Pessoas que se dizem cansadas das redes sociais são, paradoxalmente, as mais propensas a compartilhar desinformação.
Quantos conhecidos seus já disseram ter vontade de deletar a conta em todas as mídias sociais ou simplesmente fizeram isso? Dia desses até uma famosa abriu mão dessas mídias. A cantora Ludmilla pesou ônus e bônus entre o marketing positivo e a carga de xingamentos racistas todos os dias e preferiu ficar de fora. É um fenômeno mundial e, durante a pandemia, mais pessoas têm se sentido afetadas pelo que os cientistas chamam de “Fadiga de Mídias Sociais”. Para quem, como eu, nasceu no século passado e tem mente analógica, pode parecer uma grande bobagem. No século XXI, a integração homem-máquina é definitiva para a participação econômica e cidadã e as redes sociais são a parte mais evidente deste processo.
A primeira definição de “Fadiga de Mídias Sociais” apareceu em 2015: “uma sensação subjetiva e autoavaliada de cansaço de uso de mídia social”. Mais recentemente, em 2019, ela foi aprimorada focando nos motivos que levam as pessoas a ter aversão pelo que nos conecta: “Impulsos persistentes para se afastar das mídias sociais devido à sobrecarga de informação e comunicação”. Avanços tecnológicos existem para melhorar a vida humana. Quando esses sentimentos crescem, sobretudo numa pandemia, é o momento de redirecionar caminhos.
A questão da gestão da pandemia no Brasil é um caso clássico de como a interação homem-máquina, feita para melhorar a comunicação, virou uma bagunça generalizada que está enlouquecendo as pessoas. Todos conhecemos pessoas sérias, razoáveis, educadas e informadas que, por razões que a razão desconhece, passaram a acreditar nas histórias mais fantásticas sobre vírus e vacinas. Um estudo feito durante a pandemia por universidades da Finlândia e de Bangladesh mostra que há 3 diferentes dimensões que explicam como foi criado este nó de regressão na qualidade da comunicação:
1. A quantidade e a qualidade de informação disponível nas redes sociais é determinante para que as pessoas desenvolvam “Fadiga de Mídias Sociais”.
2. É necessário estudar a dinâmica do relacionamento entre as plataformas de redes sociais e seus usuários para compreender mais profundamente a “Fadiga de Mídias Sociais” e seus impactos na vida real.
3. As teorias sobre os limites de carga cognitiva e de stress suportadas pela espécie humana são importantes para explicar por que tantas pessoas têm manifestado “Fadiga de Mídias Sociais”.
Quando você entrou em uma mídia social pela primeira vez, provavelmente o fez atraído pela ideia de reencontrar colegas de escola, manter contato com pessoas interessantes que conheceu em viagens ou cursos, descobrir coisas novas. Hoje, a maioria das pessoas usa redes sociais para se informar. Boa parte do acesso aos órgãos tradicionais de imprensa é mediada pelas plataformas de redes sociais. A confusão não está no conteúdo informado, mas no contexto:
“(1) uma proporção das informações disponíveis é desinformação;
(2) muitas informações disponíveis são irrelevantes;
(3) entropia da informação: a informação é mal organizada e apresentada;
e (4) sobrecarga de informações, simplesmente há informações demais para os humanos entenderem.“, diz o estudo.
Há duas teorias sobre comportamento humano que ajudam muito a entender este sentimento de estar perdendo o bonde da adaptação à tecnologia, principalmente diante da quantidade e qualidade de informação disponíveis no mundo de hoje. A primeira é a que temos um limite para processar informações. É algo ancestral e individual, um sentimento do qual você deve se lembrar bem trazendo à memória como se organizava para estudar para provas na escola. Guardar na memória depende de não sobrecarregar de informação. Também há outra teoria, a que fala da interferência do stress nesse processo, algo que vivemos hoje numa intensidade sem precedentes.
Um dos principais problemas trazidos pelas mídias sociais durante a pandemia de COVID é a potencialização da desinformação, que tem sido letal diariamente. Precisaremos de distanciamento histórico para saber quantas vidas humanas custou essa distopia em que nos metemos. Parece óbvio que quem tem “Fadiga de Mídias Sociais” por tanta desiformação não compartilha fake news, certo? Errado! Pessoas com “Fadiga de Mídias Sociais” compartilham mais desinformação que as outras e isso preocupa os cientistas.
“Pessoas que vivenciam a sobrecarga de comunicação e informação têm menos recursos de capacidade cognitiva à sua disposição, o que dificulta sua capacidade de verificar o informações que encontram. Além disso, o impacto positivo da “Fadiga de Mídias Sociais” sobre o compartilhamento de notícias falsas foi empiricamente demonstrado em pesquisa. Por outro lado, a “Fadiga de Mídias Sociais” também diminui o uso ativo de mídias sociais pelas pessoas. Esses dois fenômenos parecem se opor até certo ponto. Contudo, a pesquisa demonstra que usuários de mídia social cansados não deixam de usar as redes sociais, mas mudam seu comportamento”, diz o estudo. Mudam para pior: continuam nas mídias sociais e desistem pelo cansaço de tentar verificar o que é verdade ou mentira, aderem ao grupo.
O modelo de negócio das plataformas favorece a formação das chamadas “bolhas”. Há quem confunda o “business” das plataformas com comunicação quando, na verdade, o dinheiro vem da inovação na propaganda, o direcionamento mais preciso que existe, individual. O público é segmentado agrupando pessoas por interesses comuns e a forma mais fácil e rápida de fazer isso é deixando claro o que as pessoas repudiam. Nada de tecnologia aqui, só a vida como ela é. Sabemos o que não queremos, mas temos dificuldades em dizer exatamente o que queremos.
“O ecossistema das mídias sociais pode causar ou reforçar a estratificação de pessoas em subgrupos sociais caracterizados por terem uma mente semelhante. Este é o resultado das próprias escolhas dos indivíduos devido a tendências psicológicas combinada com sistemas de recomendação baseados em Inteligência Artificial que visam para fornecer aos usuários conteúdo de que eles provavelmente irão gostar. A falta de pensamento crítico e a amplificação de ideias radicais pelas câmaras de eco virtuais criadas por redes sociais contribuem para o aumento da disseminação de desinformação“, diz o estudo.
Já sabemos quais as características das plataformas e da espécie humana fazem da combinação entre redes sociais e grupos radicais uma mistura explosiva. Resta saber quais características individuais levam pessoas a entrar ou não nos grupos radicalizados e quais os limites para permanecer neles. É esta a grande inovação trazida pelo estudo das universidades da Finlândia e de Bangladesh. Participar ou não de hordas de desinformação depende de 3 fatores: o uso que se faz das redes, princípios morais e controle emocional.
Foram estudados 2 fatores motivacionais para uso de redes sociais: autopromoção e entretenimento. Eles foram cruzados com 3 características pessoais: curiosidade, religiosidade e baixo autocontrole. O teste sobre características foi feito fazendo perguntas para estudantes cujas redes sociais foram analisadas. Já sabemos que os algoritmos das plataformas são feitos para maximizar coleta de dados e dividir pessoas em grupos de interesses cada vez mais específicos. A questão é entender como utilizar o elemento humano para que a minoria barulhenta que participa das correntes de desinformação caia na real.
Quanto às características pessoais, a curiosidade e a religiosidade diminuem as chances de compartilhar informações não-verificadas. Aqui se fala de curiosidade como espírito de explorar novos conhecimentos, não de saber da vida alheia. A religiosidade é específicamente a vivência individual da fé que transcende as questões deste tempo e da vida humana. Não se confunde essa vivência com a mimetização da religiosidade idólatra, cujos ídolos e inimigos são terrenos. Em algumas crenças, isso tem gerado até terrorismo.
Já a deficiência de autocontrole ou impulsividade são características pessoais que maximizam o compartilhamento de notícias falsas, o compartilhamento de informações sem checar e o desenvolvimento da “Fadiga de Redes Sociais”. Justamente por ter dificuldades em atingir o domínio próprio e entregar-se às compulsões, são indivíduos que abusam do uso das redes, acabam elevando muito o nível de influência negativa vinda da inteligência artificial, acabam extenuados e, por consequência, pioram cada vez mais seu comportamento. É uma baliza importante para você definir em quem confiar.
A grande surpresa está num dilema moral. O que parece mais nobre: usar redes sociais para entretenimento ou para autopromoção? Os “narcisistas”, esses que parecem preocupadíssimos com a própria imagem, têm uma contribuição de muito mais qualidade nas redes do que os que estão ali só por divertimento. É da combinação do propósito com as características pessoais e a coerência que sabemos o quanto alguém é vulnerável à tentação de espalhar falsidades e arriscar a vida alheia para se sentir aceito ou se divertir.
“Nós verificamos que as mídias sociais estão sendo usadas para muito mais do que compartilhamento de informações, incluindo autopromoção e entretenimento, que por sua vez aumentou o compartilhamento de informações não verificadas durante a pandemia COVID-19. Isso coloca em dúvida se é sensato para a mídia social misturar um variedade de finalidades de uso, como entretenimento e autopromoção com compartilhamento de informações. Como uma solução pessoal para evitar espalhar falsificações notícias, além de sermos céticos quanto às informações nas redes sociais, nós sugerimos reduzir o tempo gasto nas redes sociais com leitura de notícias e passar para fontes mais rigorosas e confiáveis”, concluem os cientistas.
No mundo inteiro, governos, grandes empresas e indivíduos vivem uma verdadeira batalha pelo ajuste das redes sociais às regras de convivência da civilização e ao respeito à dignidade humana. A novidade que esses cientistas trazem é a questão do propósito de uso das redes. Num mesmo espaço estabelecemos relações de informação, entretenimento e autopromoção, sem que necessariamente seja claro para todos qual a diferença entre cada uma delas. Desfazer essa bagunça vai implicar perdas financeiras às plataformas, mas não parece algo possível de evitar.
Como todo momento de crise e mudança, vivemos esse barulho ensurdecedor da incerteza. É confortante saber que tem muita gente trabalhando. A nossa interação com as máquinas é um caminho sem volta e será cada vez mais acelerada. O importante é jamais perder o foco do que realmente deve estar no centro da evolução: o ser humano.
Madeleine Lacsko
Madeleine Lacsko é jornalista desde a década de 90. Foi Consultora Internacional do Unicef Angola, diretora de comunicação da Change.org, assessora no Supremo Tribunal Federal e do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. É ativista na defesa dos direitos da criança e da mulher. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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