Lideranças de caminhoneiros autônomos do país têm se mobilizado para realizar uma nova greve em 2021. A paralisação está marcada para o dia 1º de fevereiro, e vem sendo convocada por associações e trabalhadores em grupos de WhatsApp. Entre as entidades que encabeçam o movimento está o Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), que já formulou um documento com dez reivindicações dos caminhoneiros.
A lista de insatisfações é longa. “Estamos no mesmo ponto que chegamos em 2018”, avalia o caminhoneiro Marcelinho da Paz, que representa os profissionais de Santos no Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargas, se referindo à greve que provocou desabastecimento por todo o país. Apesar disso, a realização da greve não é consenso entre a categoria: há lideranças, como o próprio Marcelinho, que defendem que a paralisação não seja realizada, ao menos agora.
A Gazeta do Povo conversou com outras lideranças dos caminhoneiros e explica como está o cenário em cinco pontos. Confira:
1. Quais são as reivindicações dos caminhoneiros?
A pauta apresentada pelo CNTRC tem dez itens:
- Implementação do piso mínimo para o frete, estabelecido na lei 13.703/2018. O tema está sendo debatido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5956, no Supremo Tribunal Federal (STF), desde a aprovação da lei. A ação foi movida pela Associação do Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil (ATR Brasil), que congrega empresas de transporte.
- Revogação do artigo 10 da resolução 5879 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que suspende obrigações relacionadas ao Código de Identificação de Operação de Transporte (CIOT) para parte dos profissionais.
- Críticas ao BR do Mar, programa do governo federal, já aprovado na Câmara, que busca incentivar a navegação de cabotagem no país.
- Mudança na Política de Preço de Paridade de Importação (PPI), estabelecida pela Petrobras em 2016. Pela política, os preços dos combustíveis são revisados uma vez por mês, tendo como parâmetro os valores praticados no mercado internacional.
- Contra a contratação direta dos profissionais, “para evitar abuso do poder econômico”.
- Direito de aposentadoria especial para caminhoneiros, que foi alterado na Reforma da Previdência.
- Pela aprovação do Marco Regulatório do Transporte, o PLC 75/2018, que está em análise no Senado.
- Contra a falta de aplicação das regras de jornada de trabalho, incluindo horários de repouso.
- Discussão das resoluções 701/2017 e 499/2015, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabelecem requisitos de segurança para o transporte de produtos siderúrgicos e de cargas de sólidos a granel.
- Fiscalização “mais atuante” da ANTT.
Em vídeos que circulam no WhatsApp, caminhoneiros reclamam da alta nos preços do diesel e de alimentos. “Com a pandemia e a crise, estamos sofrendo com o aumento dos custos. Não conseguimos acompanhar os valores dos combustíveis e alimentos. Não podemos nos calar nesse momento”, diz Plinio Dias, presidente do CNTRC.
2. A decisão pela paralisação é consenso entre os caminhoneiros?
Lideranças da categoria apontam que a insatisfação é generalizada entre os caminhoneiros. As discussões sobre a greve, entretanto, mostram como a mobilização dos trabalhadores é fragmentada – algo que já havia aparecido durante o movimento ocorrido em 2018.
Wallace Landim, conhecido como Chorão, afirma que a categoria está “muito debilitada” e que “chegou no limite”. Segundo ele, porém, não há consenso de que a paralisação, agora, seja a melhor solução. “Estamos conversando com as lideranças dos estados, pra ver qual é o grau de adesão e o posicionamento real da categoria. (…) O que estamos conversando é que temos que ter muita responsabilidade. Tem a questão da pandemia, de entrega das vacinas. Temos que fazer uma avaliação para não levar a categoria ao abismo”, afirma. Chorão é presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava).
Marcelinho da Paz, que atua no porto de Santos, avalia que a greve será válida se houver organização. “Não adianta fazer um movimento sem adesão. Por enquanto, só temos informação de grupos de WhatsApp. Temos que sentir as bases, porque não adianta a maioria não querer parar e uma minoria querer. Aqui em Santos, por exemplo, não vai ter paralisação”, diz.
A Associação Nacional de Transporte no Brasil, por outro lado, tem apoiado o movimento. Em vídeos distribuídos pelo WhatsApp, o representante da entidade, José Roberto Stringasci, defende que os caminhoneiros não façam carregamentos e fiquem em casa ou, então, que permaneçam parados em postos de gasolina. À Agência Estado, Stringasci afirmou que a paralisação marcada para fevereiro pode ser maior do que a de 2018.
3. Em que pé estão as negociações com o governo?
De acordo com Plinio Dias, do CNTRC, ainda não houve nenhuma reunião com o governo a respeito da paralisação do dia 1º de fevereiro. Ele afirma que os caminhoneiros “estão abertos ao diálogo”, e que aguardam um posicionamento do Executivo federal.
Quem tem representado o governo de Jair Bolsonaro nas conversar com os caminhoneiros é o Ministério da Infraestrutura, comandado por Tarcísio Gomes de Freitas. Segundo o portal UOL, o governo tem monitorado a possibilidade de mobilização, mas avalia que não há grande adesão dos caminhoneiro à greve. Ainda de acordo com o UOL, o Executivo avalia aplicar multas pesadas para profissionais que fecharem rodovias.
4. O que diz o governo federal?
Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Infraestrutura encaminhou nota em que afirma promover “uma agenda de permanente diálogo” com as principais entidades da categoria, por meio do Fórum do Transporte Rodoviário de Cargas.
” O restabelecimento do fórum, desde 2019, tem sido o principal canal interativo entre governo e o setor. Qualquer associação representativa que deseje contribuir para a formulação das políticas públicas pode requerer a sua participação para debater eventuais temas de interesse da categoria”, completa o texto encaminhado pela pasta.
5. O apoio dos caminhoneiros a Jair Bolsonaro acabou?
Nas eleições de 2018, os caminhoneiros foram uma das categorias que apoiou o então candidato Jair Bolsonaro. A avaliação das lideranças, agora, é de que os profissionais estão decepcionados com o Executivo – e que se sentem, em alguma medida, traídos pelo presidente.
“Fizemos campanha para o governo, trabalhamos de graça, colocando nome em lona. A votação do BR do Mar e as conversas que tivemos com o ministro Tarcício e com o líder do governo, Ricardo Barros, sinalizaram que eles não estão nem aí para a categoria. O que eles querem é trabalhar para os grandes empresários”, se queixou Chorão, em conversa com a Gazeta do Povo. “O governo Bolsonaro está nos devendo muito. Tem muito o que fazer para conquistar a nossa confiança de novo”, concorda Marcelinho da Paz.
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