Publicado originalmente em 2004 nos Estados Unidos, quando Ben Shapiro tinha apenas 20 anos, “Lavagem cerebral – Como as universidades doutrinam a juventude” pode parecer datado e até um pouco ingênuo em alguns momentos, mas faz um diagnóstico que permanece atualíssimo: o meio acadêmico se transformou em uma fábrica de produção em série de “liberais” (no sentido americano da palavra, o conceito inclui os progressistas e militantes esquerdistas).
Desnecessário dizer, o mesmo diagnóstico é perfeitamente aplicável ao caso brasileiro, sobretudo (mas não exclusivamente) nos cursos de Humanas, onde qualquer opinião conservadora ou de direita é simplesmente rejeitada, demonizada ou simplesmente censurada. Trata-se, basicamente, o fim da liberdade de expressão, a primeira e uma das mais graves consequências da doutrinação em sala de aula. Lá como cá, cercear, intimidar e coagir quem pensa de forma diferente, vejam só, virou prática cotidiana de quem se arvora em defensor da democracia.
Shapiro se baseia na sua própria experiência como estudante de graduação em Direito na UCLA – Universidade da Califórnia em Los Angeles. Seu livro ataca, da primeira à última página, a mentalidade lacradora que domina crescentemente os campi e que está tornando o mundo um lugar cada vez mais chato, irrespirável e insuportável de se viver Autodeclarados legisladores da sociedade, grupos minoritários e barulhentos querem decidir por decreto e no grito o que a maioria pode ler, assistir, falar, vestir e até pensar – tudo com o beneplácito da mídia e das elites de consciência pesada.
Shapiro conta, por exemplo, que um professor da UCLA elogiou um artigo seu publicado no jornal do centro acadêmico. Ele agradeceu e perguntou se poderia divulgar o elogio publicamente; o professor respondeu, constrangido: “Sou pai de três filhos e tenho carreira no quadro de gestores da universidade. Temo não ser capaz de lidar com o provável estrago que a minha sinceridade causaria sobre minha carreira”. Shapiro conclui: “É triste dizer, mas a liberdade de expressão significa suicídio profissional para aqueles que pagam as contas com o salário da universidade.”
Ou seja, depois do “ódio do bem”, estão se disseminando velozmente a “censura do bem”, a “mentira do bem”, a “intolerância do bem”, o “preconceito do bem”, a “calúnia do bem”, a “perseguição do bem”, o “linchamento do bem”. Como Shapiro demonstra de forma convincente, isso tem relação direta com o experimento de lavagem cerebral que vem sendo realizado há décadas nas salas de aula, experimento que precisa ser compreendido e combatido urgentemente.
O antigo ideal da educação como promotora de um ambiente de investigação aberta e livre foi soterrado por uma agenda monoliticamente progressista
É estranho (e assustador) constatar que já a dedicatória de “Lavagem cerebral” pode soar ofensiva à esquerda lacradora-progressista – “Aos meus pais, que me ensinaram a diferença entre o certo e o errado, e que me deram forças para confrontar a mentira”. Em duas linhas, o autor toca em três temas sensíveis para a geração mimimi:
1) a família, objeto desde sempre do ódio da agenda progressista, que adota a estratégia deliberada de jogar os filhos contra os pais;
2) as noções de certo e errado, já que hoje tudo depende do grupo a que você pertence: o que é certo para aliados pode ser errado para adversários, e vice-versa; e
3) os conceitos de verdade e mentira, hoje também flexíveis e condicionados à filiação ideológico-partidária, isto é, nada é verdade ou mentira em si, tudo depende do “lugar de fala”.
Criticando a defesa do relativismo moral amplamente adotada pelos professores universitários, Shapiro revela como está arraigada na cabeça daqueles que ensinam nossos filhos a cultura tóxica de ódio contra os valores ocidentais e contra qualquer sentimento patriótico ou religioso. Escravos de uma agenda ideológica, eles são incapazes de fazer análises objetivas da realidade.
O autor cita como exemplo desse fenômeno a defesa cega de programas assistencialistas que perpetuam a pobreza e legislações referentes ao salário mínimo, ignorando solenemente as consequências econômicas dessas políticas. Shapiro também documenta e analisa a pregação, sem qualquer cerimônia, da ideologia de gênero, da defesa do aborto e outras bandeiras progressistas, incluindo até mesmo a defesa do terrorismo (desde que praticado por muçulmanos radicais ou minorias oprimidas): “Os alunos que entram na universidade são atacados com o viés político do instante em que entram no campus até o momento que dele saem. O efeito é devastador.”
(No caso da ideologia de gênero, já há vários anos as universidades públicas brasileiras agem como plataformas para a defesa dessa bandeira. Basta lembrar, como exemplo particularmente grotesco, que em 2017 a Faculdade de Educação da USP promoveu o evento chamado “Criança Viada Travesti na Escola”. O site da faculdade exaltava as crianças que “desafiavam os estereótipos de masculinidade e feminilidade”, sendo importante “falar sobre orientação sexual e identidade de gênero na infância e adolescência em espaços educativos”. Somente naquele ano, a USP custou R$ 4,8 bilhões aos pagadores de impostos do estado de São Paulo.)
Sempre segundo o autor, o espectro de ideias hoje apresentadas e discutidas nas universidades se estende apenas da esquerda à extrema esquerda: é uma dieta exclusiva de esquerdismo, que faz com que os jovens conheçam só um lado da história. O antigo ideal da educação como promotora de um ambiente de investigação aberta e livre foi soterrado por uma agenda monoliticamente progressista.
Ou seja, a tão propalada defesa da diversidade não se aplica ao campo das ideias e do pensamento: “Algo está muito errado com a nossa cultura universitária”, escreve Shapiro. “Como esperar que os alunos ampliem seu entendimento da realidade quando a atmosfera universitária ensina que a verdade é uma construção social?”
Shapiro prossegue: “Uma gigante porcentagem de professores universitários acredita que o Islã é bom e o cristianismo ruim; não aceita o capitalismo vencendo o socialismo (uma vez que aquele, e não este, está acabando com séculos de pobreza); e adora a diversidade, mas, ao mesmo tempo, cria com fervor normas rígidas contra a diversidade de expressão. Após jogar na lata de lixo os absolutos morais, o professor universitário está livre para defender o que for, até mesmo o assassinato: muitos professores passaram a argumentar em favor de bandidos e criminosos”.
Outro ponto fundamental do livro é que as narrativas identitárias de vitimização que hoje se multiplicam fazem com que as pessoas se identifiquem como membros de grupos em conflito, e não como indivíduos racionais orientados para o bem comum.
Muitas das opiniões de Shapiro são controversas e, certamente, sujeitas a críticas, como sua oposição ferrenha à união civil entre pessoas do mesmo sexo, suas generalizações sobre os muçulmanos e sua afirmação de que todos as pessoas transgênero sofrem de alguma desordem mental. Mas isso apenas reforça a importância de sua mensagem: é preciso haver liberdade para a livre manifestação de ideias e opiniões – mesmo quando elas são diferentes das nossas. Não é pelo cancelamento, pela perseguição e pela censura velada (ou não tão velada) que se resolvem as diferenças em uma democracia saudável.
Luciano Trigo
Luciano Trigo é escritor, jornalista, tradutor e editor de livros. Autor de ‘O viajante imóvel’, sobre Machado de Assis, ‘Engenho e memória’, sobre José Lins do Rego, e meia dúzia de outros livros, entre eles infantis.**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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