Não é exagero afirmar que o cardiologista Marcelo Queiroga, anunciado na segunda-feira (16) pelo presidente Jair Bolsonaro como novo ministro da Saúde, caiu de “paraquedas” no olho do furacão. Nesta terça-feira (16), o país registrou a pior mortalidade diária por Covid-19 desde o início da pandemia: 2.841 óbitos. É uma amostra dos desafios que ele tem pela frente na gestão da pior crise sanitária da história do Brasil. O maior deles: garantir a vacinação em massa.
Se não ocorrerem imprevistos, o Ministério da Saúde encerra março com a distribuição de cerca de 30,1 milhões de imunizantes. É o dado mais atualizado da pasta, segundo o cronograma divulgado pelo ainda ministro Eduardo Pazuello, em coletiva de imprensa na segunda.
Além de vacinar a população, será dever de Queiroga tranquilizá-la com muita transparência e diálogo. Para isso, precisará trabalhar uma das principais falhas do governo, a comunicação, e não medir esforços para informar a sociedade a cada passo e diálogo dado com os laboratórios contratados. Isso porque os cronogramas trabalhados pelo Ministério da Saúde são voláteis.
Como disse Pazuello na segunda-feira, o “cronograma é para ser alterado quando a farmacêutica não entrega”. “Ou quando a linha de produção para, quando acontece qualquer dificuldade na legalização das doses”, declarou. Até junho, o atual cronograma do Ministério da Saúde prevê a distribuição de 173,5 milhões de vacinas.
Outras 20 milhões da indiana Bharat Biotech podem ser distribuídas até junho. Tudo depende da validação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A empresa ainda não concluiu a entrega dos documentos para utilização emergencial”, explicou Pazuello.
Pelos contratos firmados pelo Ministério da Saúde até o momento, o governo distribuirá cerca de 562,9 milhões de doses em 2021. A missão de Queiroga será assegurar o cumprimento desses contratos e finalizar as tratativas para a aquisição de 13 milhões de doses negociadas com a norte-americana Moderna.
Deputado cobra menos ideologia e mais unidade por produção de vacinas
A compra e a distribuição de vacinas são reconhecidas por aliados do governo. Entretanto, muitos pedem mais empenho do governo no envasamento de imunizantes produzidos nacionalmente. Para isso, Queiroga será cobrado até a enfrentar a “ala ideológica” do governo e fechar acordos com a China.
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP) pede que o novo ministro da Saúde feche não apenas a compra de doses da chinesa BBIBP-CorV, fabricada pela Sinopharm, mas, também, negocie a tecnologia necessária para a produção do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), a tecnologia da produção da matéria-prima das vacinas.
O parlamentar foi o responsável por intermediar a reunião realizada nesta segunda-feira (16) entre Pazuello e representantes da Sinopharm, da embaixada da China e da empresa brasileira Blau Farmacêutica. O governo sinaliza com a compra de 30 milhões de doses da BBIBP-CorV e também dialoga sobre uma possível parceria comercial entre Sinopharm e a Blau para a produção do IFA chinês.
Presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, Pinato pede que Queiroga contrarie, se necessário, a “ala ideológica” do governo para assegurar a produção do IFA chinês. E aí, ele enfatiza críticas ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
“O que me preocupa não é só a maneira que foi desdenhado o combate à pandemia no começo, mas o desdém da ala ideológica. A saúde diplomática do ministro Ernesto Araújo coloca em xeque a facilitação dos insumos e vacinas”, sustenta Pinato. “Mutações podem acontecer no Brasil e nosso agronegócio entrar em caos. E isso afeta a China”, alerta o deputado.
Pressão por leitos de UTI: um dos maiores desafios de Queiroga
Outro desafio do novo ministro da Saúde será melhorar a interlocução com os estados e municípios. Calcanhar de Aquiles de Pazuello, o trato com os entes federados nem sempre agradou governadores e prefeitos, que tanto criticaram a gestão atual.
Para isso, acompanhar a distribuição de recursos e manter um diálogo permanente com os governadores e prefeitos será essencial. Na sexta-feira (12), o Ministério da Saúde liberou R$ 188,2 milhões para financiar quase 4 mil novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em cidades de 21 estados. Os leitos temporários serão custeados por 90 dias, com possibilidade de renovação.
Hospitais em todo o país estão superlotados. Críticas de governadores e prefeitos ao governo federal passaram a ser recorrentes em um momento em que se queixavam da suspensão do repasse de recursos da União para o financiamento de leitos de UTI para a Covid-19.
Em 9 de março, um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que 20 estados estavam com UTIs em “alerta crítico”. Em 13 unidades da federação, havia mais de 90% de ocupação.
Nesta segunda-feira, o estado de São Paulo chegou a 90% de ocupação dos leitos de UTI pela primeira vez desde o início da pandemia. Na capital paulista, hospitais privados passaram a solicitar leitos na rede pública pela primeira vez. Em Porto Alegre, 371 pessoas aguardam vaga por leito.
O deputado federal Felício Laterça (PSL-RJ), integrante da Comissão Externa de Enfrentamento da Covid-19 no Congresso, diz que a situação no Rio de Janeiro também é caótica e afirma que levará o debate a Queiroga. “A reativação dos leitos em hospitais federais é urgente”, destaca.VEJA TAMBÉM:
O caos do oxigênio: outro desafio ao governo
A solução da crise do fornecimento de oxigênio medicinal também estará na pauta de Queiroga. Inevitavelmente, o ministro será cobrado a dar respostas em um dos assuntos que custou a Pazuello uma investigação aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que apura uma suposta omissão do ministério na crise no Amazonas.
Em Rondônia, quatro municípios alertaram Pazuello no início da semana sobre a possibilidade de hospitais ficarem sem oxigênio. O ministro disse na segunda-feira que enviará o insumo para o estado em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).
Em Minas Gerais, ao menos 13 municípios registraram falta de oxigênio e anestésicos. No sábado (13), o município de Maringá (PR) relatou problemas no fornecimento de oxigênio para UTIs do Hospital Municipal e para a Unidade de Pronto Atendimento Zona Sul, onde um paciente internado com Covid-19 morreu.
Queiroga tem respaldo político, mas vai precisar de “ponto de equilíbrio”
Se faltou traquejo político a Pazuello — que foi tão criticado por parlamentares, governadores e prefeitos —, o mesmo não pode ser dito de Queiroga. O novo ministro da Saúde chega à pasta com respaldo de lideranças da política nacional.
Líder do DEM na Câmara e conterrâneo de Queiroga, Efraim Filho (PB) diz que o novo ministro reúne as condições técnicas e políticas para enfrentar os desafios. Para o parlamentar, ele tem três qualidades essenciais: é respeitado pela classe médica, tem o apoio da academia de Medicina e tem bom trânsito no meio político.
O próprio Efraim é uma das lideranças políticas com quem Queiroga tem prestígio. “Eu o conheço pessoalmente, tenho boa relação com ele, do próprio estado, na Paraíba. Ele sempre procurou ser participativo, atendendo a nossos convites. Já participou, por exemplo, de sessões da comissão externa da Covid-19”, afirma.
O líder do DEM torce para que Queiroga supere os principais desafios para a pasta, de compra e distribuição de vacinas, mas espera que o ministro possa conduzir a gestão sem ser pautado pelas ideologias do governo, de aversão ao lockdown e defesa ao tratamento precoce com Covid-19 com a cloroquina.
Tão logo foi anunciado ministro, Queiroga passou a flexibilizar o discurso e se mostrar mais alinhado ao governo. “Esse ponto de discussão, da abordagem política da pandemia, acho que ele vai procurar se afastar e ter um ponto de equilíbrio, que dê conforto ao governo, mas garanta uma gestão responsável ao Ministério”, analisa Efraim Filho.
Meta é levar a vacinação a níveis de primeiro mundo
Como disse o líder do DEM, a principal tarefa é garantir a vacinação em massa. E não é para menos. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) aponta que 81% da população considera o ritmo de vacinação lento.
A missão de Queiroga, naturalmente, é melhorar os números do Brasil e equiparar o país à nações de primeiro mundo. Mas, em termos mundiais, o Brasil não está tão atrás. A taxa brasileira é de 5,6 doses administradas por 100 habitantes. Entre os países do G20, o grupo das 20 maiores economias, o Brasil aparece em 9º, segundo dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.
País | Vacinação* |
Reino Unido | 38,4 |
Estados Unidos | 32,6 |
Turquia | 13,3 |
União Europeia | 11,4 |
Itália | 11,3 |
Alemanha | 11,2 |
França | 10,8 |
Canadá | 8,3 |
Arábia Saudita | 6,7 |
Brasil | 5,6 |
China | 4,5 |
Argentina | 5,3 |
Rússia | 5,3 |
México | 3,4 |
Índia | 2,4 |
Indonésia | 2,1 |
Coreia do Sul | 1,17 |
Japão | 0.23 |
Austrália | 0,6 |
África do Sul | 0,25 |
(*) Vacinas administradas por 100 habitantes |
É inegável que, frente a um país como Israel, que administrou 109,7 doses por 100 habitantes, o Brasil ainda engatinha em termos de imunização em massa. Mas, em outros termos comparativos, o Brasil também não fica muito para trás, sobretudo em comparações niveladas.
Entre as 10 maiores economias emergentes, o país aparece na quarta colocação:
País | Vacinação* |
Turquia | 13,3 |
Polônia | 12 |
Arábia Saudita | 6,7 |
Brasil | 5,6 |
Argentina | 5,3 |
Rússia | 5,3 |
China | 4,5 |
México | 3,4 |
Índia | 2,4 |
Indonésia | 2,1 |
(*) Vacinas administradas por 100 habitantes |
Em relação aos 10 países mais populosos, o Brasil também não fica para trás:
País | Vacinação* |
Estados Unidos | 32,6 |
Brasil | 5,6 |
Rússia | 5,3 |
China | 4,5 |
México | 3,4 |
Bangladesh | 2,7 |
Índia | 2,4 |
Indonésia | 2,1 |
Paquistão | 0,03 |
Nigéria | Sem informação |
(*) Vacinas administradas por 100 habitantes |
Na comparação com os países da América do Sul, o Brasil aparece na terceira colocação:
País | Vacinação* |
Chile | 36,6 |
Uruguai | 6,1 |
Brasil | 5,6 |
Argentina | 5,3 |
Colômbia | 1,5 |
Peru | 1,5 |
Bolívia | 1,2 |
Equador | 0,8 |
Paraguai | 0,1 |
Venezuela | 0,04 |
(*) Vacinas administradas por 100 habitantes |
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