 4.781 (fake news)”, diz documento assinado pelo subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá.
Para Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da ANPR, “a investigação, da forma como vinha sendo realizada, desfiava um rosário de ilegalidades”. “O Poder Judiciário não pode concentrar na pessoa do presidente do STJ as funções de defender, acusar e julgar, isso viola claramente seu dever de imparcialidade”.
Além disso, Nóbrega lembra que a Lei Complementar 7593 determina que infrações penais supostamente cometidas por membros do Ministério Público só podem ser apuradas pelo procurador-geral da República ou por alguém por ele designado.
Em terceiro lugar, ele diz que “a investigação foi aberta com base em provas manifestamente ilícitas, mensagem hackeadas, estando inclusive os hackeadores já processados perante a justiça federal, onde são réus confessos”.
A chamada Lei de Abuso de Autoridade, aliás, define em seu artigo 25: “Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude”. A pena prevista é de um a quatro anos de detenção, mais multa.
Como foram as decisões da ministra Rosa Weber?
O Supremo informou que, no dia 4 de março, o ministro do STJ Ricardo Lewandowski determinou que o presidente do STJ, Humberto Martins, recebesse cópias de 10 documentos em que constam as mensagens reveladas na Operação Spoofing.
No dia 23 de março, a ministra Rosa Weber havia negado medida liminar no habeas corpus 199041, em que a ANPR pedia a suspensão do inquérito. Também em nota oficial, o STF explicou a decisão: “Em uma análise preliminar, a relatora afirmou que não estão presentes os requisitos para a concessão da cautelar, pois não verificou patente constrangimento ilegal no ato do STJ cuja gravidade exponha os procuradores ao risco de sofrer lesão irreparável ou de difícil reparação, caso não deferida a tutela de urgência”.
No dia 26 de março, a ANPR reiterou o pedido de liminar para suspensão de inquérito do STJ.
Agora, diante do pedido de um pedido do ex-procurador da Lava Jato Diogo Castor de Mattos, Rosa Weber mudou sua posição. E solicitou: “Oficie-se, com urgência, ao eminente ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, a fim de que tome conhecimento e dê cumprimento à presente decisão”.
A suspensão do inquérito pode ser revertida no STF?
A suspensão do inquérito do STJ contra procuradores da Lava Jato vale até que a Primeira Turma do STF, do qual Rosa Weber faz parte, julgue de forma colegiada o habeas corpus impetrado pela defesa do procurador Diogo Castor de Mattos. A data do julgamento não foi marcada.
Além de Rosa Weber, integram a Primeira Turma os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.
O que está em jogo com o inquérito do STJ contra procuradores da Lava Jato?
Um jurista que já teve trânsito no STF, que pediu para não ter o nome divulgado, afirmam ver ameaças sérias no inquérito do STJ contra procuradores da Lava Jato. “O risco institucional provocado por essa investigação é altíssimo, porque coloca em dúvida pilares essenciais da confiança no Judiciário”, diz ele.
O jurista lembra que há especialistas que justificavam o inquérito com base no caráter extraordinário da situação, isto é, o cerco ferrenho ao Judiciário motivaria a tomada de decisões também extraordinárias. Mas ele considera que esse tipo de justificativa lembra o conceito de soberania de Carl Schmitt – “um jurista muito controverso, cujas ideias foram utilizadas para dar verniz legal às ações do füher na Alemanha Nazista”.
Isso não significa, diz o jurista, “que o Judiciário brasileiro seja nazista”. “Longe disso. Mas a suspensão das regras tradicionais, ainda que para atacar um suposto estado de exceção, é algo muito perigoso, porque essa prática veio para ficar, e poderá ser usada contra qualquer um.”
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