A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) na terça-feira (16) dividiu parte da comunidade jurídica. Exemplo disso é uma divergência no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tornada pública em primeira mão pela jornalista Mônica Bergamo. Em off, fontes falaram à Gazeta do Povo sobre acentuadas posições políticas da gestão atual, presidida por Felipe Santa Cruz, e sobre o que elas consideram defesa de “interesses pessoais”.
Três dos cinco diretores que compõem o Conselho Federal da OAB têm posições contrárias à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de prender o deputado Daniel Silveira. São eles: Ary Raghiant Neto, do Mato Grosso do Sul, José Augusto Noronha, do Paraná, e Luiz Vianna, da Bahia. A necessidade de uma manifestação institucional por meio de nota foi levada à presidência pelos diretores na noite desta quinta-feira (18). Santa Cruz e José Alberto Simonetti, do Amazonas, preferiram o “silêncio” por parte da entidade. No final, a OAB acabou emitindo uma nota pública a respeito do caso, porém, sem se posicionar com clareza sobre a atuação do STF.
“A OAB fala sobre tanta coisa sobre as quais não devia falar e, se há manifestação sobre assuntos que não são de interesse da advocacia, em situações nas quais partidos políticos é que deveriam se posicionar, imagine se a entidade não deveria se posicionar quando se trata da liberdade de uma pessoa”, diz uma fonte próxima à diretoria da entidade, em anonimato.
Na nota, a Ordem reprova acertadamente o comportamento do parlamentar Daniel Silveira, mas não se manifesta com clareza sobre os problemas jurídicos apontados no inquérito das fake news – em que o STF é juiz, vítima e acusador – e nem sobre as questionáveis circunstâncias em que o deputado foi preso. A OAB cita apenas que a atuação da Corte no caso é”passível de inúmeros questionamentos técnicos”.
“[…] A defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito mostra-se uma tarefa constante, que deve ser desempenhada com coragem, de maneira unificada e sem ruídos político-partidários”, afirma o texto.
Em entrevista à revista Veja, Santa Cruz afirmou achar “extremamente coerente a prisão do parlamentar”. “Imunidade parlamentar não é um escudo para a destruição da democracia. É uma proteção democrática, não seu caminho de morte”, disse ele.
Nas redes sociais, ele também falou em “manobra diversionista” e acusou Silveira de ser “fascista”. “No dia em que ficamos sem vacina, também sem previsão de termos tão cedo o retorno da vacinação, o Brasil passa o dia discutindo a prisão de um notório fascista. O nome disso é manobra diversionista. O Brasil não é para amadores”, escreveu, em seu perfil no Twitter. Procurado pela Gazeta do Povo por telefone e e-mail, Santa Cruz não retornou as tentativas de contato.
Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, em anonimato, afirmam que esse não é o primeiro episódio em que há divergência de opinião da diretoria sobre enquadramento jurídico com pano de fundo político-ideológico. Elas lembram que o principal interesse da Ordem deve ser a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito, com atuação pautada na independência.
Divergências decorreriam de posição política acentuada de Santa Cruz
Ainda de acordo com os entrevistados ouvidos pela Gazeta, “nunca, na história da Ordem, a posição política de quem a preside teve tanto peso, foi tão acentuada”. “O DNA da OAB é luta pela defesa das liberdades, como a de expressão, a de imprensa, a de ir e vir”.
“Na perspectiva da maioria dos diretores, o atual presidente se manifesta muito sobre temas políticos, e isso não é bom para a instituição, que não é nem linha de frente da oposição, nem linha de defesa do governo”, salienta. A posição oficial da entidade tem sido, frequentemente, de oposição, não só nas entrevistas de Santa Cruz, mas também em uma dezena de ações impetradas pela OAB contra o governo, que vão de assuntos como a formação de conselhos federais até assuntos de consenso jurídico, como se Bolsonaro pode ou não escolher o segundo ou o terceiro nome em lista tríplice para reitor nas universidades federais.
“A OAB tem que ser independente, criticar quando é preciso e apoiar quando é preciso. Não dá para fazer oposição sistemática a qualquer coisa feita pelo governo. Além disso, deve ser obedecido o primaz do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório”.
As fontes também dizem que boa parte dos advogados discorda da legitimidade dos inquéritos abertos pelo STF. “Até hoje, não foi concedido acesso aos inquéritos por parte dos advogados de defesa. E isso revela ainda mais um estado de ilegalidade”, diz um entrevistado.
“Não é possível que em alguns casos o Supremo seja tão rigoroso a ponto de decretar prisão por uma manifestação ridícula que foi feita numa rede social – a qual deve, sim, ser apurada e, inclusive, deve ser enquadrada em todas as situações possíveis. Mas o que se discute nesse caso é se existem elementos caracterizadores da prisão em flagrante como foi decretado pelo ministro”.
“Daqui a pouco, todos que desagradarem de forma mais ácida ou acentuada o STF estarão correndo o risco de prisão em flagrante. E isso é ruim para a democracia. Porque todas as críticas que se possam fazer, sejam de parlamentares, juízes, advogados, militares, ou quem quer que seja, poderiam vir a ser censuradas ou limitadas por conta desse estado de policiamento que se instaurou com relação a isso”, critica outra fonte. “Sendo muito pragmático, se a ele [Daniel Silveira] foi dado esse ‘remédio legal’, há vários vídeos de todos os partidos, direita, esquerda, que criticaram da mesma forma, e que a eles não foi dado o mesmo tratamento”.
Para a maioria dos diretores, é contrassenso a maneira como a OAB se posicionou, no STF, contra a prisão em segunda instância e, ao mesmo tempo, a forma como a presidência se recusa a emitir manifestação pública a respeito do parlamentar detido.
“O presidente da Ordem foi taxativo ao defender, no Supremo, que apenas quando transitar em julgado a pessoa pode ser presa. E nesse caso, quando se trata de um vídeo que chega a ser ridículo, há defesa da prisão da pessoa em questão”, afirma um terceiro interlocutor.
Nos bastidores, para muitos advogados, Santa Cruz se utiliza da posição à frente da entidade para defender interesses pessoais e, ainda, aos poucos, articular uma possível candidatura ao Senado ou ao governo do Rio de Janeiro. O mandato dele na Ordem se encerra em janeiro de 2022. “A OAB não poderia estar ligada a nenhum interesse político”, lembra um entrevistado.
Leia a nota da OAB:
“A Diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por maioria, decide emitir a seguinte nota sobre o episódio que culminou com o decreto de prisão do deputado federal Daniel Silveira:
- As manifestações e o comportamento do deputado federal Daniel Silveira devem ser absolutamente reprovados, porquanto representam ataques de gravidade inaceitável não apenas à honorabilidade e integridade dos ministros do Supremo Tribunal Federal, mas, também e principalmente, ao próprio sistema constitucional democrático erigido em outubro de 1988.
- A liberdade de expressão garantida constitucionalmente não permite censura prévia, mas admite e exige o controle posterior dos abusos praticados no exercício de qualquer direito fundamental, notadamente quanto revelam possíveis práticas criminosas previstas na legislação.
- É certo, por outro lado, que este mesmo sistema constitucional democrático prevê mecanismos e procedimentos específicos a serem observados pelas instituições competentes para o alcance legítimo de tão importante objetivo.
- Não se desconhece que o Inquérito Policial n.º 4781, que tramita no Supremo Tribunal Federal é passível de inúmeros questionamentos técnicos relativamente à sua instauração e ao rito que a ele vem sendo empregado, não obstante a defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado democrático de direito mostra-se uma tarefa constante, que deve ser desempenhada com coragem, de maneira unificada e sem ruídos político-partidários.
/Diretoria do Conselho Federal da OAB”.
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