Quem é Jack Dorsey, o dono do Twitter

Nascido em 19 de novembro de 1976 em uma família católica de classe média estabelecida em St. Louis, no estado americano do Missouri, Jack Patrick Dorsey foi uma criança tímida e silenciosa, principalmente por conta da gagueira. Por outro lado, desde cedo, Jack manifestou outras características que se mostrariam cruciais para seu futuro: era obstinado e curioso.

O insucesso dos tratamentos médicos para sua dificuldade de fala o levaram a se inscrever em diversas competições de oratória na Bishop du Bourg High School, onde completou o ensino médio já livre do problema.

Apaixonado por mapas graças à necessidade que o emprego do pai, um desenvolvedor de espectrômetros de massa, impunha à família de viajar constantemente, aos 15 anos, Dorsey desenvolveu programas de software para envio de táxis e serviços de combate a incêndios. O fascínio por tecnologia o levou a integrar também o clube de informática da escola, onde estudou os modelos de computadores então produzidos pela IBM.

Da Missouri University of Science and Technology, onde se matriculou depois de sair da escola, foi transferido para a University of New York. Lá, pela primeira vez, teve a ideia de compartilhar mensagens curtas com amigos. A exemplo de seu ídolo Steve Jobs, o fundador da Apple, e de muitos programadores de sua geração que se tornariam magnatas da tecnologia, não concluiu o curso — abandonou-o para viver na Califórnia, dedicado à inovação tecnológica.

Antes de levar sua nova ideia à cabo, no início dos anos 2000, Dorsey ganhou a vida como freelancer no Vale do Silício. Chegou até a abrir uma empresa para despachar táxis, serviços de entrega e emergências usando seu próprio software. Falido, fez cursos de massagem terapêutica — sem nunca abandonar o plano de criar uma rede de mensagens curtas em tempo real.

Foi então que Dorsey procurou o Odeo, um extinto site de buscas, e apresentou sua ‘“invenção”. “Ele veio até nós com a seguinte ideia: ‘E se você pudesse compartilhar seu status com todos os seus amigos com facilidade, para que eles saibam o que você está fazendo?'”, conta Biz Stone, ex-executivo da Odeo.

Dorsey, Stone e o cofundador da Odeo, Evan Williams, logo começaram uma nova empresa, chamada Obvious, que serviria como hospedeira do Twitter. Em duas semanas, Dorsey construiu um site simples onde os usuários podiam postar mensagens instantâneas de até 140 caracteres. Em 21 de março de 2006, Jack Dorsey (dono do usuário @jack, o 12º criado na rede — os onze primeiros foram testes)  postou o primeiro tweet do mundo: “apenas configurando meu twttr.”

Do primeiro tweet ao bilhão

Em dois anos, a rede que começou como uma invenção pequena e sem importância se transformou, literalmente, no palco de uma revolução.

Pouca gente se lembra, mas o Twitter foi ridicularizado como um meio de fomento ao egocentrismo superficial — o apresentador e comediante Conan O’Brien tinha um quadro chamado “Twitter Tracker”, no qual zombava dos usuários do serviço. Havia ainda as constantes interrupções no serviço.

Aí, vieram as celebridades e CEOs. E, de repente, o portal de microblogging se tornou uma plataforma poderosa para os candidatos à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama e John McCain, em 2008, uma competição que consagrou o democrata não apenas como presidente, mas como o primeiro político a se utilizar maciçamente das redes sociais em campanha.

Corta para junho de 2009 quando, após as eleições presidenciais no Irã, milhares de partidários da oposição tomaram as ruas para protestar contra a vitória fraudulenta de Mahmoud Ahmadinejad. Tão logo o governo bloqueou as mensagens de texto e os feeds de satélite da cobertura de notícias estrangeiras, os usuários iranianos do Twitter inundaram o site com atualizações ao vivo.

Até que um funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, sob a chefia de Obama, enviou um e-mail a Dorsey solicitando que o Twitter atrasasse sua manutenção programada para que os manifestantes pudessem continuar online. “Foi apenas uma mensagem para dizer: parece que o Twitter está desempenhando um papel importante em um momento crucial no Irã. Você poderia mantê-lo funcionando?” descreveu o porta-voz. Dorsey obedeceu.

Ocorre que, naquele mesmo ano, Dorsey seria afastado do cargo de CEO do Twitter, embora tenha permanecido como presidente do conselho. Depois da crise de 2008, os investidores começaram a pressionar a empresa a criar um plano para rentabilizar seu negócio e Dorsey era visto como um entrave. Dizia-se que saía mais cedo do trabalho para frequentar aulas de ioga e fazer aulas de desenho, e se preocupava pouco com os resultados financeiros.

Só regressaria à empresa em 2011, para melhorar a plataforma após o fiasco de seu substituto. Dois anos antes, havia se juntado ao engenheiro Jim McKelvey para criar a Square, uma empresa de pagamentos de digitais que segue sob o comando de Dorsey.

Do primeiro tweet ao primeiro bilhão, passaram-se sete anos: em novembro de 2013, a fortuna de Dorsey se multiplicou consideravelmente com a entrada do Twitter na bolsa de valores. As ações da empresa subiram de 26 para 45 dólares em poucos dias, tornando Dorsey — o dono de mais de 23 milhões delas — o novo bilionário do Vale do Silício. Dois anos depois, foi nomeado CEO interino do Twitter onde, até antes da pandemia, passava as manhãs de segunda a sexta — às tardes, atravessava a rua para trabalhar na Square.

Gostos e causas

À esta altura, Jack Dorsey já havia removido o piercing no nariz e trocado as camisetas brancas (sua versão da gola rulê preta de Jobs) por ternos bem cortados de grife. Os cabelos com corte desalinhado ficaram mais curtos e a barba desapareceu, em uma clara tentativa de se encaixar no perfil chique e minimalista do império tecnológico californiano. Restou a tatuagem no antebraço, sobrepondo o osso da clavícula.

Em 2018, Dorsey foi chamado ao Congresso Americano para responder às acusações de que o Twitter estaria impondo sanções a candidatos republicanos e perfis conservadores.

Em 2020, a pandemia do coronavírus reverteu por completo a transformação: Dorsey foi comparado a Rasputin, monge e conselheiro do Império Russo, ao aparecer em videoconferência com o Senado americano com uma longa barba desalinhada e piercing.

Com ou sem brinco, Jack Dorsey sempre foi um homem de gostos peculiares. Possui diploma de massagista profissional e já foi interessado por ilustrações botânicas. Sua rotina inclui meditações duas vezes ao dia, alguns minutos de exercícios diários regidos por aplicativo e caminhadas. Gaba-se de ter um quarto “simples”, sem “nenhuma distração”.

Jack já passou dez dias meditando em silêncio em Myanmar, na Ásia (evento do qual, é claro, publicou várias fotos), e tem o hábito de intercalar banhos de gelo com minutos em sua sauna particular todos os dias (a primeira sessão é sucedida por um drinque composto por água, limão e sal). Vive uma “regra de São Bento para ricos do século XXI”, como escreveu um jornalista do El País.

Dorsey não é fã de livros físicos — doa sempre que ganha, para ler a versão eletrônica. Ainda assim, mantém uma biblioteca na sede da Square, onde estão disponíveis dezenas de exemplares de alguns dos seus livros favoritos: “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway (que relê uma vez por ano), “Checklist: Como fazer as coisas bem-feitas”, de Atul Gawande (todos os funcionários da Square ganham um exemplar de presente), “Tao Te Ching: O caminho da virtude”, de Lao Tzu, um clássico da literatura chinesa e “Entre o mundo e eu”, de Ta-nehisi Coates, jornalista americano que escreve sobre questões raciais.

Apesar de negar o “viés ideológico” do Twitter, Jack Dorsey é declaradamente progressista e, mais do que isso, de esquerda. Vale recordar que, nos Estados Unidos, a definição de “liberal” não é a mesma do Brasil. Dorsey não apenas apoia as chamadas causas identitárias como diz ser, por exemplo, a favor da regulamentação das redes sociais.

Em 2019, chegou a ser convocado pelo presidente Donald Trump para uma conversa à portas fechadas no Salão Oval. Não se sabe o resultado do papo mas, sobre o viés da rede, Dorsey diz: “Precisamos mostrar constantemente que não estamos agindo a partir do nosso próprio preconceito, que eu admito ser mais esquerdista. Mas precisamos remover o preconceito de como agimos, nossas políticas e nossa aplicação”, insiste o empresário que, nos últimos anos, patrocinou as candidaturas democratas de Tulsi Gabbard, Andrew Lang (não eleito) e do governador de Washinton, Jay Inslee.

Embora tweets e perfis contendo ameaças e incitação à violência contra grandes figuras da direita já tenham sido limados da plataforma, Trump é o primeiro líder a ter sua conta banida por tempo indeterminado. Na condição de dono do espaço, Jack Dorsey mantém seus 5,1 milhão de seguidores, com os quais compartilha com frequência suas opiniões, seus feitos e sua vida pessoal. Já os funcionários conservadores, ele assume, “não se sentem seguros para expressar suas opiniões”.

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