A volta do “distritão”

“Distritão” transforma eleições proporcionais em majoritárias: os mais votados são eleitos, sem cálculos como o quociente eleitoral.| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Quatro anos depois de ter sido rejeitado na Câmara dos Deputados, o “distritão” está de volta aos debates sobre a reforma política. A proibição das coligações nas eleições proporcionais e a instituição da cláusula de barreira levou partidos menores a pressionar os então candidatos à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP), a recolocar o assunto na pauta. O projeto escolhido foi a PEC 376/2009, que tem relatoria de Felipe Francischini (PSL-PR) na Comissão de Constituição e Justiça e, se passar pela CCJ, será relatado por Renata Abreu (Podemos-SP) na comissão especial da reforma política. A deputada já afirmou que “existe na casa um sentimento forte pelo distritão” – o que seria uma reviravolta notável em comparação com 2017, quando o “distritão” não conseguiu nem mesmo a maioria simples (perdeu por 238 votos a 205), quanto mais os 308 necessários para uma mudança na Constituição.

O modelo do “distritão” é bastante simples de entender: se um estado ou cidade tem um determinado número de parlamentares (deputados estaduais, federais ou vereadores), são eleitos os mais votados, na mesma quantidade. Por exemplo: um estado que elege 30 deputados federais enviará a Brasília os 30 candidatos mais votados, ao contrário do sistema proporcional atual, em que há o cálculo do quociente eleitoral – o número de votos que um partido precisa ter, contando todos os seus candidatos e o voto de legenda, para eleger um parlamentar.

As vantagens do “distritão” são largamente ofuscadas pelas desvantagens

Isso eliminaria situações em que determinado candidato consegue muitos votos, mas acaba sem ser eleito porque o desempenho geral do partido foi fraco, e é obrigado a ver a festa de outros candidatos que tiveram menos votos, mas foram eleitos porque sua legenda é forte nas urnas. Para muitos eleitores, essa é uma injustiça que o “distritão” consertaria. Além disso, diminuiria o estímulo para que partidos buscassem “puxadores” de votos, celebridades que conseguiriam enormes votações e arrastariam consigo vários outros candidatos com votações medíocres. Essa distorção já tinha sido parcialmente eliminada na reforma política de 2017, quando ficou decidido que, para ser eleito, qualquer candidato precisaria conquistar ao menos 10% do quociente eleitoral.

No entanto, tais vantagens do “distritão” são largamente ofuscadas pelas desvantagens. A mais evidente delas é o enfraquecimento de instituições fundamentais para a democracia, os partidos políticos. Eles passam a ser praticamente irrelevantes, já que nem o voto de legenda, nem o voto em candidatos de pior desempenho ajudarão a eleger os candidatos mais fortes. Até dentro de um mesmo partido, o que vigorará será o puro “cada um por si”. O modelo proposto também é altamente personalista, fortalecendo apenas aqueles que já têm mandato eletivo ou candidatos novatos, mas bastante conhecidos do eleitorado por outros motivos – ainda que algum partido continuasse recorrendo a celebridades “puxadoras” de votos, elas apenas beneficiariam a si mesmas, sem efeito algum na eleição de outros candidatos da mesma legenda. Isso faz do “distritão” um modelo rejeitado por dirigentes partidários, mas bem visto por parlamentares – mas mesmo entre eles há divergências, já que há partidos mais fortes no voto de legenda

Mais curioso é o argumento de Renata Abreu de que o “distritão” poderia servir como uma transição para o voto distrital misto, defendido recentemente pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, em reunião com lideranças partidárias. Afinal, as características dos três modelos não permitem, de forma alguma, tratar o “distritão” como um meio termo entre o modelo proporcional e o voto distrital misto, defendido também por esta Gazeta do Povo. A única possibilidade seria entender “transição” apenas como um hiato temporal, em que se adotaria o “distritão” por algum tempo, talvez como um pedágio a se pagar para finalmente se implantar o voto distrital misto no Brasil. Em outras palavras, para o sistema eleitoral brasileiro melhorar, antes ele teria de piorar.

Se o objetivo final for o voto distrital misto, por que, então, não discutir diretamente sua adoção, sem passar antes por outros sistemas que acabam desvirtuando o sentido da representação política ao escantear os partidos? Uma reforma político-eleitoral de qualidade precisa fortalecer os partidos e aproximar eleitos de eleitores, eliminando, também, a imoralidade dos fundos que bancam partidos e campanhas eleitorais com dinheiro do contribuinte. Em vez disso, o que se está propondo é um modelo que privilegia o personalismo e anula os partidos, enquanto os problemas reais do sistema partidário-eleitoral brasileiro permanecem intocados.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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