Tentativa de negociação, em curso há cerca de dois meses, envolve rompimento de barragem que matou 270 pessoas em janeiro de 2019
RIO – Em curso há cerca de dois meses, a tentativa de um acordo judicial entre a Vale, o Estado de Minas Gerais e órgãos como Ministério Público e Defensoria no caso Brumadinho terá uma semana decisiva, com reuniões diárias. A meta é fechar até quinta-feira, 14, o texto definitivo sobre as regras gerais de governança do acordo, que já tem mais de 60 páginas, para começar a discussão dos valores. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o secretário-geral do Estado de Minas, Mateus Simões, afirma que se a proposta da mineradora não ficar acima dos R$ 26,7 bilhões em danos materiais calculados pelo governo, as negociações serão abortadas.
“É impossível falar em qualquer tipo de negociação sem superar pelo menos o valor dos danos materiais (…) As discussões do acordo vão ser interrompidas efetivamente. Não teremos mais conversas e vamos aguardar a decisão judicial”, afirma Simões, destacando acreditar que haverá consenso.
Somados os danos morais aos materiais, o pedido de reparação no processo chega a um total de R$ 54,7 bilhões. Segundo Simões, a primeira proposta da Vale ficou na casa dos R$ 21 bilhões. A decisão do governo de Minas é cessar as tratativas se não houver acordo até o marco de dois anos da tragédia que matou 270 pessoas em 25 de janeiro de 2019. “Não é o melhor caminho, porque a reparação para a sociedade atrasa. A Vale também fica com uma faca pendurada sobre sua cabeça. Me parece que não é do interesse de ninguém alongar esse processo por mais tempo”, diz.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Em que estágio estão as tratativas para um acordo judicial com a Vale no caso Brumadinho?
Estamos trabalhando para finalizar a redação do texto (do acordo) esta semana para, então, entrar na discussão de valores, onde ainda não há consenso. O valor original oferecido pela Vale é de pouco mais de R$ 21 bilhões, enquanto o pedido do Estado e das instituições jurídicas é de R$ 26,7 bilhões só a título de danos materiais, além de R$ 28 bilhões em danos morais. É impossível falar em qualquer tipo de negociação sem superar pelo menos o valor dos danos materiais. Não tem nem conversa possível fora desse patamar.
Se a Vale não concordar em partir dos R$ 26,7 bilhões, não há acordo?
As discussões do acordo vão ser interrompidas efetivamente. Não teremos mais conversas e vamos aguardar a decisão judicial.
O governo está disposto a abrir mão de parte do valor calculado como dano moral se o dano material tiver a resposta devida?
Especialmente porque não temos parâmetro jurisprudencial adequado para saber quanto o juiz daria de dano moral. É uma incerteza absoluta. Falta para nós (Estado) um track record (histórico) da indenização e falta à Vale a segurança do que vai acontecer dado o tamanho do desastre.
A tentativa de conciliação já dura mais de 60 dias. Até quando pode se arrastar?
Há uma decisão do governo de Minas de não manter a negociação em aberto depois do marco dos dois anos da tragédia (25 de janeiro). Se até lá não conseguirmos chegar a um acordo, é melhor aguardar a decisão judicial, que certamente será a maior condenação da história da Justiça brasileira contra uma empresa.
Há estimativa de quanto tempo o processo poderia levar?
Temos confiança em que a decisão de 1ª instância sairia ainda este ano. O risco que corremos é na demora dos recursos, que no Brasil são sempre um problema. Não é o melhor caminho, porque a reparação para a sociedade atrasa. A Vale também fica com uma faca pendurada sobre sua cabeça. Parece-me que não é do interesse de ninguém alongar esse processo por mais tempo.
O que ficou definido em termos de governança do acordo?
Se chegarmos a um acordo com a Vale, não teremos os problemas que temos com a Samarco e com a Fundação Renova (criada por Vale e BHP para executar as reparações do desastre de Mariana). A forma de execução foi muito simplificada. Dividimos o acordo em três grandes tipos de obrigações: as que serão cumpridas diretamente pelo Estado (obras de infraestrutura e mobilidade) com o dinheiro entregue pela Vale; obrigações que serão cumpridas pela Vale, com fiscalização externa (fundamentalmente a reparação ambiental); e projetos que vão ser definidos pelas comunidades atingidas (a partir de um fundo que receberá recursos da mineradora). Isso acaba com as várias esferas de governança que temos na Renova e fazem com que o projeto não caminhe.
Como vai ficar o pagamento do auxílio emergencial aos atingidos?
Deverá haver um valor para a manutenção do auxílio emergencial, ainda que se adote, a partir do acordo, um mecanismo de redução gradual dos que serão atendidos por ele, à medida em que os investimentos (para recuperar as localidades atingidas) forem se concretizando. Não é factível acreditar que o auxílio acabe para todo mundo em menos de quatro anos, até porque o horizonte de execução do acordo é de quase dez anos, com mais da metade (das obras executadas) nos primeiros 36 meses.
Em caso de acordo, o que acontece com as outras ações civis públicas movidas contra a Vale?
Estamos falando de uma extinção bem ampliada dos pedidos em todas as ações, mas não completa. Há uma parte dos pedidos que não são financeiramente apuráveis e vão permanecer (em curso), mas diria que é menos de 10% do total de pedidos das quatro ações (movidas pelo governo de Minas, Ministério Público e Defensoria). Algumas medidas ambientais não se conseguem quantificar. Também está fora do acordo qualquer efeito futuro sobre a saúde das pessoas. Só estamos transacionando sobre aquilo que conseguimos medir.
Já há definição sobre a manutenção dos R$ 11 bilhões dados pela Vale em garantia judicial até aqui?
Essa foi uma das pautas da nossa última reunião, na semana passada. As garantias terão de ser discutidas junto com o valor. Alguma garantia precisa ser mantida porque nem tudo vai ser pago em dinheiro (no eventual acordo), mas o tamanho dela depende do valor na mesa. Concordamos com a ideia de ir regredindo a garantia à medida que o acordo vá sendo cumprido.
Os projetos de infraestrutura e mobilidade propostos pelo Estado ficam todos nas regiões atingidas pelo rompimento da barragem?
Temos uma lista de mais de 100 projetos que o governo gostaria de ver contemplados. Mais de 40% dos valores aplicam-se exclusivamente à região atingida. Alguns investimentos precisam extrapolar a área atingida porque, com a perda de arrecadação que (a tragédia) representou ao longo dos últimos anos, o Estado inteiro foi sacrificado. Dinheiro de outras regiões teve de virar aporte da região atingida, mesmo com o Estado tendo perdido quase 3% da arrecadação (anual prevista). Quantitativamente, Brumadinho receberá a maior parte. Os projetos de reparação de dano ambiental são calculados em separado e estão fora do teto do acordo. A obrigação é de reparação completa.
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