A falsa narrativa do “Lula democrata”

São Bernardo do Campo SP 15 11 2020-O ex presidente Luis Inacio Lula da Silva votou em ABC hoje pela manhã. foto Ricardo Stuckert

Lula está provisoriamente de volta ao páreo eleitoral, tornado “ficha limpa” pelas mãos do ministro Edson Fachin, que anulou todos os processos contra o ex-presidente na 13.ª Vara Federal de Curitiba. Para que ele fique novamente impedido de competir, será necessário que um colegiado do Supremo (o plenário, ou a Segunda Turma) reverta o ato de Fachin, e que a Segunda Turma rejeite a tese da parcialidade do então juiz Sergio Moro – uma feliz conjunção que manteria as condenações de Lula, mas que, por mais desejável, positiva para o país e juridicamente correta que seja, parece altamente improvável no momento.

O ex-presidente não se lançou candidato explicitamente – e talvez isso nem seja necessário, especialista que é em dissimular campanha antecipada –, mas a narrativa já está posta por seus apoiadores na imprensa e na academia: 2022 seria um embate entre os autoritários, do lado do presidente Jair Bolsonaro, e os democratas, agrupados em torno do petismo, seja com Lula, seja com o “poste” que ele ungir. Um discurso que só tem como prosperar apoiado na memória muito curta do eleitorado.

A repetida tentativa de fraudar a democracia brasileira, o desejo de controlar a imprensa e a amizade íntima com as ditaduras mais nefastas do continente latino-americano não credenciam nenhum partido ou líder a se denominar “democrata”

Afinal, autênticos democratas não fraudam a democracia da forma como o petismo fez ao organizar os dois maiores esquemas de corrupção da história do país. O partido quis, por duas vezes, anular a separação de poderes por meio da compra de apoio no Poder Legislativo, seja pela distribuição pura e simples de dinheiro, no caso do mensalão, seja pela pilhagem das estatais com o apoio de partidos aliados e empreiteiras, no esquema desvendado pela Operação Lava Jato. No julgamento do mensalão no STF, o então ministro Ayres Britto descreveu o esquema como “golpe nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo”, pois tratava-se de perpetuar “um projeto de poder (…). Não de governo, porque projeto de governo é lícito, mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa”. O petrolão foi apenas a continuação do mensalão por outros meios, como ficou amplamente demonstrado pelas evidências levantadas pela Lava Jato, e que nenhuma decisão judicial será capaz de apagar.

E, se Bolsonaro é reconhecidamente hostil à imprensa, o petismo não fica atrás. No poder, o PT tentou controlar a atividade jornalística ao pressionar pela criação de um Conselho Federal de Jornalismo; depois de alijado do Planalto, o partido lamentou, em resolução oficial que tentava explicar as razões para o impeachment de Dilma Rousseff, não ter colocado um cabresto na imprensa, no Ministério Público, na Polícia Federal e nas Forças Armadas. Sem falar, evidentemente, dos vários episódios de hostilização de jornalistas por parte de militantes, incluindo o ataque à sede da Editora Abril às vésperas do segundo turno da eleição de 2014, após a publicação, pela revista Veja, de uma reportagem sobre o petrolão.

A ânsia de controlar a imprensa livre, aliás, anda de mãos dadas com outra característica marcante do PT e de Lula: seu apreço por ditaduras. Se há muitos motivos para se criticar a defesa que Bolsonaro faz da ditadura militar brasileira, o petismo perde qualquer aspiração a ter envergadura moral neste campo ao seguir apoiando entusiasticamente as ditaduras venezuelana e cubana – no mais recente episódio desta camaradagem ideológica, o PT manifestou sua satisfação com a farsa eleitoral realizada em dezembro do ano passado e que elegeu uma Assembleia Nacional ilegítima, totalmente dominada pelo ditador Nicolás Maduro.

A repetida tentativa de fraudar a democracia brasileira – e a glorificação dos protagonistas de tais esquemas, aclamados como “guerreiros do povo brasileiro” –, o desejo de controlar a imprensa e a amizade íntima com as ditaduras mais nefastas do continente latino-americano não credenciam nenhum partido ou líder a se denominar “democrata”. Que haja postulantes – pessoas ou legendas – ao comando da nação com esse perfil, e que isso seja tratado com enorme naturalidade, é apenas mais um sintoma da degradação moral por que passa a política brasileira.

A narrativa de que 2022 será um embate polarizado não entre petismo e bolsonarismo, mas entre autoritarismo (representado por Bolsonaro) e democracia (representada por Lula), não passa de uma fraude dos defensores do ex-presidente. Os brasileiros realmente comprometidos com a democracia, com as liberdades, com o combate à corrupção e que porventura estejam também descontentes com o atual governo não abraçarão o discurso de quem pode até estar juridicamente “limpo”, mas não tem como apagar a verdade sobre o que é, o que fez e o que defende.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

Be the first to comment on "A falsa narrativa do “Lula democrata”"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*