O Brasil inacabado: obras paralisadas têm contratos de R$ 144 bilhões

As obras da Ferrovia Transnordestina completam 15 anos em junho. Com custo estimado em R$ 13 bilhões, o empreendimento tem apenas 54% de execução física nos seus 1,7 mil quilômetros. Hoje, aterros e viadutos apodrecem a céu aberto. Após executar 85% da primeira etapa do Complexo Petroquímico Comperj, com contrato de R$ 30 bilhões, a Petrobras concluiu que a finalização da construção da refinaria não apresenta atratividade econômica. O projeto foi totalmente reformulado.

Esses são apenas duas das maiores obras públicas que sofreram com paralisações nas últimas décadas. Só as 2,3 mil obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) somam R$ 127 bilhões. O programa foi criado no governo Lula e prosseguiu no governo Dilma Rousseff. Somando todas as obras, são R$ 144 bilhões, divididas em 14,4 mil obras, como registra levantamento de obras paralisadas feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019. Quase a totalidade continua inacabada. Algumas foram retomadas, mas os prejuízos decorrentes das interrupções são irrecuperáveis.

Os motivos das paralisações nas obras são a falta de recursos orçamentárias e financeiros, falhas no planejamento, erros técnicos, abandono da empresa contratada, superfaturamento de preços e casos de corrupção – muitos casos. A megalomania de alguns governantes também colabora para o desperdício.

Crateras no aterro e pontes fantasmas

A Ferrovia Transnordestina começou devagar em junho de 2006, com orçamento de R$ 4,5 bilhões. Hoje, tem 600 quilômetros prontos, com trilhos, dormentes e brita – a chamada superestrutura. Outros 600 quilômetros têm parte das obras de infraestrutura implantada, mas o trem ainda não pode rodar. O trecho entre Salgueiro (PE) e o Porto de Suape, com orçamento de R$ 3 bilhões e execução física de 40%, está na lista de obras paralisadas do TCU.

A obra é tocada pela Transnordestina Logística (TLSA), empresa privada que tem como sócia majoritária a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). No ano passado, foram aplicados R$ 300 milhões nas obras. Neste ano, serão mais R$ 426 milhões, segundo afirmou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em evento no Ceará, em fevereiro deste ano. Mas esse investimento foi feito com capital integralmente privado. A conclusão está prevista para 2027 – 20 anos após o seu início – com investimento total em torno de R$ 12 bilhões.

No projeto, a ferrovia levaria a produção de grãos do interior do Piauí para os portos de Suape (PE) e Pecem (CE). Mas ainda não chegou ao município onde deveria começar, Simplício Mendes (PI). Nesse trecho, aterros e pontes construídos e abandonados há mais de cinco anos estão se deteriorando a céu aberto. Quando estivemos no local, em maio de 2016, a situação já era de abandono. O presidente da Câmara de Vereadores, Pedro Teles (PSD), previu o término na obra para 10 ou 15 anos. Agora, há crateras nos aterros e mato nas passagens subterrâneas. O vereador ainda acredita que obra chegará ao município.

Crateras em aterro de trecho da Ferrovia Transnordestina abandonado há mais de cinco anos. DJ/Magnata

Crateras em aterro de trecho da Ferrovia Transnordestina abandonado há mais de cinco anos. DJ/Magnata

Lava Jato implodiu cartel na refinaria

O investimento previsto inicialmente para a implantação do Comperj era de US$ 26,6 bilhões, segundo dados do TCU. Na primeira etapa, seria construído o Trem 1 da refinaria. Depois, as unidades petroquímicas e o Trem 2 da refinaria. Concluído o projeto, a refinaria teria a capacidade para processar 465 mil barris de petróleo por dia.

Já em 2010, porém, ano de início das obras, o TCU identificou irregularidades como sobrepreço nos contratos, com indícios de prejuízos de R$ 540 milhões. Mas a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014, trouxe uma nova perspectiva às apurações em curso no TCU porque os fatos revelados pela Polícia Federal alinhavam-se com as irregularidades que vinham sendo apontadas pela sua fiscalização. Houve compartilhamento de dados.

Tornou-se pública a existência de um esquema criminoso que atuava na Petrobras e que envolvia a prática de crimes contra a ordem pública, corrupção e lavagem de dinheiro, com a formação de um poderoso cartel, autodenominado de “Clube”, do qual participaram 16 empreiteiras, entre elas Odebrecht, OAS, UTC, Camargo Correa e Andrade Gutierrez, como registra o Acórdão 2841/2020 do TCU. A média de percentual pago a título de propina para os grupos políticos (PT, MDB e PP) era de 3% do valor total da obra. As revelações da Lava Jato impulsionaram o impeachment da presidente Dilma.

As provas obtidas foram tão consistentes que a própria Petrobras reconheceu o prejuízo da corrupção em seus balanços. Em abril de 2015, a estatal assumiu em suas demonstrações contábeis a existência de pagamentos indevidos identificados pela Lava Jato num total de R$ 6,2 bilhões.

Projeto sem atratividade econômica

Em julho de 2016, o Conselho de Administração da Petrobras aprovou a reavaliação do projeto do Comperj, com a continuidade das atividades de implantação das suas unidades, mas associadas à Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). Quando as obras do Trem 1 do Comperj apresentavam um avanço físico da ordem de 85%, foram suspensas devido a restrições de caixa vividas pela Petrobras, diz o Acórdão 632/2017 do TCU.

Em dezembro de 2019, a Petrobras concluiu o estudo de viabilidade econômica relativo à finalização da construção da refinaria do Comperj. O estudo demonstrou que a finalização da construção da refinaria não apresenta atratividade econômica.

O antigo Complexo Petroquímico, agora remodelado e chamado de Polo GasLub Itaboraí, segue com as obras para concluir a construção do Projeto Integrado Rota 3, que inclui uma Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) e um gasoduto. A Petrobras também estuda a construção de uma planta de processamento de lubrificantes e a construção de uma térmica.

Obra da Copa de 2014 ainda não está pronta

O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) que ligaria Cuiabá ao aeroporto de Várzea Grande, criado para melhorar a mobilidade urbana durante e após a Copa do Mundo de 2014, teve orçamento inicial de R$ 1,57 bilhão. A Justiça interrompeu as obras em 2015, devido a suspeitas de fraude na sua licitação, quando já havia sido consumido R$ 1 bilhão e faltavam R$ 763 milhões para a sua conclusão, segundo dados do Governo do Mato Grosso. Só os 40 trens do VLT, adquiridos em 2012, custaram R$ 498 milhões.

O governo estadual optou pela alteração de VLT para BRT (ônibus rápidos), orçado em R$ 430 milhões, já com a aquisição de 54 ônibus elétricos. Mas o governo estadual afirmou ao blog que a execução do BRT ainda não teve início porque  sua implantação está na dependência de decisão do Ministério do Desenvolvimento Regional. O modal utilizará parte dos projetos, que já estão 75% concluídos, e traçado do VLT. Os ônibus ainda não foram comprados.

Quatro décadas de construção

As obras da Usina Termonuclear de Angra 3 tiveram início em junho de 1984, mas foram paralisadas em abril de 1986. Retomadas em 2009, as obras tiveram nova paralisação em 2015. O projeto também sofreu uma devassa da Operação Lava Jato. O ex-presidente da Eletronuclear Athon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão por corrupção, acusado de pedir e receber propinas de empreiteiras. Ficou dois anos preso.

A Eletronuclear afirma que já foram executadas cerca 67% das obras civis da Usina. Até setembro de 2015 já haviam sido investidos R$ 5,3 bilhões de um total de R$ 14,8 bilhões. Neste ano, a empresa lançou edital para contratar empresa destinada concluir o projeto. O objetivo é iniciar as obras em março de 2020, com previsão de conclusão em 2026 – 42 anos após o seu início.

Outra obra contemporânea de Angra 3 e também marcada por paralisações é a Ferrovia Norte-Sul, iniciada em 1987, no governo José Sarney. O traçado original iria de Açailândia (MA) a Anápolis (GO), com 1,5 mil quilômetros. Mas o primeiro trecho, até Porto Franco (MA), de 215 quilômetros, foi concluído apenas em 1996. A obra foi retomada no governo Lula, mas o trecho até Anápolis só foi entregue em 2014, já no governo Dilma Rousseff. O último trecho em construção, de Ouro Verde (GO) a Estrela D’Oeste, foi subconcedido à empresa Rumo, que vai finalizar os 7% restantes da obra.

Tem até obra do regime militar

A lista de obras paralisadas do TCU inclui até a lendária Transamazônica, que teve início durante a ditadura militar, na década de 1970, no governo de Emílio Garrastazu Médici. Era o tempo do “milagre brasileiro” e das obras faraônicas. A rodovia começa em Cabedelo (PB) e vai até Lábrea (AM). Na Amazônia, a maior parte não conta com asfalto. O primeiro trecho foi inaugurado em 1972. A construção e pavimentação do trecho que vai da divisa com Tocantins até Rurópolis (PA) está orçada em 1,8 bilhão, segundo dados do tribunal.

O Ministério da Infraestrutura afirma que já foram investidos R$ 857 milhões na obra e faltam R$ 348 milhões para a sua conclusão, o que depende da “disponibilização de recursos orçamentários”. Segundo o ministério, existem hoje cinco contratos que estão paralisados ou não foram iniciados, em decorrência de insuficiência de recursos e de questões ambientais. As paralisações ocorreram de maio de 2015 a dezembro de 2017.

Metrôs em ritmo lento

O TCU incluiu na sua lista de obras paralisadas, em 2019, a Linha Leste do Metrô de Fortaleza, com contrato no valor total de R$ 3,3 bilhões. O Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou ao blog que há dois contratos vigentes para o empreendimento. O primeiro no valor de repasse de R$ 1 bilhão (com financiamento do BNDES) destinado à construção de estações, vias e gerenciamento. O segundo tem investimentos federais de R$ 660 milhões para escavação dos túneis, sistemas e material rodante.

Segundo o ministério, a primeira obra ainda não teve repasse nem foi iniciada. A segunda recebeu R$ 116,6 milhões e conta com execução financeira de 5,3%. O responsável é o Governo do Ceará. No momento, os empreendimentos não estão paralisados.

A Secretaria da Infraestrutura do Ceará afirma que as obras da Linha Leste do Metrô de Fortaleza seguem em andamento, com trabalhos sendo realizados no Centro, na Aldeota e no Papicu. No total, existem seis frentes de serviços no trecho, que incluem a construção das estações, poços de ventilação e escavação de túneis. O governo estadual entra com R$ 198 milhões. “No momento, todas as fontes de recursos estão sendo utilizadas, ou seja, todos os serviços previstos foram iniciados e seguem em execução”, diz a secretaria estadual.

Na lista do TCU também está a Linha 6 – Laranja do Metrô de São Paulo, entre a Vila Brasilândia e a Estação São Joaquim, com contrato no valor de R$ 14 bilhões. O percentual de execução em 2019 seria de 11%, com data de início em janeiro de 2015 prazo de conclusão para 2020. O Ministério do Desenvolvimento Regional afirma que o contrato está “inativado”.

O Governo de São Paulo afirmou ao blog que a Linha 6 – Laranja é uma Parceria Público Privada e a concessionária responsável pelas obras é a Linha Universidade. As obras foram retomadas em outubro de 2020 e recentemente iniciou-se a montagem das tuneladoras, também chamadas de tatuzões, que fazem os trabalhos de escavações. Essa etapa deve ser concluída no primeiro trimestre de 2024. “A construção da linha 6 segue dentro do seu cronograma de execução com previsão de conclusão em 5 anos”, diz nota do governo.

A retomada de obras inacabadas

O Ministério da Infraestrutura afirmou ao blog que, num cenário de restrições orçamentárias, tem buscado otimizar a aplicação dos recursos públicos, considerando três premissas: obras estratégicas, em função do seu impacto social e econômico, a retomada e a conclusão de obras inacabadas e obras com necessidade de manutenção para preservação do patrimônio.

Segundo o ministério, o ministro Tarcísio de Freitas também tem se reunido com deputados, senadores e governadores para discutir obras prioritárias, buscando o direcionamento das emendas parlamentares a esses empreendimentos. A estratégia possibilitou, em 2020, o valor recorde de R$ 2,3 bilhões em emendas, que ajudaram a viabilizar a entrega de 92 obras, incluindo 1.430 km de rodovias recuperadas nas cinco regiões do país, segundo dados do ministério.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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