Por mais que a moda recente seja a censura realizada pelas Big Techs sobre contas ou publicações conservadoras, alguns métodos mais antigos continuam funcionando plenamente quando se trata de enquadrar quem “sai da linha”. É o caso de alas ideologizadas do Ministério Público que se viram ainda mais livres para promover perseguições após a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a homofobia ao racismo. No Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal local, por exemplo, moveu ação civil pública contra a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ) por causa de uma publicação feita por ela em junho de 2020, alegando discriminação contra a comunidade LGBT.
Na ocasião, a deputada fazia um comentário motivado por casos recentes de pedofilia e afirmava que a prática “está sendo visivelmente introduzida no País como fator de dissolução da confiança nas relações familiares e corrupção moral de toda uma geração de crianças”, e que era “defendida explicitamente por alguns expoentes do movimento LGBT”. Em julho do ano passado, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão pediu que a deputada citasse fontes que embasassem sua afirmação, recomendando que ela se retratasse da “informação falsa” publicada. Os procuradores Ana Padilha, Julio Araujo e Sérgio Suiama alegaram que Chris Tonietto nem ofereceu a informação solicitada, nem se retratou, motivo pelo qual eles moveram ação civil pública contra a parlamentar.
Apontar para a existência de um movimento que busca dar legitimidade social (e legal) à pedofilia nada tem de teoria da conspiração. Trata-se de um esforço real, que já vem de décadas
A linha de raciocínio dos procuradores é extremamente precária e se baseia em uma suposta generalização que não existe no texto original. “A publicação induz falsamente a opinião pública a acreditar que todo o grupo de pessoas homossexuais seria propenso a cometer os graves crimes que giram em torno da pedofilia, gerando preconceito e reforçando estigmas”, afirmam. Ora, está claríssimo pelo texto da publicação da deputada que ela se refere a “alguns expoentes” do movimento LGBT, e não à coletividade dos homossexuais; não há margem alguma para a extrapolação que os procuradores sugerem.
Além disso, Tonietto ainda rechaça a alegação de que ela não teria respondido à indagação inicial dos procuradores, tendo enviado ao MPF um trecho de um dos principais líderes LGBT do Brasil, Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia. No livro Crônicas de um Gay Assumido, de 2003, Mott escrevera que “portanto, desde que haja respeito à liberdade alheia, delicadeza, reciprocidade e ausência de abuso de poder devido à superioridade física ou social por parte da pessoa mais velha, não há razão lógica que justifique a condenação tout court das relações afetivo-sexuais entre adultos e menores de idade”. Essa resposta já deveria ter bastado para que os procuradores se dessem por satisfeitos.
O fato é que apontar para a existência de um movimento que busca dar legitimidade social (e legal) à pedofilia nada tem de teoria da conspiração. Trata-se de um esforço real, que já vem de décadas e é, sim, filho da revolução sexual dos anos 60 do século passado, o que Tonietto também aponta em sua publicação. Demonstração perfeita disso é uma carta de 1977 em que parte substancial da elite intelectual francesa pedia a legalização de todas as relações sexuais entre adultos e adolescentes abaixo de 15 anos na França. Filósofos – alguns deles homossexuais, a maioria deles de esquerda – como Louis Althusser, Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Roland Barthes, acompanhados por médicos e psicólogos, defendiam que mesmo pré-adolescentes deveriam ter o direito de fazer sexo com quem quisessem. Vários deles repetiram a dose em 1979, ao defender, nas páginas do jornal Libération, de esquerda, um pedófilo aguardando julgamento, alegando que as meninas de 6 a 12 anos com quem ele vivia eram felizes em sua companhia, e que “o amor das crianças é também o amor de seus corpos. O desejo e os jogos sexuais livremente consentidos têm seu lugar nas relações entre crianças e adultos”.
O truque, tanto no caso de Mott quanto no dos franceses, é condicionar a legalidade ou licitude moral dessas relações a um suposto consentimento da criança ou adolescente, o que continua sendo um absurdo sem tamanho. O que define a pedofilia não é a existência de violência ou a ausência de consentimento, mas o mero fato de envolver crianças na atividade sexual, pois é bastante óbvio – por mais que Foucault defendesse o contrário – que crianças não têm noção de todas as dimensões envolvidas no ato sexual; até por isso muitos pedófilos preferem não usar de coerção, buscando conquistar a confiança da criança até conseguir seu objetivo. Qualquer “consentimento”, assim, é mera ilusão ou jogo de palavras, pois trata-se de uma aceitação que não é real ou plena.
Portanto, Chris Tonietto tem toda a razão quando afirma haver um movimento em defesa da pedofilia, e também está certa quando afirma que esse movimento inclui “alguns expoentes do movimento LGBT”, ainda que nem de longe se restrinja a eles. Este movimento é que deveria estar na mira do MP, que até poderia usar a publicação da deputada como ponto de partida para uma investigação sobre os defensores dessa prática, mas jamais ter a própria parlamentar como alvo. Argumentar que a deputada estaria estimulando a hostilidade contra todo um grupo é desviar-se falaciosamente do tema central da publicação – que faz um alerta contra uma prática abominável, alerta este que é parte do trabalho de Tonietto como parlamentar – em nome de uma militância identitária que não aceita a divulgação de certos fatos. Essa militância já havia investido contra liberdades básicas em outros casos, como no de um padre em Pernambuco, investigado por divulgar um abaixo-assinado contra a decisão do STF que equiparou a homofobia ao racismo. O bom e necessário combate ao preconceito não pode servir de pretexto para mordaças.
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