A proposta de impressão do voto, amplamente defendida pelo Presidente Jair Bolsonaro e sua base de apoiadores, não é novidade no Brasil – mas nem por isso conseguiu ganhar força o suficiente para alterar o sistema eleitoral.
Chamada de “voto impresso individualizado concomitante com o digitado na urna eletrônica”, a alternativa é diferente de uma votação impressa e manual (como a usada nos Estados Unidos, onde o voto é assinalado por escrito) e foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
A decisão do STF explica por que não são desenvolvidas tecnologias voltadas à ideia, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral.
Experiência fracassada
Em 6 de outubro de 2002, há quase vinte anos, eleitores de 150 municípios brasileiros, de todos os estados, tiveram a experiência de ver o voto registrado na urna eletrônica ser impresso para conferência. No primeiro turno do pleito daquele ano, por meio da alteração da Lei Nacional 10.408/2002, foi testado um sistema que garantiria que ambos os votos, o digitado e o impresso, fossem os mesmos. A ideia era provar a eficiência do processo envolvendo o comprovante impresso do voto.
O que se viu, no entanto, foi uma série de “quebras”, como é chamado o problema técnico de uma urna no dia da eleição. Das cerca de 650 urnas ligadas a uma impressora, 20% apresentaram algum problema e precisaram ser substituídas. Além disso, na hora da apuração, houve atraso e desconfiança, principalmente pelas diferentes formas de voto registradas nos lugares de teste.
“Este é um quantitativo muito alto, porque costumamos ter uma média de quebra em torno de 1,5% a 3% das urnas eletrônicas em uma eleição convencional em todo o Brasil, que tem cerca de 500 mil urnas. Então, comparar isso com os 20% de problema entre 650 urnas de impressão é bastante coisa”, aponta Gilmar José Fernandes de Deus, secretário de tecnologia da informação do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Ele atua desde 1997 com o processo eleitoral no estado.
A experiência em 2002 usou como tecnologia uma impressora acoplada à urna eletrônica. Na ocasião, o eleitor precisou digitar e confirmar o voto na urna eletrônica e, em seguida, confirmar a impressão do voto. Depois, foi ainda preciso que cada um dos eleitores conferisse visualmente o voto impresso, sem ter contato com ele, até que o voto fosse depositado em uma urna lacrada. Além das quebras, a própria confusão em relação ao processo fez com que muitos eleitores saíssem da cabine sem confirmar o voto impresso, causando atrasos.
“Em algumas das sessões em que tivemos problemas na impressão do voto houve o voto misto, porque não tinha como continuar com a urna eletrônica. No final, foi feito um processo misturado, e tanto os votos eletrônicos como os de papel foram somados à mão para se chegar ao resultado final. Isso gera uma demora muito maior e um retrabalho no processo de totalização”, pontua Gilmar.
Inconstitucionalidade e impasses
A proposta do voto impresso constantemente volta à pauta, seja por desconfiança da população em relação ao processo ou como argumento de candidatos. O STF, no entanto, já considerou a proposta inconstitucional, justamente pelo risco que ela representa ao sigilo do voto – a escolha, após impressa, estaria exposta para os fiscais da seção eleitoral.
Embora estivesse incluído na minirreforma eleitoral de 2015 para ser aplicado já em 2018, o voto impresso esbarrou em outro revés. Em 2018, a Procuradoria-Geral da República ajuizou ação contra a proposta, por temer fraude e quebra de sigilo.
Um exemplo da ameaça ao sigilo aconteceu justamente na experiência de 2002. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, para resolver problemas de travamento das urnas e impressoras foi necessária intervenção humana, o que colocou em cheque a legitimidade do processo – ainda mais em comparação com urnas eletrônicas lacradas. É possível ainda que uma parcela de votos tenha sido perdida, o que compromete o resultado como um todo.
Investimento alto e prazo curto
Por fim, existem ainda questões logísticas e financeiras que vão de encontro à proposta de Bolsonaro. O TSE estima um acréscimo de mais de R$2 bilhões para implementar a impressão do voto. É R$1,28 bilhão a mais do que o que a LOA (Lei Orçamentária Anual) autorizou para o processo eleitoral em 2020, por exemplo. O custo adicional precisa cobrir materiais e componentes, equipamentos de impressão, além do desenvolvimento de tecnologias de segurança e treinamento operacional aos voluntários que atuam nas eleições.
“Tendo como horizonte a eleição de 2022, mesmo que mudem o entendimento constitucional, estamos há um ano e meio do processo eleitoral. Teria a questão das licitações, da procura por fornecedores, seria contratada outra empresa para rodar todo o processo e material do voto impresso. São 400 mil seções no Brasil e, caso definam que todo o país teria voto impresso, seria necessário bastante tempo para implementação”, conclui Gilmar.
Enquanto isso, no mundo…
Embora aqui no Brasil a tecnologia represente um grande avanço em termos de segurança e praticidade, não são poucos os países que se abstém de implementar soluções tecnológicas ao processo eleitoral. Um monitoramento do IDEA – Institute For Democracy and Electoral Assistance mostra que, atualmente, em pelo menos 105 países do mundo o voto eletrônico nunca foi utilizado.
O mesmo levantamento aponta que 26 países estudam a aplicabilidade do voto eletrônico. Em apenas 32 deles o voto eletrônico é amplamente utilizado. Pelo menos 10 nações já aplicaram a tecnologia ao processo eleitoral, mas abandonaram a iniciativa por alguma razão. Nos Estados Unidos, exemplo de país que usa o voto impresso, o voto eletrônico é utilizado em conjunto com o voto em papel – assim como nas provas de múltipla escolha, um computador escaneia as marcações em uma folha de papel.
A experiência que mais se aproxima da ideia de Jair Bolsonaro foi posta em prática no estado de Goa, na Índia, em 2017. E, ao que tudo indica, foi bem-sucedida. Naquele ano, ocorreu o pleito para a Assembleia Legislativa de Goa (estado com cerca de 1,4 milhões de habitantes). Na ocasião, foi testado o chamado VVPAT (sigla em inglês para “comprovante de votação verificado pelo eleitor”). Foram mais de 915 mil votos válidos no processo, que contou com o estado inteiro de Goa votando com o sistema de comprovação.
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