A censura nas redes sociais e a perseguição a conservadores não são de hoje, mas cresceram a tal ponto que já fazem de 2021 um triste marco na produção de conteúdos para internet. O impacto vai muito além das mensagens em texto, que passaram a ganhar selos de “alerta”, acusadas de “parcialmente falso” ou “conteúdo descontextualizado”, seja lá o que isso queira dizer.
Se você é acostumado a assistir a análises, debates e entrevistas em vídeo deve ter reparado numa mudança de linguagem nas últimas semanas. Em poucos dias deste início de janeiro acompanhei três lives e vi pelo menos 10 vídeos em que as pessoas se policiavam o tempo todo, medindo as palavras para não sofrer punições.
Contra os conservadores a “justiça” das redes sociais é rápida em sentenciar as penas. Vão da interrupção de notificações aos seguidores para que não saibam sobre a publicação dos vídeos (o que na prática impede a informação de circular) à desmonetização do canal, impedindo os produtores de conteúdo de abrirem espaço para anúncios ou serem remunerados conforme o número de visualizações de seus vídeos.
Isso sem falar no sumiço mesmo de vídeos, apagados sem a menor explicação, e no bloqueio ou banimento de perfis, numa clara demonstração de que a censura nas redes sociais está definitivamente implantada, ainda que de forma seletiva.
Conteúdo dos vídeos
Os vídeos a que me referi, recheados de estratégias para driblar a censura nas redes sociais, falavam de política americana e da pandemia, incluindo tratamento da doença (que não pode mais ser nominada), vacinação e o triste caso da falta de leitos, oxigênio e de estrutura dos hospitais de Manaus para atender a alta demanda numa segunda onda da pandemia.
Os protagonistas das lives e dos vídeos não são meros youtubers comentando qualquer coisa em busca de audiência ou fama. São médicos, pesquisadores, professores, economistas, empresários, jornalistas e analistas políticos querendo passar opinião, orientação ou divulgar informações que julgam importantes.
Do fim do ano para cá esses profissionais, sempre que estão diante de uma câmera, escolhem sinônimos ou expressões que deem a entender o contexto da análise em questão, porque algumas palavras simplesmente não podem mais ser ditas.
Palavras censuradas
Vou seguir a mesma linha de raciocínio dos produtores de conteúdo que acompanho e explicar o jogo de palavras que tomou conta dos vídeos, a começar pela linguagem atual das análises sobre política americana.
Para ter certeza de que o vídeo não vai ser censurado, não se menciona mais o nome do presidente que perdeu as eleições. Fala-se apenas Donald ou “o do cabelo laranja”. E e o outro, que saiu vencedor, virou “João Bidê” ou simplesmente 22, numa referência ao número do partido que o elegeu.
Também não se pode mencionar aquela palavra que os apoiadores da ex-presidente Dilma repetiam como mantra (muitos ainda repetem) ao falar do processo de impeachment. Lembram? G-o-l-p-e? Não se pode mais dizer essa palavra em vídeo sobre os Estados Unidos sob risco de cair no algoritmo da censura.
Para questionar a idoneidade do processo eleitoral americano ou da apuração em si, mesmo que tenha evidências ou até provas de que houve algo suspeito ou errado, não se fala também a palavra que começa com “frau” e termina com “de”.
Os tais algortimos, que são a polícia secreta do mundo virtual, pescam essas palavras e condenam o produtor ou tiram o vídeo do ar. Pelo mesmo motivo a palavra f-r-a-u-d-e também foi tirada do vocabulário de muitos analistas, que hoje apenas dizem: “aquilo que se desconfia que houve, mas não se pode falar.”
Quanto à pandemia em si, médicos e pesquisadores que querem orientar ou comentar estudos já publicados comprovando a eficácia de remédios, passaram a falar “naquele comprimido que salva vidas, mas não pode ser mencionado” ou “no mais antigo deles”, “no mais recente”.
Dias atrás vi no Instagram um vídeo da Dra. Raíssa Soares esclarecendo que o protocolo do Ministério da Saúde incluiu a “iver-bula-ctina” e orientando as pessoas com sintomas a procurarem ajuda médica e pedirem a receita para se tratar. E explicando por que precisava falar daquele jeito. Ela, como tantos outros que lutam pelo tratamento precoce, já teve vídeos censurados pela plataforma.
A doença, como já disse, não pode mais ser mencionada. Virou simplesmente “a doença”, com o esclarecimento de que é “esta que parou o mundo”. O vírus também perdeu o nome, passou a ser chamado apenas de vírus mesmo.
Você pode falar em HIV, H1N1, Influenza, Zika, mas corona é só corona. Ou só vírus. É perigoso juntar as duas partes da palavra, porque o algoritmo censor pode derrubar o vídeo, mesmo que não infrinja qualquer regra de uso da plataforma.
“Aquele grande país do Oriente” deixou de ser nominado. Para garantir que o vídeo continue publicado e sendo sugerido para os seguidores, em frente às câmeras dê um jeito de se fazer entender. Faça mímica se for preciso, mas é melhor não mencionar o país onde a pandemia começou.
Não cite o nome nem se for para falar da vedete do momento, a “picadinha” ou “agulhada”, que tem uma versão também vinda desse mesmo lugar. Vão achar que você está fazendo campanha contra a substância que pode vir a ser a redenção da humanidade, só porque você ousou questionar o alto preço, a baixa eficácia, a segurança duvidosa, já que os testes foram poucos e pularam etapas.
Viva o século XXI (#SQN)
Reparou o que está acontecendo neste ano de 2021? Chegamos à terceira década do século XXI. Terceiro milênio. Revolução tecnológica em estágio avançado, ciência acelerada, descobertas científicas maravilhosas, aplicativos incríveis, conexão absoluta, a era da informação e da liberdade plena. Só que não! Liberdade, não. Como dizem por aí… #SQN
Seria cômico se não fosse trágico ver profissionais altamente gabaritados, com mestrado, doutorado, pós-doutorado, uma vida inteira dedicada à clínica médica ou à pesquisa científica, conversando com outros profissionais (de áreas diversas, mas com igual qualificação), todos medindo palavras, com listas na mão do que pode ou não ser dito.
E tudo porque os patrulheiros e checadores da “verdade” estão à solta e famintos. E a polícia das redes sociais também, louca para editar o que é publicado, embora continue fingindo que as plataformas são apenas canais que hospedam publicações de terceiros, sem qualquer controle de conteúdo.
Na verdade os donos e gestores das redes sociais dizem isso para fugir da responsabilidade sobre o conteúdo publicado, tal qual acontece com veículos de imprensa e blogs, que assumem as consequências sobre o que está sendo dito em seus canais, inclusive responsabilidade criminal caso sejam processados por injúria, calúnia ou difamação.
Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e cia. ltda. não assumem isso. Alegam que não escolhem o que é publicado, por isso não são responsáveis pelo conteúdo, não podem ser processados. A pergunta que não respondem é: se não escolhem mesmo o que é publicado, por que estão censurando alguns perfis e publicações?
E não adianta virem com a desculpa de que são empresas privadas, que estabelecem regras de uso e, por isso, quem publica lá tem que aceitar essas regras. As tais regras das redes sociais proíbem que se propague ódio, violência, estimule suicídio ou automutilação, enalteça vandalismo, terrorismo, pornografia, assédio ou abuso sexual, mas discursos de ódio é o que mais se vê, sendo publicados e compartilhados livremente.
É sempre oportuno lembrar do estímulo recente, não censurado, ao suicídio de presidentes da República (americano e brasileiro) e das fotos “sensíveis” com a cabeça do presidente Bolsonaro cortada, sendo usada como bola de futebol. Zero de censura. É como se, para alguns, a regra do “proibido estimular suicídio ou incitar ódio” não existisse.
Nenhuma dessas regras de uso das redes sociais estava sendo desrespeitada nos vídeos e lives que eu vi recentemente e que me chamaram a atenção pelos malabarismos linguísticos que as pessoas estão precisando fazer para conseguir se expressar.
Reações à censura nas redes sociais
Por sorte, até o momento, ninguém desistiu de emitir opinião ou lutar pela liberdade de expressão. Não que eu saiba. Não ainda! Termino esse artigo com três exemplos de reação à ditadura seletiva e à censura padrão século XXI.
Primeiro o comentário da deputada estadual de São Paulo, Janaína Paschoal, sobre o caso da censura a uma publicação do Ministério da Saúde no Twitter. Apenas para relembrar, era uma orientação de saúde, pedindo para as pessoas com sintomas da doença do momento não esperarem ter falta de ar para procurarem um médico e buscarem tratamento logo nos primeiros sintomas.
Disse a deputada: “Gostaria de saber quem são os médicos que compõem a equipe do Twitter, que escolhe quais postagens são, ou não, enganosas! Parece até piada! O Twitter, agora, quer censurar o Ministério da Saúde!”
Depois de banir o presidente dos Estados Unidos dizendo que ele disse o que ele não disse, é claro que a plataforma ficou muito à vontade para censurar publicação de um ministério brasileiro, mesmo não sendo qualquer um e sim o ministério responsável pela Saúde das pessoas.
Deveria ser crime empresas hoje consideradas a praça pública de antigamente impedirem que autoridades de saúde se comuniquem com a população, levando informações importantes especialmente durante uma pandemia.
Outro exemplo de reação à censura foi o comentário de um leitor da Gazeta do Povo num editorial que falava justamente sobre a importância de estarmos vigilantes quanto à censura e à arbitrariedade, não no mundo virtual, mas no real. O texto referia-se à prisão ilegal do jornalista Osvaldo Eustáquio, por ordem do STF, sem qualquer acusação formal contra ele.
Escreveu o leitor: “A censura e a perseguição de conservadores e líderes de direita é uma realidade no Brasil atual, mas estamos nos organizando e vamos reagir com força contra a mentira e o totalitarismo. O Brasil não será a próxima Venezuela. Vale a pena lutar por nossa liberdade”.
Por fim trago o exemplo da jornalista americana Candance Owens, que se tornou uma voz importante entre os conservadores, é perseguida pelos algoritmos e pelos patrulheiros das redes sociais, mas não se rende. Em vídeo, legendado em português, que circula no WhatsApp, ela fala longamente sobre o tema.
“Facebook is trying to delete me. Big Tech is trying to delete us, our movement. We must stop them.” (O Facebook está tentando me deletar. A Big Tech está tentando nos deletar, nosso movimento. Nós temos que pará-los).
Candance Owens, jornalista americana, em vídeo que circula no Whatsapp
Nesse vídeo a jornalista traz toda a história de como começou a perseguição a conservadores nos Estados Unidos, com a invenção de que eles publicavam notícias falsas, a criação das “agências de checagem” (que já ganharam o apelido de agências de “left checking”, “checagem da esquerda”, porque conteúdos alinhados com ideologia de esquerda não são banidos mesmo sendo mentirosos…) e culminou com a caça aos conservadores em geral, via controle de palavras pelos algoritmos.
Reforço o que disse a jornalista no início do vídeo. As Big Techs, as grandes plataformas, estão tentando nos calar. Precisamos impedir essa censura. É imprescindível agir enquanto há tempo. Pressionar deputados para aprovarem uma lei que tire das redes sociais o poder de editar conteúdo ou as responsabilize por fazer edição.
Só assim pensarão duas vezes antes de censurar de forma selecionada quem tem ou não direito à expressão de pensamento, impedindo a livre manifestação de opinião de quem pensa de forma diferente. Isso, por óbvio, desde que a publicação não faça apologia a crimes – o que, aliás, já é proibido não só pelas regras de uso dessas plataformas, mas pela própria Constituição brasileira.
E é preciso que conservadores continuem a falar, mesmo na certeza de que irão desagradar os gerentões das redes sociais. Eles não são os donos da verdade e os “checadores” pagos por eles não são especialistas em nada, muito menos têm autoridade para decidir sobre a nossa capacidade de análise dos fatos ou sobre a nossa saúde.
Cristina Graeml
Cristina Graeml é jornalista formada pela UFPR (1992). Trabalhou como repórter de TV por 26 anos, fazendo coberturas nacionais e internacionais. Em 2010 fez parte da equipe que ganhou o Prêmio Esso e o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, entre outros, pela série Diários Secretos da Assembleia Legislativa do Paraná. Está na Gazeta do Povo desde 2018. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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