Bolsonaro tenta acelerar privatizações em resposta à “interferência” na Petrobras

Presidente Jair Bolsonaro entrega ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o projeto de lei que abre caminho para a venda dos Correios: ideia do governo é acelerar as privatizações.| Foto: Isac Nóbrega/PR

Depois de causar turbulência no mercado financeiro ao mudar o comando da Petrobras, o governo correu para fazer um aceno aos investidores. O presidente Jair Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar a medida provisória que agiliza a privatização da Eletrobras e o projeto de lei que autoriza a venda dos Correios. As privatizações são uma tentativa do Planalto de sinalizar que o governo não retroagiu em sua agenda liberal na economia ao decidir mudar o comando da petroleira.

Os textos já eram aguardados, mas Bolsonaro foi aconselhado a enviá-los logo para reduzir os ruídos no mercado, que enxergou no episódio uma suposta interferência do presidente na Petrobras. “Nós queremos, sim, enxugar o Estado, diminuir o tamanho do mesmo, para que nossa economia possa dar a satisfação, dar a resposta que a sociedade precisa”, afirmou Bolsonaro em pronunciamento à imprensa. Ele prometeu que a agenda de privatizações seguirá a “todo vapor”, apesar de nenhuma estatal de controle direto ter sido vendida em quase 26 meses de governo.

A estratégia e as declarações surtiram algum efeito no mercado, principalmente sobre as cotações da Eletrobras na bolsa de valores brasileira, a B3. As ações preferenciais da companhia elétrica alcançaram na quarta-feira (24) o maior nível em 40 dias. Os papéis da Petrobras, por sua vez, emendaram dois dias de alta na terça (23) e quarta (24), mas voltaram a cair com força na quinta (25).

O envio dos textos foi lido pelo mercado como um sinal positivo, mas não chegou a apagar o ruído criado por Bolsonaro ao anunciar a troca de comando da Petrobras e nem afastou o temor de interferência política na estatal, segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo.

“Foi uma clara tentativa de mudar o foco, de tentar trazer agenda positiva, dado que o dedo do governo na Petrobras foi um balde de água fria na agenda liberal, que carregava forte expectativa de voltar em 2021 com reformas e privatizações”, afirma Vitor Noronha, CEO e Planejador Financeiro da K1 Capital Humano.

Ele explica que a sinalização foi importante para não piorar ainda mais as expectativas para este ano. “Se o governo não fizesse um movimento forte contra [a intervenção], poderíamos ter um cenário mais forte de degradação das expectativas pra esse ano. Foi uma sinalização importante, mas não dá para dizer que apagou o ruído. Teve saída expressiva de capital estrangeiro da Bolsa, dólar em alta. Provavelmente, esse cenário vai continuar até que as promessas [de privatização] se concretizem”, diz Noronha.

O sócio e head de renda variável da Monte Bravo Investimentos, Bruno Madruga, afirma que o mercado sempre espera algum tipo de intervenção nas estatais, já que historicamente isso acontece e o governo tem o poder, na condição de acionista controlador. Mas explica que o mercado cobra maior previsibilidade nas mudanças. A demissão de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras pegou os agentes financeiros de surpresa.

“Os anúncios deram um alívio, mas o ruído permanece no mercado, não tanto pela troca [na presidência da Petrobras], mas principalmente pela forma que ela foi feita. Da mesma forma que o presidente cobra previsibilidade nos preços, o mercado cobra previsibilidade em trocas de comando e mudança de rumos da empresa”, afirma Madruga.

O especialista também destaca que o governo está cedendo posições a determinados partidos para conseguir avançar com as privatizações, aumentando o sentimento de que a política do “toma-lá-da-cá” voltou. Porém, ele acredita que, ainda assim, alguma grande privatização deve sair neste governo, atraindo capital estrangeiro.

Noronha, por sua vez, avalia que a pauta de privatizações enfrentará muita dificuldade no Congresso e não descarta novas intervenções de Bolsonaro nas estatais. “Por mais que a pauta econômica do governo seja liberal, Bolsonaro é suscetível às pressões de popularidade. Ele pode tentar imputar na pauta de privatização algum controle de manutenção de emprego, por exemplo”, explica. “O clima ainda é de desconfiança. A sinalização foi boa, mas ainda é fraca, precisamos ver saindo do papel.”

Privatizações do governo caminharam lentamente nos últimos dois anos

O governo não vendeu nenhuma estatal de controle direto da União em dois anos de mandato. São 46 estatais. O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, prometeu, em entrevista à Gazeta do Povo, que a agenda andará neste ano e em 2022.

Ele disse que o governo conseguirá fazer as privatizações dos Correios, da Eletrobras e dos Portos de Santos e de Vitória, além do fechamento da Ceitec, que ficou conhecida como a “estatal do chip do boi”.

Sinal amarelo continua no radar

O pedido de troca no comando da Petrobras e as cobranças por uma maior previsibilidade nos reajustes dos preços dos combustíveis fizeram a Petrobras perder R$ 102 bilhões em valor de mercado em apenas dois pregões (nos dias 19 e 22). Outras estatais listadas em Bolsa também foram afetadas, como Banco do Brasil e Eletrobras.

O temor é por interferências políticas também nessas empresas, já que Bolsonaro vem defendendo publicamente uma queda nos preços dos combustíveis e da energia elétrica e cobrando que as estatais tenham “visão social”.

“Uma estatal seja ela qual for, tem que ter a sua visão de social, não podemos admitir uma estatal, um presidente, que não tenha essa visão”, disse Bolsonaro na quinta-feira (25), ao participar de uma inauguração na usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu (PR). Por causa dessa declaração, as ações da Petrobras voltaram a operar em baixa na quinta – as preferenciais caíam quase 5% ao fim do pregão.

O presidente indicou o atual diretor brasileiro de Itaipu, general Joaquim Silva e Luna, para chefiar a Petrobras. Roberto Castello Branco deve permanecer no comando da estatal até 20 de março, quando termina sua gestão. Ele era contra mudanças na política de preços da empresa e, por isso, Bolsonaro pediu a sua demissão. A União é o acionista majoritário da Petrobras, sendo, portanto, uma prerrogativa do presidente da República indicar o CEO da companhia.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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