Bancos criticam nova regra e podem desistir de financiar carros em alguns estados

Uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), alterando as regras para o registro de veículos financiados, o gravame, provocou críticas da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A norma, publicada em dezembro, pode, inclusive, levar algumas instituições financeiras a deixarem de oferecer esse tipo de financiamento em alguns estados, segundo relataram fontes ao jornal “Valor Econômico“.

O objetivo do gravame é evitar o risco de fraudes, já que a alienação fiduciária do veículo fica registrada enquanto o financiamento não é quitado. As informações são compartilhadas com os departamentos de trânsito dos estados, justamente para evitar irregularidades. Um primeiro registro do financiamento é feito na B3, que é contratada pelos bancos para guardar os dados. Depois, o contrato é registrado junto aos Detrans estaduais.

Pela nova resolução do Contran, os Detrans podem fazer o registro diretamente ou contratar empresas para prestar o serviço, por meio de processos de credenciamento – e não de licitação. Há a possibilidade de uma só empresa ser credenciada para realizar o registro, se o Detran assim decidir. Segundo o texto, nem a B3 nem os próprios bancos podem fazer o gravame.

É no credenciamento que está a preocupação dos bancos. Como os Detrans podem estabelecer qualquer critério para selecionar as empresas registradoras, ou mesmo escolher apenas uma, ficam abertas as portas para aumentos de custos – não se sabe o quanto essas empresas vão cobrar – e corrupção, na visão das instituições financeiras. Que, assim, poderiam desistir de financiar veículos em determinados locais.

Mudança aumenta burocracia e custo, diz Febraban. Ministério defende medida

De acordo com o “Valor”, a Febraban, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e a B3 encaminharam, no dia 8 de janeiro, um ofício pedindo uma reunião como ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, a respeito do tema – o Contran é vinculado à pasta. Ainda segundo o jornal, o documento aponta o risco de “sensíveis impactos no mercado de financiamento de veículos”, questionando, ainda, a constitucionalidade da nova regra.

Em nota encaminhada à Gazeta do Povo, a Febraban afirma que essa alteração é negativa, já que cria mais um intermediário no processo, “aumentando a burocracia e custo”. “A medida também interfere no direito privado, impedindo que empresas capacitadas e que possuam governança adequada atuem nesse mercado”, diz o texto (veja a íntegra abaixo).

Procurada pela reportagem, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) não quis se posicionar sobre o assunto.

O Ministério da Infraestrutura, por sua vez, disse, em nota (íntegra abaixo), que “cabe aos bancos, através de regras rígidas e transparentes de compliance, selecionarem empresas idôneas para realizarem o registro de financiamento de automóveis. Importante frisar que o financiamento bancário é uma atividade privada e não envolve recursos públicos. Os bancos, seguindo as normas da mais alta governança corporativa, são quem definem quais empresas privadas de registro irão escolher para efetivar essa obrigação prevista no Código Civil”.

“A norma recentemente aprovada apenas manteve o que já estava consagrado no modelo anterior. Os Detrans, nos últimos anos, abriram espaço para a ampla competição desse serviço, que é privado, como o gravame. E da mesma forma que não há concorrência pública para a escolha de um financiamento bancário, do registro de um gravame, por decorrência não há para o registro do financiamento de automóveis, escolha que é feita pelos bancos levando em conta o melhor preço e o compliance“, completa a nota.

Ainda segundo o Ministério, os Detrans devem “impedir qualquer tipo de monopólio”, estabelecendo condições para a competição. “Foram esses princípios, favoráveis aos consumidores, nessa operação financeira eminentemente privada, que a resolução do Contran consignou”, afirma a pasta.

Modelo rendeu problemas no Paraná

Esse tipo de operação já existe – e foi, inclusive, alvo de uma investigação realizada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). A Operação Taxa Alta, deflagrada em novembro de 2019, chegou a prender o então diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e ex-diretor do Detran Paraná, Marcello Alvarenga Panizzi, por um suposto favorecimento à empresa Infosolo durante o processo de credenciamento para a realização do gravame. Com isso, a empresa teria obtido R$ 79 milhões em vantagens indevidas.

Além disso, por conta da falta de concorrência, o valor do gravame chegou a R$ 350 no Paraná, provocando protestos de revendedores de carros. Quando assumiu o governo estadual, Ratinho Junior (PSD) prometeu diminuir o valor a R$ 150, por meio do cadastramento de novas empresas. Lei sancionada no final de 2020 estabeleceu que o gravame ficasse em R$ 173,37, valor que está em vigor atualmente.

A Infosolo chegou a ser proibida, judicialmente, de realizar o serviço no Paraná. O Tribunal de Justiça do estado, porém, revogou a decisão. Em dezembro, o MP-PR denunciou Panizzi, a Infosolo e outras 11 pessoas por improbidade administrativa. Eles negam irregularidades.

Leia o posicionamento completo da Febraban:

A Resolução do Contran 807/20 trouxe alguns avanços para o mercado de financiamento de veículos, como a extinção do Renagrav e a consequente diminuição da estrutura de tecnologia necessária para registrar o gravame das operações. Além disso, a medida aperfeiçoou o processo ao permitir que possam efetuar o registro do gravame todas as empresas autorizadas pelo Banco Central a exercer a atividade de registro ou central depositária.

Mas, por outro lado, poderiam ter sido feitas mudanças para conferir maior ganho de eficiência no mercado de financiamento de veículos, o que permitiria ainda mais a diminuição de custos e da burocracia para o consumidor. Um exemplo é o processo que ainda permite ao Detran estadual terceirizar o registro de contratos, atividade que poderia ser efetuada sem a intermediação de empresas credenciadas, reduzindo assim os custos para o cliente final.

Ainda, o preço para o registro do contrato poderia ser realizado diretamente pelos Detrans, tornando o processo mais rápido e barato, além de conferir maior transparência para o consumidor final.

Por fim, avaliamos como negativa a proibição de uma mesma empresa realizar o registro do gravame e do contrato. Além de criar mais um intermediário no processo, aumentando a burocracia e custo, esse impedimento não permite que mais agentes, autorizados pelo BC a exercer a atividade de depósito e de registro de ativos financeiros, ofereçam o serviço de registro de contratos junto aos Detrans. A medida também interfere no direito privado, impedindo que empresas capacitadas e que possuam governança adequada atuem nesse mercado.

Leia o posicionamento completo do Ministério da Infraestrutura:

A Resolução Contran n. 807, de 2020, dispõe sobre os procedimentos para o registro de contratos de financiamento com garantia real de veículo nos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, para anotação no Certificado de Registro de Veículos (CRV) e no Certificado de Licenciamento Anual (CLA).

Conforme estabelece o o § 1º do art. 1.361 do Código Civil e o art. 129-B do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) o registro do contrato é condição obrigatória para constituição da propriedade fiduciária e outras garantias sobre veículos automotores e será realizado no órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal (Detran) competente para o registro e o licenciamento do veículo.

Cabe aos bancos, através de regras rígidas e transparentes de compliance, selecionarem empresas idôneas para realizarem o registro de financiamento de automóveis. Importante frisar que o financiamento bancário é uma atividade privada e não envolve recursos públicos. Os bancos, seguindo as normas da mais alta governança corporativa, são quem definem quais empresas privadas de registro irão escolher para efetivar essa obrigação prevista no Código Civil.

Feito isso, as registradoras efetuam o pagamento da taxa de registro aos Detrans.

A norma recentemente aprovada apenas manteve o que já estava consagrado no modelo anterior. Os Detrans, nos últimos anos, abriram espaço para a ampla competição desse serviço, que é privado, como o gravame. E da mesma forma que não há concorrência pública para a escolha de um financiamento bancário, do registro de um gravame, por decorrência não há para o registro do financiamento de automóveis, escolha que é feita pelos bancos levando em conta o melhor preço e o compliance.

O papel dos Detran, nesse contexto, com o credenciamento, é impedir qualquer tipo de monopólio e estabelecer condições para que haja o máximo de competição, com qualificação e exigências técnicas por parte das registradoras. Foram esses princípios, favoráveis aos consumidores, nessa operação financeira eminentemente privada, que a resolução do Contran consignou.

Para tanto, o Conselho estabeleceu, no Anexo da resolução, os critérios para este credenciamento, que está previsto em lei, conforme o inciso X do art 22 do CTB. O credenciamento das empresas junto aos DETRANs exige habilitação jurídica, fiscal e trabalhista, bem como qualificações econômico-financeiras e técnicas, com destaque para os requisitos para atendimento do que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e que cada empresa possua programa de integridade (compliance), contendo detalhadamente o conjunto de mecanismos e procedimentos de integridade, controle e auditoria, com o objetivo de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública.

O credenciamento das empresas registradoras é um sistema por meio do qual o Detran convoca todos os interessados em prestar serviços para que, preenchendo os requisitos necessários, credenciem-se para executar o objeto quando convocados.

O credenciamento está previsto na lei de licitações na qualidade de inexigibilidade e essa sistemática pressupõe a pluralidade de interessados e a indeterminação do número exato de prestadores suficientes para a adequada prestação do serviço e adequado atendimento do interesse público, de forma que quanto mais empresas atenderem os requisitos e tiverem interesse na execução do objeto, melhor será atendido o interesse público.


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