Nova regra do WhatsApp sobre dados dos usuários contraria a Lei Geral de Proteção de Dados

Novas regras do WhatsApp não vão entrar em vigor em fevereiro| Foto: Pixabay

As novas regras de uso do WhatsApp devem ser o primeiro grande teste para a Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em 2018, mas que entrou em vigor há apenas quatro meses. A atualização nos termos de uso do aplicativo permitirá que a companhia compartilhe com outras empresas dados pessoais do usuário, como o número de telefone, a fotografia e o número de IP (a identificação digital do aparelho), com dados de localização do celular ou outro dispositivo. A aceitação dos termos é obrigatória: quem não concordar não poderá usar o WhatsApp.

Alguns juristas têm afirmado que as regras estão em desacordo com a nova legislação e, na semana passada, o Procon de São Paulo notificou a empresa a apresentar uma justificativa legal para as novas regras. O Facebook, proprietário do WhatsApp, contratou advogados especializados em direito digital para assessorar a companhia e, em um sinal de que cogita rever sua decisão, adiou o início da vigência dos novos termos: de 8 de fevereiro, a data passou para maio.

“Decidimos prolongar o prazo no qual as pessoas deverão revisar e aceitar os termos atualizados. Ninguém terá a conta suspensa ou apagada em 8 de fevereiro de 2021. Também faremos um trabalho intenso para esclarecer todas as informações incorretas sobre como a privacidade e a segurança funcionam no WhatsApp”, afirmou a empresa, em sua página institucional. A empresa, porém, não deixou claro se irá alterar os termos de uso. De acordo com juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, o aplicativo tem razões para a cautela.

A professora Sheila Leal, professora de Direito Digital e Direito do Consumidor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma que as regras do WhatsApp podem acabar contestadas judicialmente. “O artigo 5º da lei [LGPD] é claro ao dizer que dado pessoal é toda informação relacionada a uma pessoa natural, seja ela identificável ou não identificável”, afirma. Por isso, a justificativa do Facebook – de que o compartilhamento de dados não permitirá a identificação do cliente – não resolve o problema.

Ela também questiona o fato de que, ao comercializar os dados com outras empresas, o Facebook não terá como impedir o mau uso dessas informações. “Quando o dado for compartilhado com as empresas parceiras do Facebook, nós não sabemos se essas empresas estarão adaptadas à lei e se vão manter esses dados na segurança que é a expectativa do titular dos dados”, explica a professora.

Sheila ainda observa que, como agravante, as regras divulgadas pelo WhatsApp não permitem a utilização do aplicativo por usuário que não aceitem integralmente os termos de uso (e, portanto, o compartilhamento de seus dados).

Para Spencer Toth, presidente da Comissão Especial de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, um aspecto central do debate depende da definição do que é um serviço “essencial”. Embora haja alternativas ao WhatsApp, como o Telegram, o aplicativo do Facebook é de longe o mais popular, a ponto de ser usado pela Justiça como forma de comunicação: “O Judiciário utiliza o WhatsApp para servir como mecanismo de intimação. Se uma vara só utiliza o WhatsApp, ainda que haja aplicativos equivalentes, isso significa que o WhatsApp é essencial?”, indaga.

Caso o aplicativo seja considerado essencial, aumentam as chances de o Judiciário derrubar a obrigatoriedade do compartilhamento de dados por parte do usuário. “No momento em que o serviço é considerado não essencial, me parece que é possível se criar uma situação em que a não aceitação dos termos implica a não utilização do serviço. Mas é uma área nebulosa”, afirma o advogado.

Para Toth, o debate sobre as novas regras do WhatsApp também joga luz sobre um aspecto inevitável da era digital: as relações entre consumidores e empresas estão cada vez mais distantes do modelo previsto no Código de Defesa do Consumidor. No caso do WhatsApp, por exemplo, o cliente não adquire um produto ou serviço nos moldes tradicionais, já que não há uma transação financeira:  “Dentre as coisas que nós vamos precisar repensar está a própria definição do que é uma relação de consumo. O ‘pagamento’ é a coleta de dados”, observa.

Os novos termos do WhatsApp também são alvo de questionamento na Índia. Lá, citando preocupações com a privacidade, o Ministério da Tecnologia solicitou que a empresa não implemente as novas regras. Na União Europeia, onde as regras de privacidade são muito mais rígidas, o aplicativo não pretende aplicar os novos termos de uso.

Procurado pela Gazeta do Povo, o WhatsApp informou que as novas regras se aplicam apenas à interação dos usuários com perfis comerciais dentro do aplicativo. “Para aumentar a transparência, o WhatsApp atualizou suas Políticas de Privacidade para que descrevam que, daqui para a frente, as empresas podem optar pelos serviços seguros de hospedagem do Facebook para ajudar no gerenciamento das comunicações com seus clientes no WhatsApp. Embora, é claro, continue sendo uma decisão do usuário se ele gostaria ou não de se comunicar com uma empresa no WhatsApp”, diz a nota enviada pela empresa.

A empresa afirma ainda que “esta atualização não muda as práticas de compartilhamento de dados entre o WhatsApp e o Facebook, e não impacta como as pessoas se comunicam de forma privada com seus amigos e familiares em qualquer lugar do mundo”.

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