O deputado Arthur Lira (PP-AL) completou um mês na presidência da Câmara na segunda-feira (1.º) e ele já é alvo de críticas dentro de sua própria base de apoio: o Centrão.
Deputados dizem que as últimas duas semanas de condução dos trabalhos por Lira provocaram desgastes para eles. E os motivos foram a votação que confirmou a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e os debates em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, a chamada “PEC da Impunidade”.
A Gazeta do Povo ouviu sete parlamentares. Três deles, de partidos do Centrão, bloco que era liderado por Lira até ele se eleger presidente da Câmara. Os três criticam reservadamente a gestão do presidente da Casa.
“Se seguir no ritmo desse primeiro mês, serão dois anos piores do que com o [Rodrigo] Maia [ex-presidente da Câmara]”, desabafa um deles. Apesar de ressalvas e ressentimentos com o ex-presidente da Câmara, deputados dizem que Maia evitava pautar matérias que expusessem parlamentares – caso do deputado Daniel Silveira.
Dois exemplos citados dentro do Centrão são os da deputada federal Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido, e o do deputado Boca Aberta (Pros-PR), acusado de agredir verbal e fisicamente dois oficiais de Justiça. Mesmo denunciados, os parlamentares respondem em liberdade por decisão de Maia. “O Maia sempre defendeu que deputados têm o direito de responder processos em liberdade”, diz um parlamentar.
Os deputados do Centrão ouvidos pela reportagem votaram em Lira para a presidência. Eles destacaram que Lira prometeu não impor suas vontades pessoais na condução dos trabalhos, mas as do conjunto Câmara. Mas esses parlamentares afirmam que Lira frustrou as expectativas dos parlamentares e usou de seu poder para articular com todos os partidos a manutenção da prisão de Silveira. “Ele cedeu à pressão ao STF e articulou com os partidos para não deixar os parlamentares votarem com suas convicções”, critica outro deputado.
Ainda que os partidos não tenham fechado questão – instrumento usado pelas legendas para pressionar o voto obrigatório a uma determinada matéria – na votação que manteve Silveira preso por 364 votos favoráveis, o voto contrário à orientação partidária poderia significar represálias aos congressistas.
Por isso, muitos do próprio Centrão obedeceram o partido, ainda que a contragosto e à revelia do próprio eleitorado. Apesar de contrários ao conteúdo do que disse Daniel Silveira em vídeo a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – fato que embasou a prisão determinada pelo ministro Alexandre de Moraes –, parte do Centrão discorda do mérito da detenção do deputado.
Deputados se preocupam com repercussão em suas bases eleitorais
A “PEC da Impunidade” foi outro fator que constrangeu deputados. Isso porque o texto original apresentado repercutiu mal dentro das bases. Parlamentares do Centrão dizem ser favoráveis a mudar a Constituição para deixar mais claro que o STF não pode decidir sobre a prisão de um parlamentar. Mas o problema foram os outros pontos apresentados. “Aproveitaram que havia boas intenções para tudo quanto é lado e incluíram jabutis para expandir o foro privilegiado. Aí, não dá para ser a favor”, critica outro deputado.
As críticas recaem a Lira nesse caso porque, dentro do Centrão, há quem afirme que o texto original teve o aval do presidente da Câmara. “E mais uma vez, por ter o aval do Arthur, como na prisão do Daniel, fomos obrigados a assinar a PEC. Foram duas semanas seguidas de exposição que, para a grande maioria dos parlamentares, pegou mal”, desabafa um dos congressistas.
Alguns deputados do Centrão até estimam que, nessas últimas duas semanas, perderam 10% de seus eleitores por terem acompanhado o presidente da Câmara. Os mais atingidos são aqueles que têm um eleitorado “bolsonarista”, cristão e conservador. O eleitor com esse perfil, na avaliação deles, repudiou a primeira versão da PEC. “Se continuar assim, vai ter muito deputado chegando sem chances de reeleição em 2022”, diz um deputado.
Sem reformas e com pouca previsibilidade: outras críticas a Lira
O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) diz que, se Arthur Lira não tivesse se comprometido com a “PEC da Impunidade”, a Câmara não teria perdido metade do primeiro mês de sua gestão.
Ex-líder do Novo, o deputado questiona ainda o compromisso de Lira com outra de suas promessas de campanha: a previsibilidade. “Essa última semana não foi nada previsível. Entrou [para debate dos líderes] uma PEC [a 3/21] que não tinha nem assinatura ainda. Foi uma coisa bastante bizarra, primeira vez que eu vi, uma PEC se tornar pauta sem número”, diz o deputado do Novo.
Para Ganime, é incoerente defender a previsibilidade e querer aprovar às pressas uma PEC que, normalmente, passa primeiro passa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, por uma comissão especial. “Não há nenhuma previsibilidade. O presidente que falou que iria ouvir todo mundo, que faria um mandato de previsibilidade, provocou um dos poucos momentos de tensão”, diz.
Outra crítica de Ganime diz respeito à falta de rapidez com a agenda de reformas. “E aí eu falo no sentido amplo, não só da reforma tributária, administrativa, mas toda a pauta de privatizações e marcos regulatórios”, diz Ganime. “Claro que é cedo para dizer [que a pauta não vai avançar]. Temos na pauta desta semana a Lei do Gás, o Marco Legal das Startups. Mas é muito pouco.”
Deputados cobram urgência por agenda positiva
Deputados do Centrão que votaram em Arthur Lira agora cobram que ele adote uma pauta positiva com urgência. “E nem estou falando das reformas”, diz um dos parlamentares do bloco.
O medo de não se reeleger faz os deputados compararem o atual clima com o da última legislatura, quando o Congresso votou pautas “pesadas” como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a reforma trabalhista e o teto de gastos. Nas urnas, a Câmara acabou renovada em 47,3%. E a maioria dos deputados quer ser reeleita em 2022. Para isso, cobram pautas que sejam sentidas como positivas pela população.
Um dos projetos cobradas pelo Centrão é o que renova a concessão do auxílio emergencial. Para deputados de partidos do centro, Lira teve culpa em travar a matéria por defender a desvinculação das receitas do Orçamento da União, algo que acabaria com a exigência constitucional de gastos mínimos obrigatórios na educação e saúde. Essa discussão foi travada na PEC Emergencial (186/19), a mesma que retoma o auxílio emergencial.
Outra pauta que poderia gerar impactos sentidos no bolso do consumidor e, portanto, é enquadrado como uma “pauta positiva”, é o corte de impostos sobre produtos impactados pelo dólar. Alguns congressistas defendem uma proposta do tipo fora da reforma tributária, por entender que a medida não tira arrecadação do Estado e ainda ameniza o impacto sobre o valor final de produtos consumidos pelos brasileiros.
Lira parece ter percebido a pressão por uma agenda positiva e, na terça-feira (2), buscou assumir o protagonismo no combate à pandemia da Covid-19. O presidente da Câmara se reuniu com 22 governadores para liderar uma interlocução com o governo federal nas ações de enfrentamento ao coronavírus.
Aproximação com deputados é elogio feito a Lira
Nem tudo, contudo, são críticas em relação à gestão de Lira. O deputado Paulo Ganime destaca que, apesar de suas críticas, vê algo positivo no primeiro mês de gestão. “Ele circula bastante para falar com os deputados, com muito mais frequência do que o Rodrigo Maia. Isso gera uma certa aproximação com a Casa. Quando não está na Mesa ou na presidência, está circulando.”
Outro deputado a defender o primeiro mês é Coronel Tadeu (PSL-SP). Para ele, à exceção da votação da prisão de Daniel Silveira, os últimos 30 dias foram positivos. E mesmo a sessão que chancelou a prisão, para ele, não pode ser colocada na “conta” de Lira. “Ele, como deputado, não tem obrigação nenhuma de ajudar o Daniel. Como presidente, no máximo, pode emitir opinião, mas tem que respeitar as lideranças.”
A mesma avaliação Tadeu faz sobre a discussão da “PEC da Impunidade”. Para o deputado, não há nenhuma “observação negativa” sobre a proposta. “Porque tudo ele conduziu com o diálogo. O problema todo é que não houve consenso, porque precisava de 308 votos e não tinha. Não ia conseguir nem 250 votos naquilo. Mas uma ala do Centrão queria alguns benefícios, lucrar alguma coisa. (…) No momento que quiseram desvirtuar [a PEC], pelo menos 31 bolsonaristas do PSL pularam fora.”
Na esquerda, gestão de Lira é surpresa
O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), 1.º suplente da Mesa Diretora da Casa, também faz elogios à gestão de Lira. Para ele, Lira superou as expectativas. Depois de uma primeira decisão turbulenta, de dissolver a Mesa Diretora eleita, em sua primeira decisão após tomar posse, o pedetista considera que as outras decisões do presidente da Câmara foram “plurais”, ouvindo o coletivo.
“Ele está ouvindo a esquerda e prestigiando a pauta que ele acredita. Obviamente, tem uma pauta mais voltada para a do presidente [da República], mas sem ser subserviente, que era a preocupação de todo mundo”, diz Bismarck. “Até o momento, não apresentou uma pauta mais radical de costumes.”
O avanço da agenda conservadora na Câmara seria um dos motivos de insatisfação da esquerda com Lira, afirma Bismarck. O parlamentar reforça, contudo, que não é isso o que ocorre. “Não colocou nada grave, faz a pauta de quem apoiou ele. Isso é natural, da mesma forma que Maia colocou a pauta dele. Posso até não concordar com a pauta, mas isso faz parte do mandato dele, é inerente às decisões dele.”
O pedetista minimiza as mudanças feitas por Lira em cargos de livre indicação da presidência da Câmara e defende que o presidente da Casa tem a prerrogativa de escolher com quem deseja trabalhar. “Trocou o diretor-geral e algumas pessoas, mas isso é natural. Ele tem que trabalhar com quem confia e se sente confortável.”
Travas no “kit obstrução” preocupam a esquerda
Dentro da esquerda, contudo, há quem critique Lira. Como a votação a toque de caixa do projeto de autonomia do Banco Central, na primeira semana da gestão do atual presidente da Câmara.
Outra crítica é a costura nos bastidores de um texto para modificar o regimento interno da Casa, que foram uma promessa de campanha de Lira. Entre as mudanças, cogita-se a ideia reduzir mecanismos usados pela oposição para atrasar ou até barrar votações de projetos.
Um deputado da oposição critica a articulação e adverte que mudanças ao chamado “kit obstrução” um dia podem ser usados contra quem, hoje, é base governista. “Uma hora quem está na situação vai estar na oposição e quem está na oposição um dia pode estar na situação”, adverte.
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